Coluna Cena Política

O "Jogo do Contente" bolsonarista com os mortos por coronavírus

Não é apenas feio ignorar as mortes. Em uma pandemia na qual o inimigo é invisível e se aproveita do descuido para matar, fingir que as mortes não são importantes é um incentivo para que as pessoas acabem infectadas.

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 29/04/2020 às 2:41 | Atualizado em 29/04/2020 às 2:45
EVARISTO SA/AFP
Bolsonaro foi criticado pela mídia estrangeira - FOTO: EVARISTO SA/AFP

Jair Bolsonaro e seus apoiadores levaram o “Jogo do Contente” a um novo patamar. O jogo é explorado no livro Pollyanna, um clássico infantojuvenil em que a personagem tenta sempre encontrar uma visão positiva de tudo o que acontece de ruim. Para cada problema ela busca uma forma melhor de enxergar a realidade. Os bolsonaristas resolveram “curtir" a brincadeira de Pollyanna com as mortes pelo novo coronavírus.

A secretaria de Comunicação lançou um card para as redes sociais em que faz a contagem de pessoas que se recuperaram da covid-19, no formato de um placar. Chamaram de “Placar da Vida”. A publicação ignora os mortos e divulga apenas os “Brasileiros salvos”. O material finaliza com uma frase de efeito: “Enquanto muitos falam de mortes, nós falamos de vida”.

Não é apenas feio ignorar as mortes. Em uma pandemia na qual o inimigo é invisível e se aproveita do descuido para se proliferar e matar, fingir que as mortes não são importantes é um incentivo para que as pessoas se despreocupem e acabem infectadas. A secretaria de Comunicação da presidência se mostra ingênua ou mal intencionada.

O próprio presidente chegou a fazer piada com a morte de 5.017 pessoas, número alcançado na última terça-feira (28). Perguntado por um repórter sobre o dado alarmante, já maior do que o que foi alcançado na China, Bolsonaro achou prudente brincar: “E daí? Lamento! Quer que eu faça o que? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.

No Jogo do Contente bolsonarista, as mortes divulgadas pelo Ministério da Justiça são normais e iriam acontecer de qualquer forma. Para estes, o isolamento, que especialistas em infectologia e cientistas dizem estar evitando uma tragédia ainda maior, não passa de histeria programada por inimigos do presidente, que pretendem tirá-lo do poder para melhor roubar a nação no futuro.

É como se eles estivessem numa distopia ou numa realidade paralela, em pleno processo de alucinação e fuga da realidade.

Usando dinheiro público para isso.

No mesmo dia em que Bolsonaro fez troça com milhares de famílias impactadas pelas mortes, Donald Trump afirmou em entrevista que pode impedir a entrada de brasileiros nos EUA porque a situação aqui é muito séria e, no entendimento dele, o Brasil perdeu o controle. Trump também negou a pandemia no início, mas foi obrigado a mudar de postura com as mortes. Ele é um tipo de ídolo bolsonarista que o presidente brasileiro tenta (mal) emular.

Há alguns dias, Vladimir Putin, presidente da Rússia, depois de negar a pandemia, igual a Bolsonaro, declarou que “tem muitos problemas e pouco do que se orgulhar”, admitindo que errou.

Bolsonaro resolveu fazer piada.

A rotina do presidente brasileiro não é a de um chefe de Estado cuja nação está enfrentando uma tragédia. É a de uma criança ingênua, fugindo dos problemas com jogos de palavras, piadinhas e manias de perseguição.

No livro, Pollyanna tem 11 anos de idade. Bolsonaro, às vezes, não parece chegar a tanto.

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