Intervalo bíblico: MPPE convoca audiência sobre laicidade e ensino religioso nas escolas de Pernambuco

O Sintepe tem recebido relatos sobre cultos evangélicos realizados nas dependências de escolas estaduais, em espaços públicos, sem supervisão

Publicado em 14/10/2024 às 12:45

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) convocará uma audiência pública para dialogar a respeito da realização de manifestações religiosas no ambiente escolar, em resposta a denúncias sobre a prática de cultos religiosos em escolas da rede pública estadual no Recife, conhecidos como "intervalos bíblicos". A reunião ocorrerá no dia 23 de novembro e deverá reunir professores, gestores, alunos e demais representantes ligados a temática. 

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) tem recebido relatos sobre cultos evangélicos realizados nas dependências de escolas estaduais, em espaços públicos e sem a participação de outras crenças. Essa prática ocorre, inclusive, a partir da organização dos próprios alunos, sem a orientação ou supervisão dos funcionários das escolas. 

Nesta segunda-feira (14), o sindicato emitiu uma nota afirmando que é favorável e defende o Ensino Religioso nas escolas estaduais "garantindo o respeito a todas as crenças e religiões, em acordo com o que diz a Constituição Federal, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o Currículo de Pernambuco".

"O ensino religioso deve assegurar o respeito à diversidade cultural e religiosa, vedadas quaisquer formas de proselitismo, sendo baseado nos princípios da liberdade, da solidariedade, da justiça, do respeito à dignidade das pessoas, da promoção do bem comum de todos e do combate a qualquer preconceito e discriminação", declarou o Sintepe em comunicado. 

"Não estamos falando de proibição. Dentro da sala de aula, existe uma legislação e um conteúdo programático que orientam que não pode haver favorecimento a uma religião; o estudo deve abranger todas as crenças. É fundamental promover uma educação voltada para a tolerância e o respeito às diversas crenças religiosas. No entanto, fora da sala de aula, no espaço público, ainda não há uma regulamentação específica para atividades que envolvem esse tema", explicou a presidente do Sintepe, Ivete Caetano, em entrevista à coluna Enem e Educação.

A dirigente destacou que a escola é um espaço fundamental para a convivência em relação a diversos temas, incluindo a espiritualidade, de maneira plural e respeitosa a todas as crenças. "Na Educação, existe regulamentação apenas dentro da sala de aula. Contudo, como essas práticas devem ocorrer fora dela, garantindo o respeito a todas as religiões e evitando qualquer forma de discriminação? O foco deste debate não é proibir as manifestações, mas sim encontrar um equilíbrio", afirmou Ivete Caetano.

Questionamento é alvo dos parlamentares evangélicos

Após a divulgação da reunião entre o MPPE com representantes da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE-PE) e do Sintepe, realizada no dia 26 de setembro, para colher informações sobre a prática de cultos religiosos em escolas da rede estadual no Recife, parlamentares evangélicos utilizaram as redes sociais para se manifestarem contra os questionamentos a respeito dos intervalos bíblicos. 

"Proibir o culto bíblico no intervalo é uma afronta ao direito de liberdade religiosa. Nós, da bancada evangélica, estamos mobilizados e vamos acionar o Ministério Público, para garantir que esse direito seja respeitado. O intervalo bíblico vai continuar e a liberdade do culto será preservada, como é de direito de todo cidadão brasileiro", afirmou o deputado estadual Joel da Harpa, em seu perfil no Instagram. 

O deputado estadual Renato Antunes, integrante permanente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Pernambuco, também se manifestou publicamente em defesa da realização de intervalos bíblicos nas escolas da rede estadual. De acordo com Antunes, "não há imposição ou exclusão de outras crenças, ressaltando que "os intervalos bíblicos podem colaborar com o processo de fortalecimento do sistema do ensino público, além de ter um papel importante no bem-estar dos alunos, reforçando valores de esperança e convivência saudável no ambiente escolar".

Secretaria de Educação diz que escola pública respeita laicidade do Estado

 A coluna Enem e Educação entrou em contato com a Secretaria de Educação e Esportes nesta segunda-feira para esclarecer se os estudantes podem se reunir por conta própria em ambiente escolar para realizar manifestações religiosas, como organizar grupos de oração, cultos ou cantar músicas religiosas durante os intervalos das aulas. Também foi questionado se existe um levantamento sobre quantas escolas adotam essas práticas.

Em resposta, a pasta, por meio de uma nota, limitou-se a afirmar seu compromisso com "a escola pública que respeita a laicidade do Estado, a diversidade, a pluralidade e a valorização das diferenças", sem fornecer detalhes adicionais.

A SEE-PE enfatizou que tais ações são organizadas pelos próprios estudantes durante os intervalos, "sem prejuízo ao calendário escolar". A secretaria também informou que as escolas da Rede Estadual seguem as orientações pedagógicas estabelecidas no Currículo de Pernambuco, promovendo a valorização e a diversidade religiosa.

Entretanto, durante uma reunião com o MPPE e o Sintepe, Eduardo Andrade, gerente-geral de Anos Finais do Ensino Fundamental da SEE-PE, mencionou que, ao receber informações sobre essas reuniões, a secretaria realiza uma conversa com o gestor da escola e envia um técnico para esclarecer que o espaço escolar não pode ser utilizado para esses fins.

Andrade também destacou que a SEE-PE possui um caderno de orientação pedagógica e uma cartilha sobre o ensino de religiões voltada para os estudantes do ensino fundamental, reiterando que essa prática não conta com a anuência da Secretaria.

"Não se trata de proibir"

O promotor de Justiça Salomão Ismail Filho, da 22ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação da Capital, responsável pela convocação da audiência pública programada para o final de novembro, destacou que a preocupação com a laicidade e o ensino religioso nas escolas não é recente. Ele mencionou que procedimentos foram instaurados, tanto em nível estadual quanto municipal, para promover um debate aprofundado sobre o tema.

"Nós queremos tratar desse assunto por meio do diálogo. Não se trata de proibir a prática de quaisquer atos religiosos, mas de compreender se existe uma regulamentação que aborde essa questão e o que a secretaria, enquanto gestão, tem feito a respeito do uso do espaço público", afirmou o promotor em entrevista à coluna Enem e Educação.

Salomão Ismail Filho também enfatizou que, ao propor ouvir todas as partes envolvidas durante a audiência pública, seu objetivo é evitar a criação de um "clima de guerra" entre alunos evangélicos e aqueles que não compartilham da mesma crença. "A última coisa que a escola pública precisa é de um ambiente conflituoso. O que desejamos são regras claras sobre esse tema, elaboradas com diálogo e respeito", concluiu.

 

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