Atentados elegem quando não matam, mas nos EUA é diferente do Brasil

Se a vitória de Trump começar a parecer mais clara, democratas que não votariam podem mudar de ideia. A eleição ainda não está tão definida assim.

Publicado em 20/07/2024 às 20:00

Um atentado, quando não mata, elege. Essa frase foi muito repetida nos últimos anos, principalmente no Brasil em 2018, quando Bolsonaro (PL) terminou a campanha que fez quase toda sobre uma cama de hospital, foi eleito e se tornou presidente da República. Ele havia sofrido um atentado durante uma agenda de campanha.

Agora, a frase meio trágica e meio profética voltou a ser repetida por causa de Donald Trump nos EUA. Mas por lá as coisas não são iguais. Trump cresce, porém o episódio não ganha a comoção que teria aqui.

Mártir em vida

O candidato republicano foi salvo por uma leve inclinação de cabeça. Os milésimos de segundo em que fez um movimento lateral, e virou o pescoço para olhar um telão instalado próximo ao palanque, afastaram a cabeça por alguns milímetros da trajetória da bala, que ainda raspou sua orelha. Não fosse por isso, haveria um funeral.

Atentados elegem, quando não matam, porque sobreviver a um tiro ou a uma facada dá ao sujeito condição de “mártir em vida”, concede um certo ar messiânico.

Comoção

O que elege é o misto entre comoção benevolente e admiração pela sobrevivência à morte.

Não é por acaso que até alguns minutos antes da tentativa de assassinato, a principal discussão nos EUA era como convencer Joe Biden a desistir de ser candidato e ser substituído para não correr o risco de perder a eleição. Logo após os tiros, essa urgência arrefeceu. Imediatamente depois do atentado essa conversa foi deixada de lado.

Alguns democratas passaram a defender que Biden vá mesmo, porque a derrota, para eles, está encaminhada. Melhor não expor mais nenhum novo quadro e esperar a próxima eleição em 2028, quando Trump não poderá mais disputar.

Não é tão simples

Diferente do Brasil, onde existe mais comoção humana e menos paixão partidária, os EUA têm praticamente só dois partidos e boa parte dos filiados os carregam como “guias de suas próprias vidas e condutas”. Tem gente que pensa e toma decisões baseado no que está nos manuais do partido. A visão de mundo deles depende disso.

Não é um tiro no adversário que vai fazer o sujeito deixar de ser democrata e votar num republicano.

Sair de casa

Outro aspecto é que a votação nos EUA não é obrigatória. Fazer as pessoas saírem de casa para votar é um fator importante para vencer a eleição. Haverá muitos republicanos votando em Trump por causa dos tiros, mas também haverá muitos democratas que nem pretendiam ir às urnas, porque não estavam interessados no pleito, agora saindo de casa para votar e tentar evitar que Trump saia vitorioso.

Cresceram ambos

Um exemplo desse fenômeno está na pesquisa divulgada após a tentativa de assassinato. Biden e Trump estavam empatados antes do atentado, em 40% x 40%. Depois, os números de Trump cresceram e ele chegou a 43%. Mas Biden também cresceu um pouco e foi a 41%.

Se a vitória de Trump começar a parecer mais clara, democratas que não votariam podem resolver sair de casa. A eleição pode ainda não estar tão definida assim.

Chance

E, sem muita surpresa, assim que a pesquisa foi divulgada mostrando a resistência da candidatura de Biden após o atentado, os democratas voltaram a discutir a possibilidade de o presidente sair e dar lugar a um outro nome.

Ele adoeceu, está isolado em casa com covid, e o planejamento para sua troca voltou com toda força.

No Brasil, Trump estaria virtualmente eleito. Por lá, apesar de ser mais favorito, ainda tem “água para passar debaixo da ponte”.

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