Opinião

Miriam, Eduardo e a cobra. Por Ricardo Leitão

Miriam Leitão é uma das mais experientes e respeitadas jornalistas de economia do País e foi torturada na ditadura

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Jamildo Melo

Publicado em 09/04/2022 às 10:05 | Atualizado em 09/04/2022 às 10:06
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Miriam Leitão é uma das mais experientes e respeitadas jornalistas de economia do País. Trabalhou na Gazeta Mercantil, no Jornal do Brasil, em O Estado de São Paulo e na Veja. Atualmente é colunista de O Globo e comentarista da Globo News, CBN e Rede Globo. Escreveu sete livros e é a terceira jornalista brasileira mais premiada de todos os tempos. Entre os prêmios, o da Federação Internacional de Jornalistas, pelo combate à desigualdade social, e o Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo Partido Liberal, em São Paulo, é filho do presidente Jair Bolsonaro e um dos representantes da extrema direita no Congresso. Em uma articulação hilária, se apresentou para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, elencando, como um de seus predicados, a fluência no inglês. Explicou que aprendera o idioma fritando hambúrguer no Maine, EUA.

A cobra é uma sucuri. Foi usada para torturar Miriam Leitão quando ela, grávida e com 19 anos, estava presa no 8º Batalhão de Infantaria, em Vitória do Espírito Santo. Despida, Miriam era lançada para junto da cobra, em uma sala escura, para que confessasse participar da luta armada contra a ditadura.

Há poucos dias, em uma rede social, Eduardo Bolsonaro relembrou a tortura da jornalista e disse “ter pena da cobra”. A declaração causou uma profunda indignação, pela dimensão da calhordice e da desumanidade. Três partidos de oposição (PT, Rede e Psol) entraram com uma representação no Conselho de Ética da Câmara, contra o deputado, por quebra do decoro e apologia à tortura. Instituições de direitos humanos de todo o País protestaram, exigindo providências.

Quando foi presa e torturada, Miriam Leitão era militante do Partido Comunista do Brasil, trabalhando na área de propaganda. Nunca pegou em armas, nem sua filiação a impediu de se destacar como uma importante jornalista. Depois de três meses de prisão, foi julgada e absolvida em todas as instâncias.

Nada disso valeu para Jair Bolsonaro. Em 19 de julho de 2019, já presidente, Sua Excelência obrou uma mentira: “Essa jornalista foi presa quando estava indo para a guerrilha do Araguaia para tentar impor uma ditadura comunista no Brasil”. E continuou: “Ela nunca foi torturada, nem sofreu qualquer tipo de abuso”.

A mentira de Bolsonaro foi contestada, mas a perseguição a Miriam Leitão não cessou. As redes sociais das milícias digitais bolsonaristas transformaram Miriam em alvo de ataques permanentes, culminando com a estupidez do deboche de Eduardo Bolsonaro.

As relações dos integrantes do pior governo da história do Brasil e seus agregados com os jornalistas são péssimas. O caso de Miriam Leitão é o de maior repercussão pela sua dimensão pessoal e profissional. Contudo outros episódios rotineiramente se repetem, incluindo censura; agressões verbais e físicas; bloqueio de verbas publicitárias e total ignorância do bolsonarismo sobre o valor do trabalho da mídia na relação governo e sociedade.

O pior é que não há risco de melhorar: a radicalização política – que parece inevitável; o permanente ódio partidário; a violência das milícias; as tentativas de fragilizar o sistema eleitoral – tudo conspira para que o País tenha uma das mais tumultuadas eleições dos últimos tempos. E no meio dessa conjuntura prestes a explodir, os jornalistas, tentando contar os fatos. Por dever de ofício, alguns poderão morrer.

Apesar do mesmo sobrenome, não sou parente de Miriam Leitão. Trabalhamos no mesmo período na Veja, quando ela era repórter de economia, em São Paulo, e eu repórter na região Nordeste. Início da década de 1980, estávamos todos na mesma luta pela redemocratização. Tempos trágicos, como os de hoje. Vencemos naqueles tempos, venceremos novamente agora.

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