Quando Jair Bolsonaro (PL) começou, finalmente, a falar, houve quem esperasse discurso de estadista. Algo como: “Distinto público, reconheço a votação do meu oponente e me prontifico ao dever de seguir os desígnios do povo, com uma transição pacífica”. Essas mesmas pessoas devem acreditar que moendo pedras é possível tomar suco de caju.
Bolsonaro falou por exatos dois minutos e sete segundos. E ele ter falado pouco deveria ser motivo de regozijo, não de preocupação.
Explico: ao agradecer pelos votos que recebeu, citou o número oficial do TSE, de 58 milhões. Isso ajuda a afastar a hipótese de que ele reclamaria de fraude nas urnas. Bolsonaro não fez isso em nenhum momento do texto, lido sob o olhar atento de ministros e aliados que o ajudaram a escrever.
Em seguida, falou sobre os bloqueios nas estradas. Muita gente, mais uma vez, se exasperou com o teor do texto. Esperava-se que ele viesse a recriminar os manifestantes. Mas, como faria isso se eles serviram de apoio nessas quase 48h em que Bolsonaro negociava o próprio futuro? A fala foi curta e cirúrgica. “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As movimentações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônios e cerceamento do direito de ir e vir”, afirmou.
É importante perceber que ele procura “entender” os manifestantes para, em seguida, repreendê-los dentro de suas convicções: “não sejam como a esquerda”.
Na terceira parte da fala, o presidente se coloca para o futuro: “A direita surgiu, de verdade, em nosso país...É uma honra ser o líder de milhões de brasileiros que, como eu, defendem liberdade econômica, religiosa, de opinião, a honestidade e as cores verde e amarela da nossa bandeira”, finalizou.
Curto ou não, é importante observar que o discurso de Bolsonaro tem passado, presente e futuro. Ele agradece pelos votos que teve, condena os bloqueios que estão acontecendo, comparando os manifestantes com a esquerda, e se coloca no futuro como líder da direita no Brasil. Sem interpretações mirabolantes, o texto foi esse.
Tensão
Não nos enganemos, porém, com os próximos dois meses. Entre 1985 e 1989, o Brasil viveu um período de tensão. Era a transição do regime militar para a democracia. Sarney havia assumido após a morte de Tancredo Neves. O que se falava, sempre, era que qualquer passo em falso e "os militares poderiam voltar ao poder".
Dessa vez, o risco não são os militares, que até foram consultados e rechaçam qualquer possibilidade de interferência, no que fazem bem. O risco é de tumultos sociais, amparados na presença, ainda, de um presidente que não nasceu para ser exatamente um apaziguador.
A boa notícia é que essa tensão está programada para durar “apenas” dois meses e não cinco anos, como nos anos 1980.
O discurso mais importante da tarde de ontem, porém, foi o do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP). Foi ainda menor, mais curto, e trouxe o alívio que se esperava: “o presidente me autorizou a iniciar o processo de transição”.
A informação é que começa na próxima quinta-feira (3) e será comandada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
STF
Antes de fazer o discurso no qual agradeceu pelos votos e Ciro Nogueira anunciou a transição, Bolsonaro tentou uma reunião com ministros do STF. O encontro chegou a ter confirmações de Rosa Weber, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Kassio Nunes, mas foi cancelado em seguida. Os magistrados ficaram irritados com o vazamento da reunião. Até onde se sabe, o presidente da República queria sondar o humor dos ministros sobre o futuro e sobre a possibilidade de sigilos impostos por ele serem retirados quando Lula assumir.
Sem os ministros, Bolsonaro recebeu garantias de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, de que terá estrutura jurídica caso seja processado após sair da presidência. O presidente responde a processos no STF que podem descer para a primeira instância ao fim do mandato e estava preocupado.
"Pernambucano"
Nas especulações sobre quem deve integrar o terceiro governo Lula (PT), um nome surgiu com bastante força para uma posição estratégica e delicada: o general Richard Nunes, comandante militar do NE é cotado para ser o comandante geral do Exército. Inteligente, defensor do apartidarismo nas Forças Armadas e muito hábil na comunicação, o carioca (hoje, pernambucano), seria um grande acerto do novo governo.
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