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Incertezas do ano letivo devido à covid-19 preocupam famílias; veja perguntas e respostas sobre volta às aulas

Em Pernambuco, as aulas estão suspensas até 31 de julho. Pais estão preocupados em relação à aprendizagem dos filhos no modelo remoto e à segurança quando o retorno presencial for autorizado

Margarida Azevedo
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Margarida Azevedo
Publicado em 04/07/2020 às 21:15 | Atualizado em 05/07/2020 às 16:36
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Raquel se divide entre os filhos Bruno e Beatriz. Preocupação é com o caçula, que está na pré-alfabetização - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

De início, houve o impacto de lidar com uma nova forma de ensinar e de aprender, quando muitas vezes a sala de casa virou literalmente sala de aula. Passados entre dois e três meses dessa nova realidade (o tempo depende de quando cada rede começou com atividades remotas), provocada pela pandemia da covid-19, a expectativa agora é como e quando será possível voltar para a escola. Em meio à indefinição da data de retorno em Pernambuco – as aulas presenciais permanecem suspensas até 31 de julho – famílias estão inquietas. São muitas perguntas. Vai dar tempo de concluir o ano letivo? As crianças e adolescentes estão aprendendo mesmo na aula virtual? Será que vale a pena repetir a série? É seguro o retorno para escola?

“O ano letivo de 2020 vai exigir ajustes no calendário, estratégias diferenciadas. Em Pernambuco e em qualquer outro lugar do mundo serão necessárias soluções com as quais não estamos acostumados. Nossa maior preocupação não é nem a carga horária, mas sim ter a garantia da aprendizagem. Esse é um dos desafios”, afirma o secretário estadual de Educação, Frederico Amancio. Ele é o responsável por montar o planejamento de retomada das atividades educacionais no Estado.

O secretário refuta a hipótese de perda do ano letivo. “As aulas remotas estão acontecendo, com mais ou menos intensidade, nas redes públicas e privada. Não consideramos essa possibilidade de perder o ano. Acredito que em algum momento haverá o retorno das aulas presenciais no Estado. Só não temos a data ainda”, destaca. “É um ano diferenciado, com tempo mais apertado. Pode ser que não seja concluído em 2020. Será necessário reforçar conteúdos em 2021, quiçá em 2022”, observa.

APRENDIZAGEM

Concluinte do ensino fundamental, Maria Barbosa, 14 anos, tem aulas remotas todas as manhãs. Não se sente motivada com a nova rotina e se queixa da quantidade de tarefas. “Estou com muita dificuldade de aprender. Levo a sério, mas é complicado manter a concentração, prestar atenção. E os professores estão passando muitas atividades, tem vezes que acumula”, afirma Maria Barbosa, aluna do 9º ano do Lubienska Centro Educacional, no bairro da Torre, Zona Oeste do Recife.

Enquanto muitos pais se angustiam com a dúvida sobre a aprendizagem dos filhos, a mãe de Maria, Ana Cláudia Barbosa, 44, diz que sua preocupação é a educação que teremos daqui pra frente. “Há pais em pânico, querendo soluções agora. Não adianta. Entendo que como Maria, outros adolescentes estão vivendo a mesma realidade. E todos vão vivenciar isso juntos, com a escola junto também. Não será uma situação só dela. Isso me tranquiliza porque a resposta será coletiva”, destaca Ana Cláudia. “O que me inquieta são as soluções que teremos na educação do Brasil depois que isso tudo passar”, observa.

CICLOS

Uma possibilidade que tem surgido nos debates sobre o aproveitamento do ano letivo é encarar 2020 e 2021 como um ciclo de aprendizagem, uma série complementando a outra. Na prática, significa que assuntos que não puderem ser vistos durante este ano serão abordados em 2021.

