Cena Política

João Pereira Coutinho: "O político tem que ser visto como um símio, da espécie homo sapiens, limitado intelectualmente"

Autor português, referência no conservadorismo, falou sobre conservadores e sobre o Brasil em entrevista recente. O retrato que ele pinta é ruim para o país, seja qual for o resultado da eleição.

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 22/04/2022 às 13:17 | Atualizado em 18/10/2022 às 21:48
MARCOS CORREA/PR E RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
Bolsonaro e Lula lideram as pesquisas de intenção de voto para a Presidência neste ano - FOTO: MARCOS CORREA/PR E RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
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Considerado um dos mais importantes pensadores do conservadorismo, o português João Pereira Coutinho costuma classificar o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), apenas como um "populista". Essa demarcação é importante para entender o ponto de partida do escritor, jornalista e cientista político que escreve para jornais brasileiros e deu entrevista ao programa Roda Viva recentemente.

Curioso é que um dos trechos da entrevista em que ele não fala especificamente sobre o Brasil é, na verdade, o que mais diz sobre nosso momento atual. Coutinho diferencia o que é um conservador, comparado a um reacionário e a um revolucionário.

Reacionários e revolucionários

"A ambição de viver em um mundo perfeito é comum ao reacionário e ao revolucionário. Faz parte da condição humana. Na crise, todos querem viver num mundo melhor. E aí, revolucionários acreditam que quebrando o presente você constrói um futuro melhor. No outro lado da moeda, reacionários querem quebrar o presente para voltar a um tempo em que, na cabeça deles, havia segurança, respeito e ordem. Na prática, ambos querem avançar para um tempo fora do presente. Há uma negação da vida como ela é. E a vida, como ela é, tem sofrimento, é precária e imperfeita. Faz parte da natureza, mas, em ambos os casos, é uma falsificação da História e do tempo".

Quem lê sobre conservadorismo e está habituado com textos, cada um ao seu tempo, do próprio Coutinho ou de autores como Edmund Burke e Roger Scruton, está acostumado com esse tipo de classificação.

A questão aqui é voltar esse olhar para a eleição brasileira, porque está acontecendo algo interessante por aqui. É costume classificar a direita como reacionária e a esquerda como revolucionária. De fato, há sintonia nesse conceito prévio. É a prática que temos visto. Mas volte à fala de Coutinho e tente identificar quais candidatos brasileiros, hoje, se enquadram na classificação de "reacionário".

Se você pensou em Bolsonaro, acertou.

Mas, se você ficou surpreso ao pensar em Lula (PT), acertou também.

MARCOS CORREA/PR E RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
Candidaturas de Bolsonaro e Lula são as mais fortes das eleições deste ano - MARCOS CORREA/PR E RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

O atual presidente gosta de incentivar o imaginário coletivo para um mundo em que "havia ordem, progresso e segurança" na ditadura militar. É uma falsificação da História, como sentencia Coutinho, mas é esperado por ele ser de direita. 

E Lula?

O petista virou um reacionário e isso é uma das coisas mais interessantes dessa eleição. A única diferença entre os dois é o período para o qual querem transportar os eleitores, em busca de voto. Um quer voltar quase 60 anos e o outro quer voltar 20 anos. Para ser justo, por estar no poder atualmente, Bolsonaro até aposentou um pouco sua máquina do tempo. Lula não.

Há alguns dias, numa conversa de redação, um colega comentava que a prisão parece ter deixado Lula "perdido", falando coisas que o prejudicam sem perceber que está se prejudicando. Apesar do pouco tempo, por menor que tenha sido o isolamento, é como se o petista tivesse saído do convívio com a sociedade em um momento e tivesse voltado em outro que, por melhor que seja a recepção, ele não consegue compreender com a velocidade necessária. Por isso, aponta para o passado e quase sempre erra ao tentar avançar. Para Lula, o futuro foi ontem.

