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O que é a Pedagogia do Oprimido e veja métodos de Paulo Freire usados na prática

Apesar de não haver uma política nacional unificada que siga os métodos do educador pernambucano, professores e unidades escolares no Estado bebem de seus ensinamentos

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Katarina Moraes, Natália Ribeiro

Publicado em 19/09/2021 às 7:00 | Atualizado em 22/09/2021 às 13:08
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THIAGO LUCAS/ ARTES JC
100 anos de Paulo Freire - THIAGO LUCAS/ ARTES JC

Em uma escola de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, jovens e adultos aprendem disciplinas básicas a partir de seus saberes individuais. “Qual a fração necessária de fermento para fazer um pão crescer?”, questiona a professora Edileuza Rodrigues ao seu aluno, que também é padeiro. À costureira, é pedido que se estude a história da própria profissão. Já o ceramista escreve uma redação contando o passo a passo para formar um vaso. Exemplos como esses mostram que o legado de Paulo Freire (1921-1997) continua vivo 100 anos após seu nascimento, completados neste domingo, 19 de setembro. Afinal, esta é apenas uma das instituições na qual o patrono da educação brasileira é referência, dentro e fora do país.

Um dos conceitos fundamentais da didática elaborada pelo pernambucano era de que a educação deveria acontecer de forma horizontal - ou seja, o professor não mais deveria apresentar-se ao aluno como detentor de todo saber, como era de costume, mas como alguém que o guiaria rumo a um conhecimento circunscrito em sua realidade, a partir de um diálogo democrático que fosse capaz de emancipá-lo socialmente. E isto, ao tirar os chavões e as palavras difíceis, é o que Elideuza faz em sala de aula. “O básico que ele trouxe pra nossa educação eu consigo usar na prática com meus alunos. Pegamos habilidades que já existem neles e que fazem parte da vida deles e potencializamos isso”, afirmou.

Foi assim que, por meio da Feira Virtual do Estudante Empreendedor - criada pela professora no Erem Luiz Rodolfo de Araújo Lima, em Caetés I -, Genildo Lima, de 40 anos, iniciou o próprio empreendimento: uma loja de vasos de cerâmica. “Primeiramente eu estranhei um pouco a proposta da professora, porque eu não sabia mexer muito na internet, mas esse trabalho na escola abriu novos caminhos, porque eu estava desempregado e assim continuo, mas hoje tenho um canal no YouTube com mais de 3 mil seguidores onde ensino como fazer vasos a pessoas que, como eu, também precisam correr atrás de um sustento, e já vou receber bonificações da rede social pela segunda vez”, revelou, agradecido.

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Freire também expôs a importância de uma educação que promovesse o sendo crítico em "Pedagogia do Oprimido", seu livro de maior sucesso e o 3º mais citado em trabalhos acadêmicos de ciências sociais do mundo, segundo a Escola de Economia e Ciência Política de Londres. Com isso, os “opressores” estariam dispostos a examinar seu papel nas relações de poder, os “oprimidos”, por sua vez, poderiam entender e superar a própria condição. Foi o que aconteceu com Sandra Silva, 44, também aluna do Erem que agora vende materiais reciclados e que diz ter sido “resgatada” pelo método. “A gente estava perdido - não incapacitados, mas sem noção do que fazer. Então, o primeiro intuito foi ir atrás de uma educação, e, através desse impulso e do conhecimento, veio o retorno”.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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A Professa Edileuza Rodrigues utiliza os métodos de Paulo Freire com os alunos. No último ano, propôs uma feira para cada aluno criar o próprio empreendimento. Sandra Silva vende material reciclado após a feira promovida pela professora e Genildo Lima vende vasos de cerâmica e criou um canal no YouTube ensinando outras pessoas a fazê-los após a feira promovida pela professora. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi, inclusive, uma das maiores heranças do educador. No Recife, Freire, ao lado do então prefeito Miguel Arraes, foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), experiência que antecedeu a criação de seu método: um ousado e rápido plano de alfabetização numa época em que apenas pessoas letradas poderiam votar - o que representava cerca de 60% do país.

Em 1963, em Angicos, no Rio Grande do Norte, ensinou 300 adultos a ler e a escrever em apenas 40 horas de aula. E mais: ao mesmo tempo que ensinava a grafia da palavra “tijolo” despertava nos estudantes a reflexão do porquê o aluno que era pedreiro não tinha uma casa, por exemplo - uma compressão que ia além da gramática propriamente dita, mas com uma leitura da sociedade. O feito chamou a atenção do presidente João Goulart, que o chamou para integrar o Plano Nacional de Alfabetização - frustrado pela tomada de poder militar, em 1964.

Duas décadas depois, o método começou a ser incorporado como base para a educação popular no campo a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fundado em 1984 durante o processo de redemocratização do país em defesa da reforma agrária. Em todo Brasil, há cerca de 2 mil escolas públicas em acampamentos do MST, responsáveis pela educação de mais de 350 mil famílias. Só em Pernambuco, há 186 áreas de assentamento, e praticamente todas dispõem de unidades vinculadas à SEE-PE com ensino para anos iniciais, enquanto 10% ensinam para os anos finais do ensino básico.

“Tínhamos no Brasil a cultura de acreditar que para lidar com a terra não precisava saber ler e escrever. Assim, quem quisesse estudar, tinha que abandonar o campo para ir para a cidade. O que a luta pela terra trouxe, sob influência de Freire, que é o principal sistematizador, é de que a educação deveria responder às necessidades reais dessa população, porque a leitura de mundo precede a leitura da palavra, os dois têm que andar juntos na vivência educacional. Isso dá à população rural o poder de escolha: de ficar ou não no campo, e levou uma criança de 9 anos a me falar que ‘quando crescer, quer ser doutor e plantar feijão-de-corda”, relatou Rubneuza Leandro, pedagoga e coordenadora de educação do MST.

