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Disputa por Fernando de Noronha: O que quer o Governo Federal? Entenda

Na página 56 do texto da AGU, aparece a solicitação de ressarcimento de valores devidos a título de pagamento mensal sobre as áreas cedidas.

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Jamildo Melo

Publicado em 28/03/2022 às 15:29 | Atualizado em 28/03/2022 às 17:19
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A ação da Advocacia Geral da União (AGU ) tem 57 páginas e é assinada pelo advogado geral Bruno Bianco. O principal pedido é o reconhecimento de titularidade dos domínios de Noronha, de modo a receber receitas pela exploração dos terrenos.

Alegando que um acordo de 2002 assinado pelo então governador Jarbas Vasconcelos não está sendo cumprido, a União pede que o STF reconheça a titularidade dos domínio d União sobre a ilha e abra espaço para que o Estado pague pela exploração dos terrenos. O caso mais recente foi a concessão do Forte de Nossa Senhora dos Remédios, arrematado por um consórcio do Rio de Janeiro. No período do contrato, o Governo do Estado receberá um total de R$ 28,5 milhões em outorgas, valor este que poderá ser investido em benefício dos moradores da ilha.

"No presente caso, a dissidência estabelecida entre a União e o Estado de Pernambuco possui como questão central a discussão sobre o domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha, ex-território federal, que integra o conceito de ilha oceânica, afetada ao serviço público e a unidade ambiental federal, bem como engloba terrenos de marinha (cf. inc. IV e VII do art. 20 da CRFB). Na prática, como será demonstrado, esta dissonância vem afetando o desempenho das competências constitucionais da União no poder-dever de gestão patrimonial, fiscalização e proteção ao meio ambiente e respeito às normas de proteção do território e das comunidades locais", tenta resumir a AGU.

 

"Ante o exposto, requer a União a concessão de medida liminar, com fulcro no art. 300, § 2o, do Código de Processo Civil, para, declarando que o domínio sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha é de titularidade integral da União, determinar, ao Estado de Pernambuco, o imediato cumprimento do inteiro teor do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha, pelas razões antes expostas, com o intuito de evitar, em síntese, a prática de atos em desconsideração às regras patrimoniais e ambientais, bem como o embaraço à atuação da SPU/ME e dos demais órgãos federais competentes na condução da gestão da ilha", afirma a União, na página 55 do documento, obtido com exclusividade pelo blog.

Ocorre que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) sustenta que o contrato de cessão assinado por Jarbas Vasconcelos, em 2002, quando governador, era ilegal e inconstitucional. 

Na ação, a AGU escreve, em tom de reclamação, que, "desde março de 2017, o Estado de Pernambuco passou a defender que a titularidade/propriedade do Arquipélago de Fernando de Noronha era sua".

Na continuidade, a AGU pede o reconhecimento da procedência do pedido formulado nesta ação originária, confirmando a liminar eventualmente concedida, de modo que seja declarada a titularidade dominial da União quanto ao Arquipélago de Fernando de Noronha, nos termos do que prevê o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República e, consequentemente, seja determinado o integral cumprimento, pelo Estado de Pernambuco, do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha celebrado com a União em 12 de julho de 2002.

Na página 56 do texto da AGU, aparece a solicitação de ressarcimento de valores devidos a título de pagamento mensal sobre as áreas cedidas.

"Em decorrência (deste reconhecimento pelo STF) , (a AGU pede que ) seja determinado ao Estado de Pernambuco que forneça as informações necessárias para que a União seja ressarcida quanto aos valores devidos a título de pagamento mensal sobre as áreas remanescentes cedidas, nos termos da Cláusula Sétima e item III da Cláusula Décima Primeira do Contrato de Cessão de Uso". A ação não cita valores no total que seriam devidos.

