COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

Educação pós-pandemia: mais adaptados e à vontade com o mundo digital, professores reinventam magistério

Professores aprenderam na marra a usar a tecnologia para dar aulas remotas, suspensas por causa da covid-19. A despeito da falta de recursos e formações, eles se reinventaram. E perceberam que a aula antes limitada ao espaço físico de uma sala pode ganhar outras ferramentas e dimensões

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Margarida Azevedo

Publicado em 28/10/2021 às 6:00 | Atualizado em 09/02/2022 às 10:26
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Professores aprenderam na marra a usar a tecnologia por causa do ensino remoto exigido pela pandemia de covid-19. Com o avanço do número de casos e mortes da doença, escolas foram fechadas, em Pernambuco, em março de 2020 e só reabertas, gradualmente, sete meses depois, em outubro. Se no primeiro momento o sentimento foi de apreensão diante do novo, agora os docentes estão mais adaptados e à vontade com o mundo digital. A despeito da falta de recursos e formações, eles se reinventaram no magistério. E perceberam, somente agora na segunda década do século 21, que a aula antes limitada ao espaço físico de uma sala pode ganhar outras ferramentas e dimensões fora do ambiente escolar.

"O maior aprendizado, para o sistema educacional como um todo, e para os professores em particular, foi que a gente consegue aprender coisas muito diferentes rapidamente. Se pensássemos em um desenho onde iríamos nos preparar para fazer o que os sistemas de educação, público e privado, fizeram durante a pandemia, era um processo talvez que durasse 10, 15, 20 anos. E levou alguns meses. Então é possível aprender coisas novas muito rapidamente, do ponto de vista sistêmico, se houver motivação, necessidade, demanda", destaca o pesquisador e professor emérito do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Silvio Meira.


Para ele, a pandemia deixou claro para a sociedade que o aprendizado acontece tanto no espaço virtual quanto no físico. "As pessoas, incluindo aí os professores, usam redes sociais e têm um repertório muito grande de comportamento, nas dimensões digital e social. O que não estava sendo exercitado, porque o sistema não demandava, porque talvez a gestão do sistema não facilitava e não habilitava, era a criação de oportunidades de aprendizado, a criação de laboratórios virtuais", complementa Sílvio Meira.

APRENDIZADOS

Dos 68 anos que já viveu, a professora de matemática Débora Meneghetti contabiliza 46 em sala de aula, local que sempre a deixou muito à vontade. Mas a transição para o modelo online não foi simples. Em maio do ano passado, no primeiro mês de ensino remoto nas escolas da rede privada de Pernambuco - em abril houve as férias antecipadas de julho - Débora chorou diante de uma turma do ensino médio. Na sua primeira aula virtual, não conseguiu compartilhar, com seus alunos, um arquivo que havia preparado. Ficou nervosa mas contou com a solidariedade dos estudantes. Uma das alunas a ajudou a resolver o problema.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
ADAPTAÇÃO Com mais de 40 anos de magistério, Débora Meneghetti ficou nervosa na primeira aula virtual - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

"Embora eu dê aula há mais de 40 anos, foi como se eu tivesse começando novamente como professora. Porque eu estava usando um método de dar aula que nunca tinha utilizado e não havia pensado em usar. Uma situação completamente nova que caiu no meu colo e eu tive que me virar porque a gente não tinha alternativa. Era isso ou não era nada e todos nós tivemos que correr atrás", diz Débora, que leciona no Colégio GGE.

"Uma das principais características do professor é aprender, é estudar. Então a gente teve que fazer isso muito rapidamente. Estudei sobre ensino híbrido, pesquisei recursos que tinha à minha disposição para poder dar a melhor aula que eu conseguisse para o meu aluno. É isso que o professor pretende fazer sempre", afirma Débora, com a certeza de que suas aulas não voltarão mais ao modelo tradicional. "O ensino híbrido veio para ficar e isso é muito bom", atesta Débora.