Populismo

Ainda sobre a entrevista de João Pereira Coutinho, ao classificar Bolsonaro como populista ele parece entender muito bem que todos os populistas agem de forma mais ou menos semelhante quando chegam ao poder. A comparação com Trump é inevitável:

"Não há nada de errado no populismo. Faz parte da democracia. Nos EUA, os partidos ficaram surdos para todos os sinais populistas desde a década de 1990. Houve vários sinais, mas os partidos não conseguiram incorporá-los. E aí, acontece o que o populismo tem de pior, que é quando ele chega ao poder sem direção e sem filtro. O populismo aponta problemas da sociedade que precisam ser ouvidos e ter resposta. Quando o populismo não é ouvido e acaba eleito, ele sofre a grande tentação de desmontar a outra parte da democracia que é o Judiciário independente e a Imprensa independente".

E aqui vai mais uma comparação: Em que momento você não consegue encaixar Lula e Bolsonaro nesse mesmo contexto? Quando foi que Lula fez um discurso falando sobre algo que não se enquadre na definição de populismo. O que foi que Lula fez por oito anos se não capturar instituições para não sofrer controle depois de eleito?

A esquerda revira os olhos quando seu líder é comparado com o atual presidente, mas são duas opções muito parecidas, com discursos parecidos, e ambas ruins.

Controle

Mas, vamos lá, o verdadeiro problema não está no histrionismo bolsonarista ou na insensatez debochada e orgulhosa lulista.

Coutinho dá a dica do problema brasileiro quando cita James Madison, um dos pais fundadores da Constituição Americana que deu as bases para a democracia no mundo. Quando perguntavam a Madison sobre a necessidade de tantos órgãos de controle ele respondia com o seguinte pensamento:

"Se fôssemos governados por anjos, desnecessários seriam os controles externos e internos. Ao constituir um governo em que a administração será feita por homens sobre outros homens, a maior necessidade reside nisso: primeiro é necessário habilitar o governo a controlar seus governados e, depois, obrigar o governo a controlar-se a si mesmo".

Madison não escreveu apenas para os outros, ficando na teoria. Ele foi o quarto presidente dos EUA.

No Brasil, como funcionam nossos órgãos de controle? Aparelhados, movimentados por verbas federais, mensalões, petrolões e alianças políticas ou ideológicas. Ministério Público com indicações políticas, tribunais de contas influenciados politicamente, judiciário com salários altíssimos que dependem dos outros poderes para continuar sendo reajustados. Subserviência e camaradagem.

Reformas

O problema do Brasil não é Lula, nem Bolsonaro, mas a falta de uma reforma política que reescreva toda a base de nossa democracia sobre valores que rechacem toda essa estrutura atual.

Pensando nisso, a eleição de 2022 importa pouco. Sem reforma política, viveremos no passado. E essa reforma precisa estar em sintonia com uma reforma educacional e cultural também. Sobre a base de seriedade democrática, ao longo do tempo, foi sendo construída uma estrutura que lembra festa, torcida de futebol, animação. Tudo, menos o momento de escolha de um gestor competente para administrar uma nação.

Símios idolatrados

Essa euforia de eleitores com personalidades políticas é outra crítica que Coutinho faz na entrevista:

"A dimensão cética é a parte mais importante do pensamento conservador moderado. Todos somos parte da espécie homo sapiens. Acreditar que qualquer membro dessa espécie é capaz de gerar um estado perfeito desafia a credulidade de uma criança. Qualquer adoração a um símio, seja presidente ou primeiro-ministro, é um erro cômico. Quando vejo as massas adorando um político, chamando de mito, é de tal forma grotesco do ponto de vista conceitual, que uma dose de ceticismo é necessária", explica.

O escritor vai além: "O político tem que ser visto como um símio, membro da espécie homo sapiens, limitado intelectualmente, com os preconceitos que fazem parte da nossa espécie e quanto menos poder ele tiver, menos estrago vai fazer. Quanto mais instituições houver para controlá-lo, melhor", finaliza.

Tudo isso joga um pouco de pessimismo no futuro do Brasil. Temos dois populistas, reacionários e hábeis em controlar as instituições que deveriam controlá-los. Os dois são símios, da espécie homo sapiens, não há nem chance de se falar em reforma eleitoral nos próximos anos.

E um dos dois deverá ser nosso presidente nos próximos anos.

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