"O Estado de Pernambuco não cumpre sua obrigação relativa à prestação de contas à SPU/ME quanto às atividades desenvolvidas no Arquipélago de Fernando de Noronha, o que deveria ser realizado através do Relatório Anual de Prestação de Contas - item XIV da cláusula décima primeira. Tal situação inviabiliza o cálculo dos valores efetivamente devidos à União a esse título, tendo em vista ser necessário o conhecimento acerca (i) das destinações outorgadas pelo Estado e o método de cálculo de retribuição utilizado; e (ii) do montante total mínimo que deveria ser cobrado pelo Estado, devendo ser levado em consideração também os valores comprovadamente reinvestidos pelo Estado na área cedida", afirma em outro trecho, na página 29.

"... permitida a atual situação de recalcitrância quanto ao cumprimento do contrato, permanece inviabilizada a possibilidade de que a União efetue a cobrança dos valores mensais devidos pelo ente subnacional por força do item III da Cláusula Décima Primeira, assim como de eventuais multas e custos decorrentes da demolição ou remoção de obras irregulares realizadas no arquipélago", afirma em outro trecho.

 

O governo federal acusa o governo do Estado de responsabilidade civil. "Na condição de cessionário, não atuou e dificultou que a União atuasse no sentido de impedir as ocupações e usos irregulares de áreas públicas na Ilha de Fernando de Noronha por particulares, possibilitando a respectiva cobrança de multas e custos de eventuais demolições e remoções", escreve a AGU.

Por fim, a AGU pede que o STF reescreva a constituição estadual sobre a questão distrital.

"Incidentalmente, seja declarada a inconstitucionalidade material do inciso II do art. 4º da Constituição do Estado de Pernambuco, acrescido pela Emenda Constitucional nº 9/1995, e dos incisos I e II do art. 6º da Lei Estadual nº 11.304/1995 por colidirem com os 57 incisos IV e VII do art. 20 da Constituição Federal e, subsidiariamente, seja dada interpretação conforme à Constituição ao inciso II do art. 6º da Lei Estadual nº 11.304/1995, a fim de que seja fixado que somente os bens imóveis do antigo Território Federal de Fernando de Noronha podem ser considerados bens do Distrito Estadual se outorgados por lei federal; f) a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, na forma do artigo 85 do Código de Processo", diz a AGU.

A AGU lista uma série de supostos problemas e reclama de concessão de autorizações indevidas por parte do Estado de Pernambuco para edificações na faixa de praia sem autorização do então SPU/MPOG; (ii) expedição de "Termos de Permissão de Uso" em contrariedade com a legislação de regência e também sem submissão à SPU; (iii) crescimento de rede hoteleira em ocupações irregulares, com várias denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal; (iv) conflitos de competências e na proteção do meio ambiente entre o IBAMA e a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco - CPRH; e (v) diversas outras irregularidades identificadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

GUGA MATOS/JC IMAGEM
ESCOLA DE SARGENTOS Jair Bolsonaro trouxe Anderson Ferreira de Brasília, junto com Gilson Machado - GUGA MATOS/JC IMAGEM


Apelo à segurança nacional

"De fato, o caso em tela não se limita à discussão de titularidade de bem patrimonial da União, mas envolve a atribuição constitucional do domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha e, reflexamente, o exercício de competências exclusivas da União como a de segurança nacional e de competências comuns
como o resguardo dos documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos e proteção do meio ambiente".

União quer a gestão da ilha


"No caso dos autos, o Estado de Pernambuco, em descompasso com o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República e com o Contrato de Cessão de Uso da Ilha de Fernando de Noronha celebrado com a União em julho de 2002, entende ser detentor da titularidade integral da área objeto do contrato e que o ente central não possui nenhuma “prerrogativa inerente à propriedade, tampouco poder de ingerência (...) sobre imóveis situados em Fernando de Noronha”

... esta situação de insegurança jurídica advinda do equivocado entendimento adotado pelo ente subnacional faz com que a gestão daquele território se encontre à deriva, sem que os órgãos federais, em especial a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, tenha “sua atuação reconhecida pela administração estadual, a qual pratica flagrantes atos em contrariedade à legislação federal vigente, em especial à legislação patrimonial e à Lei de Licitações”

Nesse sentido, a SPU/ME, por meio da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, informa que “decorridos 15 anos da assinatura do contrato de cessão, a maioria das cláusulas contratuais não foram cumpridas, o que levou o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal a exigirem manifestação da SPU quanto à inadimplência e, mais ainda, a informar se o Estado de Pernambuco teria condições de fazer a gestão daquele território, ou se a União teria de fazê-lo”, escreve na página 16 da ação da AGU.

