Alexandre de Moraes e a Justiça de protagonismo injusto
É lamentável que o judiciário brasileiro acabe se utilizando de atalhos para alcançar a Justiça, porque atalhos prejudicam a legitimidade do destino.
Sobre o caso do ministro Alexandre de Moraes, imagine você e seu irmão brigando pelo controle remoto da TV. Seu irmão lhe denuncia à "justiça materna", aquela que é a última instância antes da justiça divina.
Colocados frente a frente, você e seu irmão, ao invés de sua mãe conduzir um julgamento equidistante da situação com o controle remoto, aproveita para municiar seu oponente com faltas que, ela considera, devem ser levadas em conta também. “Diga também que seu irmão (você) não arrumou a cama quando acordou e não fez a tarefa de casa”, acrescenta, para depois decidir sobre o controle remoto. O julgamento objetivo está sendo justo?
Não está em discussão, aqui, se é verdade que você evitou arrumar a cama ou deixou de fazer o dever de casa, mas houve uma interferência indevida e um direcionamento no julgamento, que o prejudicou.
Há um protagonismo excessivo de quem julga. E isso também vale para o ministro do STF.
Papéis
Em entrevista exclusiva à Rádio Jornal, no Programa Passando a Limpo, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello evitou criticar diretamente o ministro Alexandre de Moraes, disse não ter tido acesso a todas as informações necessárias para avaliar o caso, lembrou que nos mais de 30 anos como membro do Supremo sempre defendeu que a polícia fizesse a investigação, o Ministério Público faça a denúncia e o juiz se limite a julgar.
A mesma questão, desse excesso de participação do ministro Alexandre, além do julgamento, foi trazida ao Passando a Limpo pelo presidente da OAB em Pernambuco, Fernando Ribeiro Lins.
Interferência no resultado
A questão, básica, é que quando um juiz contribui para a coleta de provas, quando ele insere dados nesses relatórios de investigação e depois os recebe para julgamento, o resultado já está contaminado. Foi o que Alexandre fez através de um auxiliar, municiando o órgão que monitorava as redes sociais no TSE, do qual ele ainda era presidente.
Para completar, as mensagens divulgadas pela Folha de São Paulo dão conta que ele pressionava para que os relatórios da investigação do TSE tivessem exatamente as provas que ele queria julgar, dos atores políticos ou jornalísticos que pretendia bloquear contas e aplicar multas.
Em sendo verdadeiros, os diálogos são muito graves.
Dividir até cansar
A resposta dos que defendem o ministro têm sido alegar que não há ilegalidade, mas não defendem o foco da questão.
Arthur Schopenhauer em seus escritos, sobre a arte da argumentação, cita uma estratégia simples que é a “divisão”. Basicamente, você separa e ignora o tema principal do argumento de um oponente e fala apenas de algo que você possa defender e repetir continuamente.
É interessante que isso começou a ser feito logo cedo nas redes sociais entre pessoas ligadas à esquerda e que defendem Moraes. Rapidamente espalhou-se uma “explicação” sobre a legalidade da atuação do ministro estar baseada no poder de polícia e de investigação que tem o TSE.
O fato
“Não tem nada de errado, porque o TSE tem poder de polícia sim”, é a narrativa repetida continuamente, quase como se fosse orquestrada, exatamente para vencer o debate público, tendo razão ou não.
O problema é que isso nunca foi discutido e não é essa a acusação feita. O TSE tem, sim, capacidade regimental e jurídica para atuar investigando e levantando dados para julgamentos. A questão nunca foi o poder de polícia do TSE e não é essa a crítica, mas a interferência do juiz no relatório que ainda não havia ido para julgamento no STF, utilizando outra instituição da qual, na época, ele também era presidente.
Gravidade
Acontece que Moraes enviou através de um auxiliar elementos que direcionaram os relatórios de investigação feitos pelo órgão do TSE responsável pelo combate à desinformação. Esses relatórios basearam decisões do próprio Alexandre de Moraes contra alvos que ele próprio monitorava pessoalmente, como ficou demonstrado pelas mensagens do auxiliar dele.
Moraes solicitou que postagens específicas fossem incluídas no relatório. E, como era presidente do TSE, o funcionário que fazia a investigação e o monitoramento era obrigado a obedecê-lo.
É grave, sim. E ainda não está explicado pelo ministro.
Legitimidade
Agora, é importante dizer algo aqui. Tudo isso significa que as postagens de bolsonaristas nesses relatórios são falsas? Não. Aconteceram ataques à democracia e às instituições brasileiras que extrapolaram princípios importantes da liberdade de expressão? Com certeza.
Mas os atalhos para sustentar isso acabaram prejudicando o resultado. Lembremos do que aconteceu com a Lava Jato, por causa dos atalhos de Sergio Moro, e como isso pode ter favorecido, depois, a corrupção no país.
É lamentável que o judiciário brasileiro acabe se utilizando de atalhos, porque os atalhos prejudicam a legitimidade do destino.