Por que a carne está tão cara e o que a população tem feito para continuar levando o produto para casa
Nos últimos 12 meses (agosto de 2020 a agosto de 2021), as carnes tiveram reajuste de 28,82% no Recife, enquanto no Brasil a alta foi de 30,77%. E a tendência é continuar neste patamar nos próximos meses
A aposentada Marta Maria da Silva, de 78 anos, chegou cedo ao Mercado de Afogados, na Zona Oeste do Recife. Ela percorreu alguns boxes até parar em um que oferecia o produto que procurava. Dona Martinha, como é conhecida no local, escolheu com paciência os melhores pés de galinha, dispostos em uma bandeja. Pagou R$ 6 pelo quilo da mercadoria. "É pra comer mesmo, moço. Faço guisadinho. Fica ótimo", disse ela, acrescentando a compra algumas coxas e asas de frango.
Já Maria Betânia Souza Rocha preferiu osso bovino. "É pra fazer sopa. Amanhã compro mais uma coisinha", explicou. A dona de casa lembra de quando ia ao açougue e botava na sacola uma variedade bem maior de alimentos, como bife, bisteca de porco e sarapatel. "Bisteca agora, só no final de semana. Hoje é só ossinho, se não, não come", resumiu.
As amigas Carla Luísa e Carol Souza estavam levando para casa, osso de patinho, bisteca de porco e "um pouco de bife". Tudo em menor quantidade do que estavam acostumadas a comprar há alguns anos. "Se antes a gente comprava dois quilos, agora compra um. Se comprava um quilo, agora compra meio. E o bife a gente ainda corta bem fininho quando chega em casa, pra render mais", dá a dica Carla. Em comum, todas as consumidoras tinham a mesma reclamação: a carne está muito cara.
MERCADO
A inflação dos alimentos alterou a rotina de consumidores e comerciantes. Em 2021, o consumo de carne bovina no Brasil deve cair para 7,22 milhões de toneladas, queda de 5,0% em relação a 2020. Por outro lado, a procura pela carne de aves e suínas vem aumentando no mercado interno. A carne de frango já responde por 51,3% do consumo, em seguida vem a carne bovina (35,1%) e por fim a suína, com 14,6% na preferência dos consumidores. A procura por fontes de proteína mais baratas faz parte da nova realidade.
O comerciante Eric Ranieri, que trabalha com venda de carne de frango no Mercado de Afogados, confirma que o perfil da compra mudou. Os consumidores estão levando porções menores das partes mais nobres (como peito e filé de peito) e investindo nas peças mais baratas, como asa, pés, carcaças e miúdos, além dos embutidos. "A salsicha de frango também está tendo boa saída", diz Eric, pontuando que o produto está custando R$ 11 o quilo. "No ano passado eu vendia a salsicha a R$ 6, R$ 7. Está tudo muito mais caro", admite o comerciante, que também tem sofrido com a elevação dos preços junto aos seus fornecedores.
Negociar junto aos fornecedores tem sido a estratégia da gerente administrativa Adriana Silva para garantir preços melhores no açougue onde trabalha. "Pesquisamos muito junto aos fornecedores. Quando conseguimos um desconto nos produtos, repassamos para nossos clientes", garante. A promoção do dia era a costela bovina, que estava saindo por R$ 20 o quilo. "Não dá nem tempo de descongelar. É a gente botando na bandeja e o povo pegando", diz o acougueiro José Roberto. A pequena loja estava apinhada de gente na última sexta-feira (1). "É por conta do final do mês. Muita gente recebendo salário, tíquete alimentação", apressa-se em explicar. "Depois o movimento esvazia até o dia 20, 25", diz Adriana.