MARCELO LOUREIRO/ESTADÃO CONTEÚDO
Festa acontece no Forte Nossa Senhora dos Remédios, construído no século 18 e recuperado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao custo de R$ 10 milhões, em 2019 - MARCELO LOUREIRO/ESTADÃO CONTEÚDO


Licitação do Forte dos Remédios foi um dos estopins da guerra com a União

"Em total desconsideração aos termos do contrato e ao que determina o art. 20 da Constituição Federal, o Estado de Pernambuco, em resposta ao ofício da União, requereu que as providências consignadas pela SPU/ME fossem tornadas sem efeito, uma vez que “o Constituinte Originário atribuiu a propriedade do
arquipélago de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco, excepcionando a regra geral do inciso IV do art. 20 das disposições permanentes da Constituição, que insere as ilhas oceânicas no rol de bens da União”.

Ainda quanto à concessão onerosa da Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios, convém destacar que tal controvérsia foi judicializada no âmbito da Justiça Federal do Estado de Pernambuco, por meio da Ação Ordinária nº 0822067- 41.2021.4.05.8300. Naquela oportunidade, a União pleiteou a anulação do Processo Licitatório nº 001.2021.PP.001, apontando o descumprimento do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais e pelo fato de que “o citado bem não mais se encontra na gestão do Estado de Pernambuco, ou seja, desde a comunicação formalizada pelo OFÍCIO SEI Nº 294193/2021/ME”.

Entretanto, o Juízo da 9º Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, em 15/02/2022, não acolheu a pretensão do ente central, sob o errôneo fundamento de que a Ilha de Fernando de Noronha pertenceria ao ente subnacional.", escreve a AGU na página 25 e 26 do documento enviado ao STF.

Demarcação de terrenos de Marinha

De outra parte, em mais uma tentativa de obstar a atuação dos órgãos da União no Arquipélago de Fernando de Noronha, o Estado de Pernambuco, em 24/11/2021, encaminhou notificação extrajudicial ao Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco requerendo seja interrompido procedimento administrativo de demarcação de terrenos de marinha naquela área, iniciado pelo ente central, sob o argumento de que “por força do art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT da Constituição de 1988 e do art. 4o da Constituição Pernambucana de 1989, toda a área do arquipélago de Fernando de Noronha é de propriedade do Estado de Pernambuco” (Doc. 30).

É possível verificar que o Estado-membro, na prática, ao não reconhecer o domínio da União sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha, acabou por esvaziar os termos do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais, mormente no tocante às competências constitucionais do ente central para gestão de bem público de sua titularidade, conforme sintetizado pela SPU", escreve a AGU.

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André de Paulo - Jarbas Vasconcelos - DIVULGAÇÃO


União cita a anuência de Jarbas Vasconcelos

A referida ação cível originária foi arquivada em razão da homologação de pedido de desistência apresentado pelo Estado de Pernambuco. A desistência foi assim justificada pelo então Governador do Estado, Jarbas Vasconcelos:

"Ao assumir o Governo deste Estado, recomendei à Procuradoria Geral que avaliasse a evolução da Ação, tendo sido constatado, a partir do posicionamento adotado pelo Ministério Público Federal e também pelo conteúdo do relatório de autoria do Ministro Relator Francisco Rezek, que a referida Ação provavelmente não terá êxito no seu julgamento final junto à Suprema Corte. Diante dos fatos, julgo extremamente oportuno a busca de uma imediata solução na esfera administrativa, por entender que o conjunto dos bens ali edificados, encontra-se indefinido no tocante à gestão, manutenção e administração patrimonial”.

Ora, é de se registrar que a solução administrativa tida por necessária pelo então Chefe do Poder Executivo Estadual no tocante à gestão da Ilha foi posteriormente adotada com a celebração do Contrato de Cessão de Uso da Ilha", cita a ação da AGU, na página 49.