O EJA do Recife, que s ensinamentos do educador como base, atende adolescentes a partir dos 15 anos, sem limite de idade, trabalhando desde a alfabetização até a conclusão do ensino fundamental. A nível estadual, funcionou até 2018 o Programa Paulo Freire, que priorizava o letramento de pessoas em vulnerabilidade social, nas zonas urbana e rural, em um curso de 320 horas de duração que acontece durante oito meses. Segundo a Secretaria Estadual de Educação (SEE-PE), o Ministério da Educação (MEC) ainda não se posicionou sobre uma nova edição do programa.

Reconhecimento e polêmicas

A influência de Freire também não fica de fora do ensino superior. O educador recebeu pelo menos 35 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades da Europa e América pelas suas contribuições, além ter a memória preservada em nove cátedras. Entre elas, duas estão em Pernambuco: na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - onde o pedagogo estudou Direito, quando ainda era chamada de Universidade do Recife.

“A nossa cátedra traduz o reconhecimento da comunidade acadêmica da UFPE para a relevante contribuição social, política e pedagógica do educador Paulo Freire à humanidade a partir da educação. Ao mesmo tempo, é uma homenagem a um professor da universidade, reconhecido internacionalmente e considerado educador do mundo. Ela é constituída por três grandes linhas: estudo biográfico, estudo da pedagogia freireana e preservação da memória através das atividades de ensino, pesquisa e extensão”, disse a professora Eliete Santiago, que coordena a cátedra na UFPE.

A UFRPE concederá o título de Doutor Honoris Causa ao educador ainda em novembro. "Quando a gente está comemorando o legado, nós não estamos beatificando o Paulo Freire. Nós não estamos o tornando inquestionável. Pelo contrário, nós estamos tornando viva a sua obra e seu legado, incorporando aquilo que é importante de ser incorporado e recriando e criticando aquilo que possivelmente ser criticado. O pensamento de Paulo Freire, pelo vigor que tem, continua muito atual, com a possibilidade inclusive, do contexto em que vivemos de ser visitado de maneira muito fecunda”, explicou Moisés de Melo Santana, pró-reitor de Extensão, Cultura e Cidadania da UFRPE, em homenagem a Freire.

Ainda com todo reconhecimento que continua a receber, desde a ascensão da direita no Brasil, todavia, Paulo Freire voltou a ser visto como um inimigo da pátria por setores políticos. Em 2019, o nome do professor veio a tona após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chamá-lo de "energúmeno". Pelas redes sociais, o então ministro da Educação Abraham Weintraub também proferiu ofensas ao patrono. "Paulo Freire representa o fracasso da educação esquerdista (FHC+PT). Um dia, o Brasil terá outro patrono da educação", disse. Em manifestações pró-Bolsonaro, por exemplo, cartazes com frases que o condenam são constantemente usados, chamando-o de doutrinador e de um propagador do comunismo.

O mesmo movimento aconteceu na década de 60, levando Paulo a ser exilado durante a Ditadura Militar no Brasil, e ele, em 1994, inclusive, já explicava o fenômeno durante entrevista. “Em tese, o analfabetismo poderia ter sido erradicado com ou sem Paulo Freire. O que faltou foi decisão política. A sociedade brasileira é profundamente autoritária e elitista. Nos anos 60 fui considerado um inimigo de Deus e da pátria, um bandido terrível. Pois bem, hoje eu já não seria mais considerado inimigo de Deus. Você veja o que é a história. Hoje diriam apenas que sou um saudosista das esquerdas. O discurso da classe dominante mudou, mas ela continua não concordando, de jeito nenhum, que as massas populares se tornem lúcidas”, afirmou na ocasião.

O pedagogo Anderson Fernandes de Alencar, professor da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) e estudioso de Freire, defende que, mesmo tendo se tornado patrono da educação no Brasil em 2012, no governo Dilma Rousseff (PT), seus métodos não foram amplamente aplicados no país, já que, “se tivessem sido, nós não teríamos mais analfabetos” - problema que atingia 6,6% da população em 2018, ano da última pesquisa de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o tema.

“Eu diria que Paulo Freire segue fundamental para a educação brasileira por muitas razões. Creio que hoje o desafio que a gente tem de falta de acesso à escola pública, de qualidade, para as camadas e classes mais empobrecidas da sociedade é um desafio que ele estaria, com certeza, na luta permanente. Uma escola bonita, com professores bem remunerados, com alimentação balanceada para os estudantes e com tecnologia adequada. Principalmente, uma escola com condições para a permanência das pessoas nas escolas. Enquanto essa for a realidade da educação brasileira, ele segue importante e presente”, afirmou Anderson.

A "realidade da educação brasileira", como expôs Anderson, reflete os dados trazidos pelo Datafolha, Fundação Lemann, Itaú Social e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) deste ano, que apontaram que 40% dos pais e responsáveis de estudantes de 6 a 18 anos do país percebem que eles não estão evoluindo na aprendizagem. Além disso, 88% dos alunos do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental ainda estão em processo de alfabetização - desse total, 51% segue no mesmo estágio de educação - ou seja: não aprendeu nada de novo no ano da pandemia.

Diante da situação educacional do Brasil, mais do que nunca "é preciso esperançar", como dizia Paulo Freire, torná-la real por meio de ações. "Ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo".

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