Cena Política

Cena Política: A desilusão de Lula com o amor incondicional ao descobrir que as unanimidades são frágeis

Presidente eleito se irritou com mercado, com imprensa e com economistas ao descobrir que foi eleito para que Bolsonaro perdesse e não o contrário.

Igor Maciel
Cadastrado por
Igor Maciel
Publicado em 19/11/2022 às 0:01
JOSEPH EID / AFP
Lula (PT) - FOTO: JOSEPH EID / AFP
Leitura:

Dentre as piores ilusões da vida, a pior que existe é a fraternal. Existe uma corrente que enxerga a ilusão amorosa como mais devastadora. As paixões, entretanto, costumam nascer amarradas singelamente ao fracasso. Todo mundo ama com uma impressão pessoal de que aquilo pode dar errado, porque amor é algo muito íntimo. Já a amizade pressupõe admiração mútua para existir, é uma relação teoricamente mais equilibrada. Ter a ilusão de uma amizade desfeita é uma dor grande. Mas, pior do que as duas, só a ilusão do voto.

O político eleito costuma ser ingênuo, acreditando que é amado e tem milhares ou milhões de amigos. É uma ilusão que reúne amor, amizade e confiança. Um combo desastroso, devido às péssimas impressões que o povo tem dos políticos em geral. No Brasil, o desafio dos candidatos, cada vez mais, é provar que são menos ruins que os colegas concorrentes. Ninguém mais diz que é bom, porque ninguém acredita. O outro é que não presta.

Isso resulta em campanhas péssimas, feias mesmo. Basta olhar a eleição de Pernambuco no primeiro turno. Os cinco principais candidatos fizeram cinco péssimas campanhas. Tanto que três terminaram empatados. O principal argumento de um era apontar defeitos no outro e se ficou nisso por meses. As derrotas cobraram seu preço da ilusão.

Mas, e quando a vitória é a maior ilusão do político? Sim, você pode ser vitorioso e ainda achar que seu triunfo se deu pelos motivos errados. É o caso de Lula (PT).

O ex e futuro presidente petista venceu, apoiado por boa parte da mídia, recebendo declarações de voto, de amizade e amor, remetidas por antigos adversários políticos. Juntou partidos antagônicos, cantores, atores, juristas, gregos, romanos, associações de patrões e de empregados.

E essas uniões sem nenhuma base na realidade do mundo normal de quatro anos atrás podem ter dado ao candidato a impressão de que ele era realmente amado.

Sem querer causar traumas à alma do presidente eleito, alguém precisa dizer a ele que o resultado das urnas não se deu por amor a ele. Lula ter vencido a eleição foi um resultado da derrota de Bolsonaro (PL) e não o contrário.

Bolsonaro não perdeu para que Lula fosse eleito. Lula venceu para que Bolsonaro saísse da vida pública. Parece a mesma coisa, mas não é. E isso começou a doer no petista.

Lula será presidente porque ninguém aguentava mais a rotina de confusões impostas pelo bolsonarismo. A dieta de cinco guerras civis diárias imposta por Bolsonaro à sociedade cada vez mais fraturada cansou.

Não é por acaso que a primeira derrota de um presidente no cargo da História das reeleições brasileiras tenha se concretizado após dois surtos de bolsonaristas com armas. Roberto Jefferson e Carla Zambelli disseram aos eleitores, em episódios separados por poucos dias, cheios de mentiras e uma quase loucura característica de apoiadores muito radicais do presidente, que o caos no Brasil iria continuar.

Os eleitores, que já estavam destinados a reeleger o presidente, porque algumas pesquisas já mostravam tendência de virada bolsonarista, cansados, desistiram de votar ou mudaram para Lula.

O petista venceu aí.

Quando Lula se irritou, há alguns dias, com a imprensa, o mercado e com os economistas porque ninguém aceita que ele seja irresponsável com dinheiro do contribuinte, no caso do teto de gastos, é como se tivesse descoberto ali essa verdade. Descobriu que não é amado e apenas serviu aos propósitos de quem não queria mais Bolsonaro. Deve ter doído.

Economistas que o apoiavam produziram carta aberta criticando a ideia de furar o teto de gastos por quatro anos para pagar o Bolsa Família. Grandes jornais nacionais, inclusive os que lhe foram simpáticos durante a eleição, como Estadão, Folha e O Globo, escreveram editoriais criticando a tal PEC da Transição. Ele cancelou entrevistas, a Bolsa caiu, o dólar subiu.

É como descobrir que sua esposa não casou com você por amor, mas porque você era a única opção dela que precisava esquecer um amor antigo. Agora que esqueceu, ela está lhe cobrando fidelidade e responsabilidade, ou vai embora.

Provavelmente o texto será aprovado num Congresso sempre interessado no bem parlamentar comum. Vá fazer alterações no texto, colocar limitação de tempo na emergência e algumas restrições. Mas o episódio serviu para que Lula enfrentasse a realidade de sua posição.

Ele não foi eleito por amor. Era interesse. Era só pra esquecer o ex.

Comentários

Últimas notícias