COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

Ensino remoto não deve ser uma mera replicação da aula presencial

As aulas nas escolas particulares de Pernambuco recomeçam nesta segunda-feira (04). Mas serão remotas pois as atividades presenciais estão suspensas devido ao coronavírus. A professora Sandra Siebra, da UFPE, traz algumas reflexões sobre o assunto

Margarida Azevedo
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Margarida Azevedo
Publicado em 04/05/2020 às 8:05 | Atualizado em 04/05/2020 às 8:40
Valter Campanato/Agência Brasil
Uma das soluções será assistir às aulas pelo celular - FOTO: Valter Campanato/Agência Brasil

Nesta segunda-feira (04), uma nova rotina começa para alunos, professores e famílias de escolas particulares de Pernambuco. As aulas serão retomadas, após férias antecipadas para o mês de abril por causa da pandemia do novo coronavírus. Como colégios e faculdades estão proibidos, no Estado, de terem aulas presenciais, a solução é ofertar atividades remotas. Por ser uma prática pouco comum na educação básica, sobretudo em substituição das aulas regulares, alguns pais estão inseguros se o formato vai funcionar, sobretudo para crianças menores ou em processo de alfabetização.

Com mais de uma década atuando na educação a distância, a professora Sandra Siebra, do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), respondeu algumas perguntas sobre o assunto, a pedido do JC. Atualmente, além de lecionar na UFPE, Sandra é consultora em educação a distância e atua em projetos de EAD no Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz. Já colaborou em iniciativas da  Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS-UFPE), Ministério da Saúde e Fundaj.

"O grande segredo está em um bom planejamento para organização das aulas, cientes que não deve ser uma mera replicação do ensino presencial", diz a professora sobre o novo (para a maioria das escolas) formato de ensino.


JC - Existe diferença entre ensino remoto e educação a distância?

Sandra - Apesar de ambos serem mediados por meio do uso da tecnologia de informação e comunicação, o ensino remoto, que muitas escolas e faculdades vêm fazendo, é como se houvesse transposição do ensino presencial, sem as devidas adaptações necessárias e sem recursos midiáticos e atividades preparadas especificamente para o uso à distância.

Na educação a distância é preciso diversidade de conteúdos didáticos e que esses conteúdos tenham sido elaborados com a finalidade de uso à distância (diferença na organização e na didática, na linguagem, entre outros), variação entre atividades síncronas e assíncronas, acompanhamento de tutores à distância (capacitados para isso) de forma atemporal, diversidade de materiais sendo utilizados (texto, áudio, vídeos, etc) e um ambiente virtual que substituirá a sala de aula, por meio do qual esses recursos e o apoio serão disponibilizados. Atualmente, tenho visto nos esforços das escolas muito mais iniciativas de ensino remoto do que efetivamente de EAD.

JC - Uma aula remota pode ser a mesma que uma aula presencial? O que precisa ser observado?

Sandra - Em contato com pais de várias escolas, pude constatar que as escolas, com raras exceções, vêm pegando fichas de atividades que seriam aplicadas em sala convencional e as colocando para serem feitas pelos alunos, para os pais as corrigirem com auxílio de gabarito; têm indicado vídeos de Youtube da temática ou vídeos gravados com os professores; têm usado, muitas vezes, materiais de aulas presenciais, como slides, sem adaptações e disponibilizado online. Isso não é EAD.

Algumas outras têm feito aulas ao vivo, de várias horas seguidas, praticamente, uma filmagem de uma aula presencial, sem dinâmica adequada para EAD. Poucas têm feito experiência com interatividade. Poucas tem feito uso de verdadeiros ambientes virtuais e, quando o fazem, não usam adequadamente seus recursos, usando-os puramente como repositórios de aulas convencionais (em geral vídeos gravados ou powerpoints com voz).

Para aula ao vivo ou gravadas é importante repensar a dinâmica, a forma de apresentação do conteúdo, a didática da aula e o tempo de duração para poder manter a atenção e interesse dos alunos. Não pode ser, como mencionado antes, uma gravação pura de uma aula presencial. Será proporcionada alguma interação? Como o aluno sanará as dúvidas? Como sele saberá se os alunos estão acompanhando?

Também é preciso ter cuidado com o tempo de duração. Principalmente para as crianças da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Será difícil manter a atenção frente ao computador se houver a sensação de “solidão”/isolamento ou se a aula não for dinâmica.

Outra grande preocupação para o momento é: como será o formato, o que haverá de diferente para atender as pessoas com deficiência? E as com TDHA? Haverá material adaptado? Os
ambientes terão acessibilidade?