EXPORTAÇÃO
Se acesso da população a proteína animal está mais difícil, a venda de carne bovina para o exterior bate recordes, somando o equivalente a US$1,03 bilhão em agosto de 2021. Alta de 57,6% em relação ao mesmo período de 2020. No acumulado do ano, até agosto, o faturamento chegou a US$5,44 bilhões, avanço de 13,4% em relação ao período janeiro-agosto de 2020. O ótimo desempenho das exportações tem a ver com o apetite chinês. A China ampliou a importação de carne brasileira. A receita com as exportações para o país asiático cresceram 24,2% nos oito primeiros meses deste ano. Os Estados Unidos também ampliaram a compra de carne bovina brasileira em três vezes no mesmo período, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
As exportações de carne de frango, de carne suína e de ovos também devem registrar crescimento e novos recordes em 2021, conforme projeções traçadas pela Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), divulgadas na quarta-feira (29).No caso da carne de frango, os levantamentos indicam que a produção nacional deverá totalizar entre 14,100 e 14,300 milhões de toneladas, ou o equivalente a 3,5% de crescimento em relação ao total produzido em 2020, com 13,845 milhões de toneladas. Caso seja confirmado, será o maior volume de produção já registrado pela avicultura nacional.
INFLAÇÃO
A constatação de que os preços da carne estão num ritmo galopante de crescimento, está no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE. Segundo o estudo, a variação no preço das carnes no Grande Recife, foi de 0,48% em agosto, ficando abaixo da variação nacional (0,63%). Mas o patamar da inflação das carnes no acumulado do ano impressiona. No Recife foi de 10,64%, bem acima da nacional (8,75%). Nos últimos 12 meses (agosto de 2020 a agosto de 2021), as carnes tiveram reajuste de 28,82% no Recife, enquanto no Brasil a alta foi de 30,77%.
Ainda segundo o IBGE, o músculo bovino foi o tipo de carne que mais aumentou nos últimos 12 meses no Recife (38,89%). A Picanha do churrasco encareceu em 33% no mesmo período. O quilo podia ser encontrado em um açougue de Afogados por quase R$ 60. A carne bovina que menos subiu de preço, a capa de filé, ficou quase 10% mais cara (9,68%, para ser mais exato). No mercado, o quilo sai por R$ 30. Em se tratando de proteína animal, não há muito para onde correr. O percentual de aumento das carnes suínas, bovinas, de aves e ovos, ficará acima dos 10% este ano, bem acima da inflação oficial estimada de 5,9% (IPCA). A bandeja de ovos, com 30 unidades, variava nos pontos de venda em Afogados de R$ 15 a R$ 18.
Fernanda Estelita, gerente de planejamento e gestão do IBGE em Pernambuco, explica este movimento inflacionário . "Em 2020 tivemos a questão da pandemia. A exportação caiu mas, com o pagamento do auxílio emergencial, a população pôde ter mais acesso a carne. Com a redução dos índices de contaminação pela covid-19, as exportações voltaram com força. Aí a gente entrou em choque. Nós tínhamos um aquecimento nas vendas internas e um aumento das exportações. Com a redução do valor do auxílio emergencial e, depois, o fim do benefício, a carne de segunda é que passou a ser mais procurada no mercado interno. A alta procura fez o preço subir". A gerente de planejamento do IBGE não projeta nenhuma mudança, em curto prazo, no cenário de preços. "A gente não vê nenhum fato novo, a curto prazo, para que haja uma mudança significativa", avaliou a gerente.
FRANGO
Na dieta financeira das famílias brasileiras, a carne de frango tem sido uma alternativa. Ela subiu menos (25%) do que a bovina de janeiro a agosto deste ano. Mas deve continuar cara até o próximo mês de dezembro. A Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), que representa o setor, informa que a demanda por exportação não é exatamente a causa dos aumentos de preço. O vilão aqui são os custo de produção, sobretudo a elevação no preço do milho e da soja, [principais insumos da ração dos animais], que subiram em torno de 140% em um ano e penalizam o produtor, que é obrigado a repassar percentuais para quem está na outra ponta, no caso, o consumidor.
Apesar disso, a estimativa da entidade é de que o consumo anual de frango cresça até 1,5% este ano, alcançando 46 quilos por pessoa. Outra alternativa menos cara, os ovos, também devem encerrar o ano com maior procura, chegando a 255 unidades por habitante. A inflação do ovo de galinha, no Brasil, somente em agosto, chegou a 14,28%, segundo o IBGE. Para o diretor de mercados da Abpa, Luis Rua, os custos de produção subiram de uma maneira que ele nunca tinha visto. "Eu acredito que os custos bateram no teto, ou seja, devem entrar em um patamar de estabilidade, o que deve continuar refletindo nos preços finais para o consumidor', acredita Luis Rua.