COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

Joanna venceu as dificuldades da pandemia, perdeu o pai para covid-19 e passou em três faculdades públicas

Estudante de escola pública de Aliança, na Zona da Mata de Pernambuco, Joanna passou em engenharia, matemática e direito

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Margarida Azevedo

Publicado em 21/04/2021 às 14:36 | Atualizado em 21/04/2021 às 15:02
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Joanna Clara da Silva, 17 anos, foi aprovada em três processos seletivos para instituições de ensino superior: passou em engenharia mecânica no IFPE, bacharelado em matemática na UPE e direito na UFPB. Concluinte do ensino médio em 2020 na rede pública de Pernambuco, não foi fácil vencer as dificuldades impostas pela pandemia de covid-19 no ano passado. Teve que conciliar a rotina de estudos remotos, o cuidado com a casa e o irmão caçula enquanto seus pais trabalhavam fora e a instabilidade emocional provocada pelo isolamento social. Não bastasse tudo isso, a estudante não pode comemorar a classificação nos três cursos com um dos seus principais incentivadores nos estudos: seu pai, João José. Aos 47 anos, ele morreu vítima do novo coronavírus no final de fevereiro, antes de saber dos bons resultados da segunda dos seus três filhos.

"Estou feliz porque passei, mas triste porque perdi uma pessoa que me apoiava demais. Desde pequena meu pai estudava comigo. Aprendi a gostar de matemática com ele pois era bom na matéria, sabia muito. Ele acompanhava meus estudos para as provas. Lembro que comprou um caderno de caligrafia quando eu aprendi a escrever", relembra Joanna. Seu João trabalhava como fiscal numa empresa de ônibus em Nazaré da Mata, cidade vizinha de Aliança, na Zona da Mata, onde morava com a família. "Ele usava máscara, se cuidava, mas pegou a doença quando a covid-19 estava no pico em Nazaré. Foi muito rápido. Em uma semana descobriu a covid, foi hospitalizado e morreu", lamenta Joanna. Ela que socorreu o pai para o hospital.

A adolescente estudou o ensino médio na Erem Joaquina Lira, de Aliança. A mãe é cuidadora de idosos. Em 2020, intercalava uma semana no trabalho e outra em casa. Nos dias que a mãe ficava fora, cabia a Joanna limpar e arrumar a casa, cuidar das refeições e dar atenção ao irmão caçula, de 11 anos, enquanto ele também tinha aulas remotas. "Houve vezes que eu ficava muito cansada mas lembrava que não podia desistir. Não foi fácil conciliar porque fazia o serviço de casa entre as aulas da escola. E criança nem sempre entende as aulas online, então ainda parava para explicar as tarefas do meu irmão", relata Joanna.

EXATAS x HUMANAS

No IFPE não houve vestibular por causa da pandemia. A seleção dos alunos aconteceu baseada nas notas de português e matemática dos candidatos no ensino médio. Na UPE, Joanna passou pelo Sistema Seriado de Avaliação (SSA). Já na UFPB ela conquistou a vaga por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Ministério da Educação. "Sempre tive afinidade com exatas, por isso escolhi engenharia e matemática. Mas me apaixonei por história, sociologia e filosofia. Daí a opção por direito também", explica a jovem, que optou pela universidade paraibana.

Joanna diz que não se inscreveu na UFPE, no Sisu, e sim na UFPB porque tem uma tia que mora em João Pessoa, então já existe a estrutura para que ela faça faculdade lá, o que seria mais complicado se tivesse que se mudar para Recife. Além das aulas remotas da escola, à noite ela ainda acompanhava as atividades online de um cursinho pré-Enem. "Acordava mais cedo, antes de começar as aulas da escola às 8h, para ajeitar logo as tarefas da casa. Tinha aula até metade da tarde. À noite houve vezes que cochilei durante as aulas do cursinho porque não aguentava o cansaço", relembra Joanna.

Aos sábados, ela aproveitava a faxina na casa para ouvir podcasts que a ajudassem com informações para mellhorar suas redações. "Precisava aumentar meu repertório cultural. Enquanto limpava, ouvia os áudios", explica a estudante. "Adquiri uma gastrite por causa do emocional. Eu fiquei muito ansiosa, nervosa. Tive muito medo de fazer as provas do Enem, mas encarei. Graças a Deus deu certo", comenta.

ORGULHO

A saudade do pai é grande, sobretudo nesses dias em que ele estaria dando suporte a Joanna na matrícula da universidade. "Meu pai sabia dos documentos, entendia tudo. Com ele seria mais fácil. Ele e minha mãe sempre nos ensinaram a valorizar os estudos, que estudo é a base. Aprendi com eles que só com educação podemos ter um futuro melhor. Sei que ele está orgulhoso de mim onde estiver, como minha mãe está agora. Tem foto minha espalhada em tudo que é rede social dela contando que passei. Está bestinha. É uma felicidade porque passar numa universidade federal é um sonho. Mas queria muito meu pai aqui".

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