ESTÚDIO

Do quarto de casa, de forma improvisada, o professor Henrique Nelson, 39, ensinou história para seus alunos do ensino fundamental da Escola Municipal Octávio Meira Lins, no Vasco da Gama, Zona Norte do Recife, até maio deste ano. Depois passou a integrar um time de 45 docentes que gravam aulas em quatro estúdios montados pela Prefeitura do Recife. Os conteúdos fazem parte do Programa EducaRecife, lançado no final de junho. Os assuntos são repassados por canais de TV e pelo Youtube.

"Primeiro foi o desafio de montar uma estrutura em casa para dar aulas remotas e adaptar a linguagem para passar os assuntos através das câmeras. Foi um temor muito grande, um nervosismo", conta Henrique. Agora, além de estar mais habituado ao formato digital, ele comemora o maior alcance das aulas.

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Série Educação, Prefeitura do Recife conta com serviço de produção audiovisual em estúdio. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM


"Minhas turmas tinham entre 35 e 40 alunos. Nem 10% participavam porque não tinham como acessar a internet ou não possuíam equipamentos. Com as aulas pela TV chegamos a mais estudantes que inclusive podem ser de outras cidades ou redes. Isso rompe com a negação do direito à educação, principalmente num momento tão difícil como estamos vivendo na pandemia", observa Henrique.

ALTERNATIVAS

Para a professora Ana Paula Paz, 38 anos, não foi só o desafio de adaptar suas aulas para o ensino remoto. Havia também a barreira da conectividade: seus alunos moram numa área rural, no Engenho Ribingudo, distante oito quilômetros da cidade de Joaquim Nabuco, na Zona da Mata pernambucana. Devido ao pouco acesso ao sinal de internet e a equipamentos dos estudantes, ela adotou um modelo de ensino seguido por 98% das escolas públicas do Brasil, ano passado, de acordo com o Ministério da Educação: o envio de material impresso para os estudantes e a explicação das aulas por meio do WhastApp.

"O professor se reinventou nessa pandemia. Ninguém sabia como dar aulas online. Assisti a vídeos no Youtube, estudei. Foi muito choro, muita tristeza e sentimento de impotência. Mas também uma nova descoberta a cada dia", comenta Ana Paula a respeito do início do ensino remoto, em março do ano passado. Ela imprima as atividades e entregava aos alunos aos sábados. Fazia questão de levar as tarefas. Ia de carro com o marido pois tinha medo, durante a semana, de pegar transporte público e assim adoecer. Sem puder abraçar os alunos, apenas tirava uma foto e matava a saudade deles à distância.

Para motivar os estudantes - ela leciona numa turma multisseriada, com crianças da pré-escola ao 5º ano do ensino fundamental, na Escola Municipal Amaro de Oliveira Filho - Ana Paula buscava atividades diferenciadas. Também levava brindes nas datas comemorativas. "Se caísse na mesmice eles poderiam desistir. Por isso sempre propus tarefas coloridas, diferentes, para que se sentissem motivados a fazer", conta Ana Paula.

LIÇÕES

Uma das lições que a pandemia está deixando, diz a professora, é a valorização do magistério por parte das famílias. "O professor é crucial para o desenvolvimento do País. Com as crianças em casa, os pais reconheceram mais nosso papel, o nosso esforço em dar uma aula", comenta Ana Paula. "O envolvimento das famílias foi fundamental. Sem elas eu não teria tido tanto êxito. Mesmo em situações financeiras difíceis, muitas separavam o dinheiro para colocar crédito no celular e assim garantir que os filhos pudessem ver os vídeos que eu mandava", explica a professora.

"Com o ensino remoto descobri que a tecnologia pode facilitar o aprendizado. Uma música, um vídeo enriquecem a aula. Pretendo continuar usando mesmo depois da pandemia", comenta Ana Paula sobre o legado desse período. "A pandemia também nos ensinou que o que fica para meu aluno é como posso contribuir para a vida dele, o quanto eles dependem da gente como professor. Não é apenas aprender a ler ou aprender matemática. É um contexto mais amplo, educação é crucial. É o cidadão que estou ajudando a formar, que estou dando um direcionamento para que ele alcance seus objetivos. É muito mais que alfabetizar. Educação é uma missão", completa.

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