O protagonismo feminino nas eleições de 2022 é uma realidade tão concreta quanto foram seus resultados.
Em Pernambuco, a governadora, a vice-governadora e a senadora são mulheres. Michelle Bolsonaro teve papel ativo na quase vitória de Bolsonaro (PL). A própria Rosângela Lula foi fundamental durante a campanha petista, é apontada como principal fator para que Simone Tebet (MDB) fosse aceita pela equipe de Lula, formada pelos petistas mais ciumentos e refratários a qualquer novidade que não os coloque em pedestal, sempre.
Diminuir o papel feminino numa gestão que começará após eleições que se deram assim é um erro. Mas, é um erro técnico, de análise, inclusive bastante discutível, dependendo dos argumentos.
O problema é não poder argumentar.
Houve um tempo, recente, em que não se podia argumentar nada sem ser perseguido pelo patrulhamento de quem ocupa o poder. Se você pensou nos últimos quatro anos com Bolsonaro está correto. Mas, se você relacionou aos 13 anos, entre 2003 e 2016, nos quais o PT presidiu o país, acertou também.
Os métodos e a execução são diferentes. O bolsonarismo monopoliza a moral e os bons costumes. Se você não concorda com eles, é “ladrão”, “corrupto”, “maconheiro”, etc.
Já o PT, com perfil intelectualóide, costuma monopolizar a sensibilidade e a inteligência como patrimônios da esquerda. Ou você concorda com eles ou é “burro”, “preconceituoso”, “insensível”, “machista”, “golpista”, etc.
Visões limitadas, distorcidas e muito curiosas levando em conta que um lado defendeu a “liberdade de expressão” nas eleições. E o outro defendeu a “democracia”.
A formação de um governo (e o próprio governo) atende a uma teia de articulações tão delicada que qualquer interferência causa ruídos. E, numa estrutura assim, ruídos viram terremotos com muita facilidade. O alerta de Eliane Cantanhêde não se tratou de opinião solta no mundo, nascida do nada. É um temor legítimo, que vem mesmo sendo comentado nos bastidores.
Rosângela Lula, conhecida como Janja, tem interferido nas articulações desde a campanha, ela tem papel ativo na transição e sua atuação tem, claro, causado temores. A comparação que ela fez com Evita Perón, ex-primeira dama argentina, chama atenção, porque transmite a ideia de que ela pretende um protagonismo popular ainda maior do que o que já possui e isso pode provocar conflito com os brasileiros que votaram em Lula acreditando em sua parcela de discurso mais moderado.
Mas, é algo que deve preocupar, principalmente, os próprios petistas que sonham em suceder o companheiro Lula no futuro. É como se ela tivesse pulado à frente na fila.
Pensando nisso, será que os mesmos grupos que questionam o o protagonismo de Janja não são os mesmo que depois reclamam de "machismo"? Não será a primeira e nem a última vez, acredite, em que os petistas reclamam nos bastidores a um jornalista para depois se fingirem de indignados.
Algo, porém, precisa ser destacado. A personagem Janja não saltou no palco agora, como saída de um buraco no meio do tablado para receber toda a luz do teatro. Ela já estava lá desde que Lula saiu da cadeia.
O problema desse episódio não é se Janja será protagonista ou não. Pessoalmente, acredito que ela será. A consequência disso será mais difícil para os petistas e menos para o país. O que preocupa, de verdade, é seguirmos num ambiente em que a crítica, a análise e o comentário, exercidos dentro dos termos da profissão, sigam sendo objeto de patrulha, inclusive de colegas jornalistas.
O jornalismo brasileiro enfrentou 13 anos de militância raivosa nas ruas, alimentada pelo discurso petista contra o que era chamado maldosamente de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Profissionais de imprensa foram agredidos nas ruas durante as manifestações contra o impeachment de Dilma (PT).
Depois, veio o bolsonarismo, as agressões seguiram nos mesmos moldes, com bandeiras diferentes.
Ao que parece, a única coisa que não muda no Brasil, ao longo das décadas, é a incompreensão com o jornalismo independente e crítico.
A participação de jornalistas no reforço desse processo é o que ainda assusta, embora não seja novidade.
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