Homeschooling: em meio a críticas e elogios, projeto de lei para regulamentar prática será votado no Senado
No Brasil, segundo Associação Nacional de Educação Domiciliar, há 70 mil alunos estudando exclusivamente em casa. Mais de 400 entidades ligadas a direitos humanos e educação criticam o modelo de ensino
A educação domiciliar é um assunto bastante polêmico no País. Projeto de lei que regulamenta o assunto foi aprovado semana passada na Câmara dos Deputados, em Brasília, e está agora nas mãos do Senado Federal. Para virar lei, precisa da sanção do presidente Jair Bolsonaro, que elegeu o homeschooling, como a modalidade também é chamada, como uma das suas principais bandeiras na área educacional.
A prática de os pais ou responsáveis educarem crianças e adolescentes em casa, em vez de levá-los para a escola, é adotada no Brasil por cerca de 35 mil famílias, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) e envolve 70 mil alunos. O País tem 46,7 milhões de estudantes matriculados na educação básica em 178 mil escolas, de acordo com o Censo Escolar 2021 do Ministério da Educação (MEC).
No Senado Federal, antes de ir para votação no plenário, o projeto deve passar pela Comissão de Educação. Não há prazo para ser votado pelos senadores. Como não há consenso entre eles, pode demorar. Caso haja alguma alteração no texto aprovado pelos deputados, a proposta tem que voltar para nova votação por eles na Câmara Federal antes de seguir para o presidente Bolsonaro.
CRÍTICAS
Mais de 400 entidades ligadas à educação e direitos humanos se posicionaram contra a educação domiciliar, entre elas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Na última sexta-feira (20), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) também divulgou comunicado para a sociedade em que demonstra "expressa preocupação" com a aprovação do texto-base do projeto de lei na Câmara. Na avaliação das entidades, o homeschooling fere os direitos à educação e à proteção de crianças e adolescentes.
"A defesa da educação domiciliar é sintoma de uma sociedade cada vez mais individualista que desacredita nas construções coletivas, como a educação. Dessa forma, a educação domiciliar não afeta somente o direito à educação e, muito menos, somente a situação daquelas crianças e jovens que estarão naquele modelo educacional, mas afeta toda a sociedade e a democracia. A aprovação do projeto de lei na Câmara dos Deputados é um retrocesso grave", ressalta, em carta aberta à sociedade, a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
"Contamos com a sensatez, o compromisso e a representatividade dos senadoras para reverter esse lamentável erro cometido por deputadas e deputados. A comunidade educacional como um todo do País já se posicionou contrária a essa decisão arbitrária e negacionista", complementa.
SOCIALIZAÇÃO
Membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), o professor pernambucano Mozart Neves Ramos é um dos que critica o ensino domiciliar.
"Sou absolutamente contrário ao homeschooling. Não condiz com as necessidades reais da educação básica brasileira, que tem problemas gravíssimos do ponto de vista da aprendizagem e da permanência dos alunos na escola. Precisamos trabalhar e colocar foco naquilo que vai promover a qualidade para a educação brasileira para todos", diz Mozart, que foi secretário de Educação de Pernambuco e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
"O ensino domiciliar, na minha opinião, atende a uma fração muito pequena da população, mais localizada no Sul do País. O governo federal deveria estar mais preocupado em atender 48 milhões de estudantes, sobretudo agora no pós-pandemia, quando os alunos vão precisar mais do que nunca de reforço escolar, acesso às novas tecnologias e ações para melhoria da aprendizagem e redução das desigualdades educacionais", observa Mozart.
"A socialização que a escola promove é fundamental para o desenvolvimento da cidadania e do ponto de vista emocional da criança. Para mim a formação domiciliar não condiz com um mundo tão disruptivo que estamos vivendo. Talvez no passado, quando não havia vagas para todos, o acesso à escola era mais limitado. Não é mais o caso. Defender o homechooling é ir na contramação da história", afirma o professor pernambucano.
"A agenda é outra. O homescooling é uma agenda política da Presidência da República para atender a um determinado segmento muito vinculado a quem tem a visão de educação do atual presidente", complementa Mozart.
A FAVOR
Ex-ministro da Educação no governo de Michel Temer, que antecedeu Bolsonaro, o também pernambucano Mendonça Filho concorda com o ensino domiciliar. "Apoio, evidentemente com regramento que possa ser estabelecido para que não seja de uma forma indiscriminada. Respeito o direito dos pais de escolherem o melhor caminho para educação de seus filhos", ressalta Mendonça Filho, pré-candidato a deputado federal.
"Mas a educação domiciliar deve estar sintonizada com o sistema de educação vigente no Brasil. Os alunos precisam se submeter a avaliações periódicas e condições de aprendizagem dentro das suas respectivas casas. Tudo isso precisa ter o registro e acompanhamento das redes estaduais de educação", observa Mendonça.
"Atendendo a essas cautelas, não há dificuldade em aprovar. Pelo contrário, é possivel sim. Não considero como uma panacéia, como uma solução mágica", comenta. "Ademais, os principais países do mundo ou boa parte de países desenvolvidos e que têm bom padrão de educação permitem o homeschoooling", pontua.
CENÁRIO
Para o presidente da Aned, Rick Dias, que defende a educação domiciliar há 12 anos - seus dois filhos, hoje com 21 e 24 anos saíram da escola para estudar em casa quando tinham 8 e 11 anos e hoje estão no ensino superior - a regulamentação do homeschooling no Brasil "devolve às famílias um direito, garantido na Constituição Brasileira e na Declaração Universal de Direitos Humanos, de escolherem o gênero de educação para seus filhos", destaca.
"Não adianta vir com mentalidade escolarizada para falar em educação domiciliar. O projeto de lei, se aprovado, vai tirar as famílias que escolhem esse modelo de um limbo jurídico que vêm sofrendo. São denunciadas, muitas vezes processadas e perseguidas pelo Poder Judiciário, inclusive com ameaça de prisão e perda da guarda dos filhos", ressalta Rick.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o ensino domiciliar não é inconstucional, mas para ser colocado em prática precisa de uma lei federal. Segundo o presidente da Aned, em Santa Catarina a modalidade foi aprovada pelos poderes Legislativo e Executivo, mas o Ministério Público derrubou. O mesmo ocorreu no Paraná. No Rio Grande do Sul, o governo estadual vetou. Ainda conforme Rick, no Distrito Federal houve a sanção, mas a regulamentação está na Justiça.
Ele diz que as críticas ao homeschooling são infundadas. "São baseadas em mitos. Temos os inimigos de boa fé e os de má fé. Os de boa fé acreditam piamente que a escola é um lugar maravilhoso e que socializa. E que nós que fazemos o ensino domiciliar privamos nossos filhos dessa socialização. Os de má fé querem doutrinar nas escolas. São discussões ideológicas, infrutíferas e que não levam a nada. Precisamos avançar", diz Rick.
"Os cães ladram mas a caravana passa. Estou otimista com a aprovação do projeto de lei no Senado. Vamos precisar trabalhar com os senadores, como fizemos com os deputados. A educação domiciliar é o anseio de uma minoria que precisa ser amparado e acolhido. Não queremos nada demais além da opção de escolher a modalidade de ensino para nossos filhos", enfatiza Rick.