Vários pais estão preocupados, ansiosos sobre como vão fazer o acompanhamento dessas aulas, pois a maioria também não teve experiência à distância e muitos precisarão acompanhar os filhos que, principalmente os menores, podem não se manter focados em frente ao dispositivo da aula (sem chavear para jogos ou outros ambientes, se perderem o interesse) e os pais ainda precisarão dividir seu tempo com o home office e as tarefas domésticas.

Há também o problema da infraestrutura. Chamo a atenção dois lados desse problema: 1) Estarão os ambientes das escolas preparados para tantos alunos conectados? Há relatos de escolas que começaram com aulas ao vivo e ficam saindo do ar ou ficam com áudio/vídeo cortando. 2) Há infraestrutura dentro da casas dos alunos, considerando que os pais podem estar trabalhando home office, para as aulas online? Que dispositivo esses alunos vão usar (é diferente assistir uma aula num computador e assistir aula em um celular – o tamanho da tela pode fazer diferença)?

E em casas com dois ou três filhos em séries diferentes, como cada um terá um dispositivo para acompanhar as aulas, especialmente se forem ao vivo? Como administrar esse compartilhamento pra ninguém sair prejudicado? Haverá um ambiente tranquilo para assistir as aulas se forem ao vivo (lidando com os próprios barulhos da casa, bebê chorando, televisores, por exemplo)?

Como manter a noção de turma, fazer com que o aluno não se sinta só? É importante que sejam criados formas de comunicação entre a turma, grupos de estudo, fóruns, para que haja a comunicação e o aluno não se sinta só na aula.

JC - Os professores estão preparados?

Sandra - Uma grande preocupação é se os professores vão estar preparados para atuar nesse contexto à distância. Podemos afirmar que a grande maioria não estudou nessa modalidade e talvez nem tenha vivenciado ao menos uma experiência de curso na modalidade EaD, logo, ficam sem um parâmetro.

Os professores, tal como as escolas foram pegos de surpresa e no mês de abril, quando supostamente estariam de férias. Logo, mesmo que tenha havido uma capacitação, ela deve ter sido feita de maneira rápida e eles estão tendo pouco tempo para adaptar seus conteúdos didáticos para uso à distância.

Assim, pode-se questionar: Será que a didática vai ser apropriada? Se forem gravar, como alguns se portarão frente às câmeras (nem todo mundo se sente à vontade com isso)? Será que o material conseguirá mesmo ser adaptado, como deveria, em tão curto tempo? Os professores saberão prender a atenção da turma à distância e tornar a aula interessante, criativa e dinâmica?

Isso é especialmente delicado e preocupante para a educação infantil e fundamental, devido à faixa etária dos alunos. Que técnicas os professores vão utilizar para saber se os alunos estão entendendo, acompanhando bem as aulas? Como lidar com a interferência dos pais nas aulas? Já que, supostamente, as crianças precisarão de acompanhamento durante as aulas, terá de haver um responsável perto dele.

Como os exercícios e atividade serão realizadas pelos alunos? Haverá exercícios /atividades durante as aulas? Eles foram adaptados para serem feitos à distância? Vi atividades de escolas serem de “cópias de trechos de livros” para fixação do conteúdo. Isso não é uma atividade motivadora. Também coloca-se aí a questão de como serão posteriormente realizadas as avaliações, especialmente se a pandemia perdurar.

Adicionalmente, é importante considerar: as escolas irão acompanhando os feedbacks dos alunos/famílias para poder ir aprimorando e ajustando os problemas que forem ocorrendo? Como isso será operacionalizado?

JC - Sobre o tempo de duração de cada aula, como prender a atenção de um aluno, sobretudo os menores, e por quanto tempo na frente de um computador?

Sandra - Fica difícil ter uma receita de bolo para a duração da aula. Com certeza aulas longas serão mais cansativas e propensas a perder a atenção dos alunos. Mas há vários fatores a considerar: depende do assunto (se é instigante ou não), da forma que vai ser apresentado, dos recursos utilizados, da dinâmica do professor, entre outros.

Se a aula for ao vivo, é importante haver intervalos, porque será difícil manter o aluno e se for criança (manter até mesmo os pais) sentados tanto tempo na frente de um dispositivo tecnológico.

Da mesma forma que quando vemos textos/mensagens muito longos ficamos propensos a não fazer a leitura completa, vídeos longos, especialmente se forem gravados (exemplos, mais de 10 minutos) tendem a perder a atenção de quem está assistindo. O grande segredo está em um bom planejamento para organização das aulas, cientes que não devem ser uma mera replicação do ensino presencial.

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