Cena Política

Brasil não é o mesmo de 20 anos atrás e pode não haver paciência para os jogos de Lula

Quando viu a reação da Bolsa e do câmbio ao seu discurso, Lula reclamou que o mercado brasileiro é "nervoso demais". A paciência anda curta e é bom ele perceber isso rápido.

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 11/11/2022 às 17:05
SERGIO LIMA / AFP
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante reunião com políticos das equipes de transição no Centro Cultural do Banco do Brasil. - FOTO: SERGIO LIMA / AFP
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Quando Lula (PT) resolveu fazer um discurso, na quinta-feira (10), em tom social emotivo e econômico assustador, visou dois públicos diferentes. Um ele estava seduzindo e o outro ele estava testando.

Quando venceu a eleição em 2002, o petista estava amarrado às palavras de sua “Carta aos Brasileiros” que, se o mundo fosse um ambiente mais sincero, deveria ter se chamado “Não tenham medo de mim”. Ele entrou, em 2003, forçado pelo mercado e pelo que escreveu na carta a não prejudicar a economia do país gastando além do que o Brasil aguentasse. Deu sorte, porque o ambiente internacional era outro. Foi possível gastar e prorrogar as crises para que explodissem só no colo de Dilma Rousseff (PT).

O resultado foi a situação fiscal insana de um Brasil que aceitou, depois, colocar a culpa de suas mazelas na “Operação Lava Jato” ou na “corrupção”, dependendo de qual seja o seu credo. O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles foi um dos poucos que acertou ao alertar que Lula estava “fazendo discurso político” ao falar para uma esquerda que acredita no dinheiro público criado em árvore para gastar. Meirelles percebeu.

Lula fez o mesmo discurso que fazia na campanha, agradou seu grupo à esquerda, encheu o coração dessas pessoas com esperança, mas ele também iniciou uma negociação com o mercado por suas falas. A universidade de Harvard desenvolveu uma técnica para negociar que vai além da simples relação entre oferta, demanda e preço. O chamado “Método Harvard de Negociação” adiciona empatia aos fatores e maleabilidade ao invés de rigidez nas posições. Hoje, é bem óbvio até. O primeiro passo é tentar entender o que o outro está sentindo antes de fazer uma proposta, perceber até onde a outra parte aceita ir por aquele negócio. Está com raiva? Desconfiada? Confortável? Provoca-se e, depois, observa-se a reação. O terceiro ponto é enxergar o outro lado como aliado, depois ouvir muito e no fim, ter sempre um leque de alternativas para apresentar.

E se o que Lula fez na quinta-feira foi um balão de ensaio? Ele queria sentir o humor do mercado antes de decidir o nome do ministro da Fazenda, por exemplo?

O primeiro ponto é que o petista fez promessas na eleição que não tem dinheiro para cumprir. Os possíveis beneficiados pelas promessas votaram nele por acreditar naquilo e parte do mercado votou por não acreditar que ele levaria aquilo a sério, pois sabem que não há dinheiro.

No discurso de quinta-feira, ele reiterou os compromissos difíceis de cumprir, testando o mercado e o meio político, para saber até onde pode ir. As respostas vieram variadas. Houve na imprensa quem desconversou, houve quem criticasse, Meirelles disse o que pensa, Armínio Fraga disse o que pensa, deputados criticam ou elogiam as palavras.

E Lula vai escolhendo seu ministro da Fazenda com suas diretrizes de acordo com essas respostas. Não foi por acaso que aproveitou o mesmo discurso para afirmar que Geraldo Alckmin (PSB), seu vice, não seria ministro na área econômica. A declaração fazia parte do teste. “Furar o teto” repercutiu mais do que a afirmação sobre Alckmin. É uma sinalização importante antes de uma decisão.

O problema, e por isso Meirelles está muito correto em sua crítica, é que muita gente votou em Lula para tentar fazer com que a eleição de 2018 acabasse, já que Bolsonaro (PL) transformou o próprio governo em uma grande extensão da disputa de quatro anos atrás, cansando até os fios de cabelo de uma sociedade cada vez mais fraturada.

Lula pode querer fazer joguinhos para governar e quem votou nele, sabendo o que estava fazendo, é consciente de que ele trabalha assim. Mas, se insistir em manter o palanque de 2022 armado para além do tempo determinado oficialmente pelo TSE, corre o risco de não seduzir a esquerda e não conseguir negociar com o mercado.

Quando viu a reação da Bolsa e do câmbio ao seu discurso, Lula reclamou que o mercado brasileiro é “nervoso demais”. A sociedade está mais acelerada do que 20 anos atrás. As informações circulam muito rápido. Crises se instalam no estalar de um dedo. A dificuldade da economia já atinge a todos e ninguém está com muita paciência, como havia em 2003, para os floreios da astúcia política lulopetista.

É bom ele acelerar também e ser mais objetivo. Ou o Brasil terá problemas.

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