A cabeça e a boca na estratégia de Lula de olho em 2026
O que Lula fez foi "esquerdizar" o governo para não receber reclamações dos movimentos sociais, enquanto dá uma guinada conservadora em seus discursos

Dizem que a boca fala do que a cabeça está cheia. Funciona diferente com políticos mais experientes. Falar o que realmente pensa, nesse meio, é um sinal de fragilidade e amadorismo. O padrão é que haja uma separação entre cabeça e boca, adaptando às falas ao eleitor.
“Políticos mentem, qual a novidade disso?”, você pode dizer, acompanhando seu comentário de algum adjetivo feio sobre o colunista tão óbvio.
Mas e se eu disser a você que está em curso uma movimentação do governo Lula para transportar isso de um comportamento individual para o funcionamento da própria gestão. Nesse caso, a cabeça do governo é de esquerda, mas a boca é de direita.
Duas direções e…
A ideia surgiu observando manchetes publicadas em jornais de circulação nacional na última sexta-feira (21). Num deles estava escrito assim: Com queda na avaliação de Lula, governo se uniu por 'esquerdização' ou 'dilmização’. Mas em outra publicação, no ar ao mesmo tempo, a manchete era a seguinte: Com 'Pai Nosso' e menção a 'ladrão de celular', Lula ajusta discurso para atrair conservadores.
Afinal, o governo Lula está indo para a direita ou mais para a esquerda? Qual das duas manchetes está correta? Acredite, as duas estão.
…o mesmo destino
Uma afirmação não anula a outra, primeiro porque a ideia de pensamento homogêneo, sem variações, apenas porque você é considerado de esquerda ou de direita, como se fosse proibido concordar com teses dos dois polos, é coisa da cabeça de gente estúpida e limitada.
Segundo porque, como foi dito, na política é muito comum que a boca não fale do que a cabeça está cheia.
Terceiro porque a primeira manchete se refere à administração interna, à equipe que toma as decisões, à cabeça. Já a outra diz respeito ao discurso do presidente, à boca.
Cabeça
O planalto e os ministérios mais estratégicos do governo Lula passam mesmo por uma “esquerdização”. A saída de Nísia Trindade, uma técnica, para dar lugar a Alexandre Padilha (PT) no Ministério da Saúde foi um exemplo.
A entrada de Gleisi Hoffmann (PT), conhecida como uma voz à esquerda do partido (que já é de esquerda), na articulação política foi outro sinal.
O movimento de fortalecimento de bases de esquerda dentro do PT já era notório quando Gleisi estava na presidência nacional. Com ela, até o jurássico Rui Falcão, com seu discurso “proletários, uni-vos” do século 19, voltou a ganhar holofotes.
Essa é a turma que está tomando decisões, planejando distribuição de verbas pelos ministérios e entre parlamentares.
Boca
À frente, como se fosse uma extensão da cabeça, está o presidente Lula, a boca, o que faz os discursos e por quem fala a comunicação, comandada pelo experiente publicitário e marqueteiro político, Sidônio Palmeira.
Nas pesquisas qualitativas que estão sendo feitas desde que ele entrou (e são muitas) foi detectada uma profunda insatisfação com a segurança pública. Foi detectado também, dentro desse ponto, que há preocupação com roubos e furtos, porque é o que atinge a população com mais frequência.
Nessas pesquisas também foi identificado que, para melhorar a popularidade, Lula necessita agradar o público evangélico.
Amém
Não é por acaso que, de alguns dias pra cá, o presidente começou a puxar um “Pai Nosso” numa solenidade, reclamar dos “ladrões de celular” em outra e até fazer discurso sobre os operários de uma montadora comprarem os carros que produzem quando estava na fábrica da Toyota.
O “Pai Nosso”, que nunca é demais, tem os evangélicos como alvo. A “guerra contra o ladrão de celular” agrada o público geral, mas tenta quebrar a ideia que os conservadores têm sobre o petista, de que ele é contra punir criminosos desse tipo.
Já o discurso na fábrica de automóveis pode até confundir algumas pessoas, achando que ele está fazendo o velho discurso dos operários contra os patrões, mas não é o caso. Lula defendeu que o “operário compre o carro do patrão”. Isso se encaixa em algo que é a principal base doutrinária das igrejas neopentecostais: a Teologia da Prosperidade, segundo a qual “a prosperidade material é a marca do cristão cheio de fé, premiado por Deus”.
Ocupado
Na reforma ministerial que ainda não foi finalizada, o que Lula fez foi “esquerdizar” o governo para não receber reclamações dos movimentos sociais, que estão mais do que contemplados em ministérios, enquanto dá uma guinada conservadora em seus discursos, que agora são lidos para evitar que ele fale as patetices comuns nos últimos meses.
A questão é que, sem nenhum escândalo de corrupção para alimentar o antipetismo, a direita pode ter dificuldade para emplacar o discurso cristão e conservador caso ele já esteja sendo usado pelo presidente petista. Isso, é claro, se a estratégia lulista der certo.