“Os 1º e 2º anos do ensino fundamental já são vistos como um ciclo, quando a criança tem o processo de alfabetização e letramento. Com exceção de séries finais das etapas, poderemos pensar em algo nesse contexto. Conteúdos estruturantes serão trabalhados num ano e no outro serão retomados, com ampliação na outra série”, explica o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Pernambuco, José Ricardo Diniz.

Mãe de Beatriz, 8, e Bruno, 5, a administradora Raquel Maia, 39, comemora que o caçula, aluno do último ano da educação infantil, esteja avançando na leitura. Mas diz que a vivência com a educação remota está sendo bem cansativa. “Ele não consegue ficar a tarde toda assistindo às aulas e só presta atenção se eu estiver do lado. Está na pré-alfabetização. Não tenho experiência em alfabetizar. Por isso tem tido um pouco estressante, apesar de todo esforço e dedicação dos professores”, comenta.

Com a mais velha, aluna do 3º ano do ensino fundamental, ela diz que o processo é tranquilo, pois a menina acompanha as aulas sozinha. Eles estudam no Colégio GGE. “Como ainda são muito pequenos, o vestibular está bem longe, não me preocupo tanto se não for possível aprenderem tudo este ano”.

REDE PÚBLICA

Pesquisa Datafolha, realizada a pedido da Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures, mostra que 74% dos estudantes das redes municipais e estaduais estão recebendo algum tipo de atividade não presencial para fazer em casa.

Quase um terço (31%) dos pais ou responsáveis por esses alunos temem que eles desistam da escola se não conseguirem acompanhar as aulas em casa e 58% consideram muito difícil as crianças manterem a rotina de estudos. Os adultos alegam falta de tempo e dificuldade para explicar as matérias.

Acostumado a lidar com crianças e adolescentes de baixa renda no Sítio do Berardo, comunidade que fica no Prado, Zona Oeste do Recife, o empreendedor social Ângelo Felipe Bezerra, 42, diz que são muitos os fatores que dificultam o aprendizado no contexto da pandemia. As constatações dele são as reveladas na pesquisa Datafolha.

"Tem a internet que não existe ou é de baixa qualidade, sem contar que às vezes é dividida por muitos parentes e até vizinhos. Pais que não foram para a escola e por isso não sabem ensinar as tarefas. A escolaridade deles é menor que a dos filhos", comenta.

Ele mostra preocupação com a grande quantidade de crianças e adolescentes pelas ruas da comunidade, mesmo com os riscos de contaminação pelo novo coronavírus. Com escolas fechadas e o Compaz Miguel Arraes também com atividades suspensas, a garotada não tem o que fazer. Casas pequenas para famílias numerosas são convites para permanecerem pouco nelas. A situação piora porque muitos são alunos das escolas da rede municipal do Recife, que não estão ofertando atividades remotas regulares.

Ângelo coordena uma ONG, a Casa da Comunidade do Berardo, com cursos de informática para jovens. A covid-19 exigiu que fechasse as portas temporariamente. Antes da pandemia, ele tinha planejado ofertar aulas de reforço para os estudantes a partir de junho. "Estávamos nos organizando para isso. A evasão e as falhas na aprendizagem já nos preocupavam antes, agora mais ainda", afirma Ângelo.

Também moradora do Sítio do Berardo, Cícera Pereira, 35, está aprendendo a ler e escrever. Não estudou quando criança porque o pai não deixou. Lamenta que a escola na qual está matriculada numa turma de Educação de Jovens e Adultos esteja sem aulas.

“Deu tempo de aprender a copiar meu nome. Acho ruim porque não entendo todas as tarefas de minha filha Vitória, que tem 5 anos. Ela às vezes espera o pai chegar do trabalho, à noite, para ajudar”, conta Cícera, aluna da Escola Municipal Sítio do Berardo. A filha também é aluna da rede municipal. Para a turma dela, da educação infantil, a prefeitura está entregando tarefas impressas quando as famílias vão buscar cestas básicas.

