Cena Política

Uma característica dos líderes de verdade, como Merkel foi na Alemanha, é a disposição ao sacrifício popular em nome do que é certo

No Brasil não temos nenhum exemplo disso nos últimos anos e, talvez, nunca tenhamos tido. Aqui vale a conveniência e o plano para segundos e terceiros mandatos.

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 09/12/2021 às 13:47
ARIS OIKONOMOU / POOL / AFP
EX-CHANCELER Angela Merkel se notabilizou por se importar com o resultado coletivo e não seu prejuízo político - FOTO: ARIS OIKONOMOU / POOL / AFP
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Ler sobre a vida de Ângela Merkel após seus 16 anos como chanceler alemã, finalizados nesta quarta-feira (8), é como viajar para conhecer a rotina de um outro planeta.

Merkel não sairá pobre, terá direito a uma pensão em torno de 15 mil Euros, com segurança pessoal para o resto da vida e uma salinha no parlamento para usar, se quiser.

Para os padrões europeu não é pouco, mas também não é nenhum luxo como acontece no Brasil.

O que chama atenção é a forma sóbria como ela reagiu em uma década e meia ao machismo e ao preconceito que existem lá, como aqui. Merkel nunca se vitimizou.

A ex-chanceler virou verbo. Na Alemanha, "zu merkeln" significa não ter opinião contundente e ser passivo na hora de tomar decisões. Merkel nunca perdeu um minuto de trabalho chorando por isso.

Pelo contrário, seguiu apresentando resultados e planejando o futuro de uma potência econômica mundial.

O estilo a fez, ainda, ficar conhecida como "mãezinha". Também é pejorativo, mas Merkel continuou trabalhando muito, com raras alterações em seu modo, por 16 anos.

Agir como "mãezinha" foi o que possibilitou a ela, uma mulher, negociar com uma União Europeia formada majoritariamente por homens e ainda com figuras como o presidente russo, Vladimir Putin, de igual para igual.

Ao invés de tentar ser tão contundente quanto eles, ela passava horas parecendo concordar com tudo e, no fim do dia, ninguém sabia como, os interesses alemães acabavam prevalecendo.

Era o jeito "mãezinha", que não brigava, mas apontava caminhos.

Merkel mostrou que podia ser uma grande líder sendo mulher, sem emular comportamentos masculinos para ser aceita, mas usando a sensibilidade e a astúcia que nenhum deles tinha.

Apesar da fama, ela soube ser assertiva também quando necessário. Em pelo menos duas ocasiões, foi extremamente dura e, mesmo assim, suas atitudes tiveram repercussão muito boa.

Na primeira, aceitou emprestar dinheiro para Portugal, Espanha e Grécia, na crise de 2008, mas impôs condições de austeridade fiscal muito duras que praticamente inviabilizavam a economia dos países em curto prazo.

Portugueses, espanhóis e gregos reclamaram muito. Mas a mensagem que ela passou para a Europa foi de que sempre estaria disposta a ajudar, desde que a mão que recebesse a ajuda assumisse responsabilidades e aprendesse com aquilo. A "mãezinha" também sabia educar.

Outro momento crítico foi no período da crise migratória, em 2015. Por uma questão humanitária, Merkel abriu as portas da Alemanha e recebeu refugiados como poucas vezes na história do país.

Internamente ela foi muito criticada. A atitude de Merkel ajudou a fazer crescer um sentimento nacionalista na Alemanha e partidos populistas de direita aproveitaram para ampliar cadeiras no parlamento.

Cientistas políticos dizem que, por causa da benevolência com os imigrantes, ela propiciou o reforço de partidos nacionalistas e populistas de direita.

Quando questionada, recentemente, sobre o assunto, disse que faria tudo de novo. Porque "não era uma questão política, mas uma questão humanitária".

Saber diferenciar as necessidades políticas das questões humanitárias urgentes é outra lição a países como o Brasil que costumam direcionar suas prioridades para a conveniência política e para o momento.

Isso ficou ainda mais claro durante a pandemia da covid. Merkel sofreu pressão de grupos populistas de direita que queriam impedir o governo de restringir a circulação de pessoas e tinham o apoio de governadores, preocupados com as eleições da época.

A chanceler precisou de muita paciência para reverter o quadro, fez pronunciamentos advertindo que o que estava acontecendo era tão sério quanto o que se viveu na segunda guerra mundial, e conseguiu conter o prejuízo com as primeiras ondas da doença, apesar de não ter bons índices de vacinação.

O que ela fez foi por acreditar ser o certo, independente das consequências políticas e apostou sua popularidade nisso.

Lembra, em determinados aspectos, a trajetória de Margareth Thatcher. O trabalho que Thatcher teve para criar o que hoje é a União Europeia e as medidas de austeridade que precisou implantar para controlar a economia de um país com 25% de inflação e 17% de desemprego nos anos 1980 a obrigaram a ignorar consequências políticas, por 11 anos, em nome do que era certo e não para o partido ou para sua própria popularidade.

Quando se faz o certo, importa apenas o resultado coletivo e não seu prejuízo político.

Vendo Merkel e lembrando Thatcher, fica fácil entender porque o Brasil não consegue ver, no longo prazo, soluções sustentáveis para seus problemas.

Problemas no Brasil não são apenas dificuldades, mas oportunidades de conveniência para projetos partidários e pessoais de nossas pretensas lideranças.

Liderar é estar disposto a sacrificar e se arriscar todos os dias, com disposição para o suicídio popular, caso isto seja imprescindível ao sucesso coletivo.

Por aqui, a regra é escapar das decisões difíceis para garantir segundos e terceiros mandatos, como estamos vendo ao longo dos últimos anos e vereamos na eleição de 2022.

O resultado de liderar de verdade? Vale a pena?

Bom, é famosa uma entrevista de emprego de um inglês na qual, perguntado porque gostaria de trabalhar num banco de investimentos, responde da seguinte forma: "Na vida da minha mãe, fui sempre o terceiro violinista de duas figuras importantes, Jesus Cristo e Margaret Thatcher".

Questionado, em seguida, o que ele acha dos dois, vai além: "Um deles é o principal motivo da nossa existência. O outro era um carpinteiro".

Exagero, certamente, mas dá uma ideia do que Thatcher representou para eles.

E a mãezinha?

Uma pesquisa feita em seis países mostrou que ela terminou bem sua trajetória como líder não apenas da Alemanha, mas mundial. Na Espanha, 78% dos consultados têm opinião "muito favorável" ou "favorável" sobre Merkel. A taxa é de 67% na França, 61% na Alemanha, 54% na Itália, 46% no Reino Unido e 38% nos Estados Unidos.

Sim, vale a pena.

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