Marinha, Aeronáutica, ICMBio e Embratur fizeram queixas contra Estado de Pernambuco

Lista de reclamações constou de nota do Ministério da Economia

Vários órgãos do Poder Executivo Federal apresentaram reclamações contra o Estado de Pernambuco. Os documentos foram juntados na ação no STF movida pela União contra o Estado de Pernambuco, para tentar retomar a titularidade dos imóveis do arquipélago de Fernando de Noronha.

As queixas dos órgão federais constaram da Nota Técnica SEI 46207/2021/ME, assinada pelo Ministério da Economia em setembro de 2021.

VEJA A LISTA DE RECLAMAÇÕES DOS ÓRGÃOS FEDERAIS:

"I - Comando da Marinha . A Marinha mantém na região um contingente de seis militares e está instalada em uma pequena residência afastada do mar. O terreno originalmente destinado às instalações da Unidade nas proximidades do Porto e com vista à única enseada onde chegam as embarcações foi desviado para um empreendimento econômico."

"II - Comando da Aeronáutica e ANAC. A área no entorno do aeroporto foi ocupada por população de baixa renda, que utilizam a própria pista de pouso como passagem de pedestres e o entorno da pista como pasto de animais."

"III - ICMBio/MMA. De acordo com a legislação ambiental que regula o uso e ocupação da Ilha, projetos de maior impacto deveriam ser apreciados pelo ICMBio, entrementes, o Estado não submete qualquer projeto ao crivo do Instituto."

"IV - Ministério do Turismo, IPHAN, EMBRATUR. O Ministério do Turismo, por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –IPHAN, selecionou dois imóveis em Noronha para serem incluídos no Programa Revive Brasil, uma iniciativa em conjunto com o Governo Português para restauração e exploração de prédios públicos históricos pela iniciativa privada. Os imóveis foram o Forte Nossa Senhora dos Remédios, e as instalações da Aldeia dos Sentenciados, que foram inseridos no Programa de Parceria de Investimentos – PPI, notícia amplamente divulgada a nível nacional e internacional. Nos últimos dias o Estado de Pernambuco divulgou notícias acerca de um Edital para a cessão do mencionado Forte à iniciativa privada, o que frustra a iniciativa Federal"

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Anderson Ferreira com Bolsonaro e Gilson Machado - REPRODUÇÃO


Decisão do TCU citada por Gilson Machado é de cinco anos atrás

Ministro do Turismo disse que ação no STF apenas cumpriu acórdão do TCU

Em nota, o ministro do Turismo, Gilson Machado (PL), justificou a ação no STF para o Governo Federal retomar a titularidade do domínio do arquipélago de Fernando de Noronha citando, dentre os argumentos, um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, segundo o ministro do Turismo, obrigaria o Governo Federal a agir contra o Estado de Pernambuco.

O acórdão, juntado ao atual processo no STF, foi proferido pelo TCU em 4 de outubro de 2016.

No texto, a deliberação do TCU não menciona a necessidade da ação judicial da União contra Pernambuco.

A determinação constou do Acórdão 10940/2016 Segunda Câmara no Processo 026.563/2015-0:

"1.9. Determinar à Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco (SPU/PE), com fundamento no art. 250, inciso II, do RITCU, que apresente a este Tribunal, no prazo de 120 dias, planos de ação, contendo, no mínimo, as medidas a serem adotadas, os responsáveis pelas ações e os prazos previstos para a sua implementação, a fim de: 1.9.1. analisar a boa e regular execução do Contrato de Cessão de Uso, em condições especiais, da área onde está localizado o Arquipélago de Fernando de Noronha, firmado com o Estado de Pernambuco, a fim de ser verificado a situação dos cadastramentos e das cessões de áreas da União realizados pelo governo do Estado, em especial aqueles apontados como irregulares no Relatório de Auditoria 201316876 da CGU (peça 10)"

O acórdão do TCU foi usado como argumento pelo governo Bolsonaro, cinco anos depois, para ajuizar a ação no STF com pedido de liminar de urgência contra o Estado de Pernambuco.


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