"A falta de financiamento, a desistência dos pais e a imprevisibilidade do retorno foram fatais para gente”. O desabafo emocionado é de Carolina Montenegro, proprietária e diretora do Espaço Sementinhas, berçário e creche que existia há quase sete anos no bairro de Setúbal, Zona Sul do Recife e que fechou as portas na última quarta-feira (12). Em abril, a creche ainda se mantinha com 50 crianças matriculadas. Quando decidiu pelo fechamento, Carolina tinha apenas 18 matrículas. “Ao contrário do que imaginam aqueles que estão decidindo o fechamento das escolas, os pais tiveram que voltar a trabalhar e, sem ter onde deixar seus filhos, optaram por contratar uma pessoa para este trabalho. Obviamente, as famílias não conseguiam pagar pela creche e ainda por uma babá”, lamentou Carolina.
As creches e escolas infantis particulares são as que mais sofrem com a evasão durante a pandemia. Entre as 853 creches e pré-escolas da rede privada do Recife, a desistência média de alunos está em 20%. Mas a inadimplência em alta, o cancelamento de matrículas e o risco real de fechamento é comum a todos os estabelecimentos de ensino, garante o diretor executivo do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de Pernambuco (Sinepe), Arnaldo Mendonça. “O impacto econômico [do fechamento das escolas] é absurdo. As que estão conseguindo negociar muito junto às famílias, estão com 40% de inadimplência. Tem escola com mais de 50% de pagamentos em atraso. Qual é a instituição privada que consegue operar com metade da sua receita?”, indaga.
Segundo dados do Sinepe, o faturamento das escolas particulares vem caindo durante a pandemia. De março a maio, a inadimplência dobrou, passando de 21% para 40%, em média. Mesmo as escolas concedendo um desconto médio de 18% nas mensalidades para as famílias. Para Arnaldo Mendonça, que também é diretor do colégio Dom, em Olinda, os custos das escolas devem aumentar daqui por diante. Ele cita o fim do programa do governo federal que bancava até 70% do salário dos funcionários, em troca da estabilidade no emprego por 90 dias. “Isso significa que os alunos estão indo embora e o custo com funcionários vai continuar porque você não pode dispensar pessoal por três meses”. Ele não imagina um cenário com escolas fechadas até o final do ano.
ADIAMENTO
Com protocolos definidos e pronto para a reabertura, o setor se frustrou, mais uma vez, na última quinta-feira (13), quando o governo do Estado decidiu ampliar, novamente, a suspensão das atividades presenciais para o final deste mês de agosto. O prazo anterior se encerraria hoje (15). “A gente está prevendo que pelo menos 50% das escolas particulares de educação infantil e fundamental 1 vão fechar se permanecerem fechadas até o fim do ano. As que tem só educação infantil vão fechar quase todas”, projeta Arnaldo.
As famílias estão divididas em relação ao retorno das aulas presenciais. A psico pedagoga Ana Karla Tenório tem um filho de 17 anos no terceiro ano do ensino médio em um colégio particular, localizado em Olinda. “Meu filho não faz questão de voltar. E nem eu deixaria, caso ele quisesse. A pandemia está aí e a gente não pode desprezar essa situação”. Ela diz que as aulas on line que estão tendo são muito eficientes, mas não critica as escolas que querem reabrir. “Como educadora eu até apoio a volta, mas como mãe, não”, resumiu.
A diretora do Instituto Capibaribe, Mônica Antunes, revela que a escola, de 527 alunos, criou uma comissão de retorno as aulas. Mônica diz que entende a pressão de algumas escolas e da sociedade em busca da recuperação da economia, “mas a gente considera que voltar neste momento é prematuro, porque ainda não temos uma solução para o problema coronavírus”. A diretora afirma, no entanto, que a escola está pronta para voltar com segurança com as famílias que assim decidirem. “A gente só não voltaria se todas as famílias fossem contrárias ao retorno, mas fizemos um levantamento e o resultado foi que a maior parte das famílias está entre a dúvida e o retorno”, explicou. O Instituto Capibaribe é uma instituição particular sem fins lucrativos, de ensino infantil e fundamental. Foi fundado por educadores e famílias na década de 50 tendo a frente o educador Paulo Freire.
Uma mãe de aluna que está segura da volta é a advogada Aline Aleixo Ela tem uma filha de 3 anos no pré-escolar. Sem previsão de reabertura da escola que a pequena Maria Eduarda frequentava, Aline teve que se manter trabalhando em home office. Mas garante que levaria a filha para a escola no primeiro dia de aula da reabertura. “Eu tenho total segurança em relação ao ambiente porque, antes mesmo do coronavírus, a escola já mantinha regras muito fortes como limpeza dos sapatos de quem chegava com solução de água sanitária e muitos locais para lavar a mão. Sei que eles aumentaram os cuidados agora e, abrindo a escola, minha filha vai”, assegurou a advogada.
EMPRÉSTIMO
A escola que Maria Eduarda frequenta é o Espaço Catavento, localizado no Bairro das Graças, Zona Norte do Recife. Atuando só com educação infantil, havia 65 alunos antes da pandemia. Hoje está com 45. A diretora Martha Góis conta que foi feito um investimento durante a pandemia visando a reabertura. “Mudamos de endereço, ampliamos o número de salas para acolher menos alunos por sala, abrimos janelas maiores para evitar o uso de ar condicionado. Tudo para preparar a nossa volta”, conta a diretora. O dinheiro da reforma foi conseguido junto a dois bancos. Martha diz que a escola passou a ter uma inadimplência de cerca de 10%, que não havia antes; “Procuramos as famílias para tentar evitar a evasão e foi possível estabelecer um desconto linear de 20% para todas”. A perda de receita com os descontos e cancelamento de matrículas foi de 70%. “Pra gente o que aflige mais é a falta de plano de reabertura por parte do governo. Nós não vimos investimentos por parte do governo para adequar as escolas públicas para esse retorno mas, mesmo assim, o governo insiste em atrelar a reabertura das escolas particulares às escolas públicas, mas não investe nisso”, diz Martha Góis.
A empresária Carolina Montenegro, proprietária do Espaço Sementinhas, citada no início desta reportagem, também tentou recorrer a empréstimos para manter sua empresa aberta. Sem sucesso. “Abrimos contas em mais de um banco para tentar o famoso Pronampe, o crédito a juros baixos prometido pelo governo. Na prática, os gerentes dos bancos não recebem esse recurso e, quando recebem, é um valor irrisório para dividir para todos os interessados”. Carolina conta que precisava de cerca de R$ 260 mil para se manter funcionando até dezembro. Uma amiga, também do setor de educação e que precisava de valor semelhante conseguiu apenas R$ 34 mil.
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