“A pesquisa mostra que as famílias estão dando o seu melhor. Nós, enquanto sociedade, temos que apoiar cada vez mais as Secretarias de Educação, as escolas públicas, para que crianças e adolescentes não abandonem a escola. Em vez de pensar se o ano letivo está perdido, o movimento deve ser o contrário, de redobrar esforços para diminuir as desigualdades”, defende a gerente de Pesquisa & Desenvolvimento do Itaú Social, Patricia Mota Guedes.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

* Já há data para retorno das aulas presenciais em Pernambuco?

Não. As escolas, faculdades e universidades permanecerão fechadas até 31 de julho, segundo decreto estadual publicado pela primeira vez em 18 de março. Para não deixar os estudantes sem aulas, as redes estão adotando ensino remoto, com aulas pela internet, pela televisão ou mandando material impresso para quem não tem acesso a equipamentos ou internet.

* Quem vai autorizar o retorno das aulas?

O governo estadual, já que a suspensão das aulas foi uma decisão do Estado. O comitê que está analisando os dados da covid-19 é que vai analisar, baseado no cenário da doença. Os casos vêm diminuindo em Pernambuco, situação que é impulsionada pela curva epidêmica no Recife, mas ainda é precoce avaliar se essa tendência será sustentada.

* Existe a possibilidade de o retorno ter datas diferentes para a rede pública e a rede privada?

Não. Segundo o secretário de Educação de Pernambuco, Frederico Amancio, não será dito quando cada rede deve voltar a funcionar com aulas presenciais. O que o governo fará é autorizar a partir de qual data isso será permitido. Caberá a cada rede se organizar e iniciar quando atender os protocolos exigidos.

* E o retorno, quando autorizado, poderá ter datas diferente por cidades ou regiões?

O governo não detalhou essa questão ainda. Mas existe a possibilidade de haver datas diferentes nas unidades de ensino, tomando como exemplo o que aconteceu com o comércio. Devido ao aumento de casos de covid-19 no Agreste, quando foi feito o anúncio da abertura, Caruaru e Bezerros ficaram de fora.

* Quais serão as regras no retorno das aulas?

O governo está montando um planejamento, focado em três áreas, iguais às que foram adotadas no plano das atividades econômicas: distanciamento social, higiene e monitoramento e comunicação. O documento vai apontar diretrizes para que cada rede de ensino adote ao retomar as aulas. Uso de máscaras por toda a comunidade escolar e distanciamento de no mínimo 1,5 metro dos alunos em sala de aula são algumas das medidas previstas.

* Todas as séries voltarão de uma só vez?

Não. A retomada será por etapas, segundo o governo estadual já adiantou. A expectativa é que a prioridade será para turmas que estão concluindo o ensino médio (3º ano) e o ensino fundamental (9º ano). Para os vestibulandos, a justificativa é porque os alunos farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), vestibulares e o Sistema Seriado de Avaliação (SSA), da Universidade de Pernambuco. Para os do 9º ano porque participam de processos seletivos em escolas técnicas e institutos federais e por estarem concluindo o ensino fundamental.

* As turmas poderão voltar com todos os alunos?

Isso não foi ainda informado oficialmente pelo governo, mas o indicativo é de que não sejam todos de uma só vez por causa do distanciamento mínimo exigido. A solução provavelmente será rodízio de turmas justamente porque as salas poderão não comportar todos os alunos. Para evitar aglomerações, a sugestão é que se estipule horários diferentes de entrada e saída e no recreio.

* As aulas remotas serão computadas?

Devido à covid-19, a medida provisória nº 934 dispensou, excepcionalmente, os estabelecimentos de ensino da obrigatoriedade de cumprimento do mínimo de 200 dias letivos em 20202, mas manteve a exigência da carga horária de 800 horas para a educação básica. Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) traz orientações que devem ser seguidas pelas redes. Os Conselhos Estaduais de Educação também devem apontar diretrizes como o aproveitamento de provas realizadas no ensino remoto.

 

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