ENTREVISTA

'Cultura patriarcal dificulta que mulheres ocupem espaço nos Poderes', diz coordenadora do Ministério Público Eleitoral

Raquel Branquinho, procuradora da República, é o nome à frente da coordenação nacional do grupo de trabalho de combate à violência de gênero do Ministério Público Eleitoral para as eleições de 2022

Augusto Tenório
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Augusto Tenório
Publicado em 30/05/2022 às 18:18 | Atualizado em 23/02/2023 às 10:00
TRE-PE/Divulgação
Raquel Branquinho, procuradora da República Raquel Branquinho e coordenadora nacional do grupo de trabalho de combate à violência de gênero do Ministério Público Eleitoral - FOTO: TRE-PE/Divulgação

Raquel Branquinho, procuradora da República, é o nome à frente da coordenação nacional do grupo de trabalho de combate à violência de gênero do Ministério Público Eleitoral para as eleições de 2022

Em entrevista à coluna, a procuradora reconhece avanço nas ações para garantir participação efetiva das mulheres na Política, destacando um microssistema legal de ações afirmativas de gênero.

Na avaliação de Raquel Branquinho, porém,, a cultura patriarcal e machista dificulta que as mulheres ocupem, pelo menos de forma proporcional à sua representação na população, cadeiras nos poderes. Nesse panorama, ela cita a cúpula do próprio Poder Judiciário.

O tema está em pauta para as eleições deste ano. Raquel participou, no Recife, do 1º encontro do Ciclo de Estudos Mulheres na Política, realizado no dia 27 de maio. O evento contou com participação do ministro Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, que destacou a presença feminina na área.

Em tempo, a procuradora também destaca ações no sentido de prevenir, reprimir e combater a violência política de gênero com tipificação de crime específico quando essa ação é feita contra mulheres, principalmente negras e transexuais.

Confira a entrevista com Raquel Branquinho, procuradora da República e coordenadora nacional do grupo de trabalho de combate à violência de gênero do Ministério Público Eleitoral

Em pauta, o panorama da violência eleitoral contra o público feminino e as ações do poder público para combater esse problema.

Blog de Jamildo: Você considera que, até o momento, o Brasil vem avançando nas ações para presença feminina na política?

Raquel Branquinho: Sim, o Brasil vem avançando bastante no aspecto legislativo. Podemos dizer que há um microssistema legal de ações afirmativas de gênero. Há uma série de leis, algumas já mais antigas (cotas femininas), outras bem recentes (violência política de gênero), que permitem uma maior participação feminina nas esferas de poder político.

No entanto, na prática, em razão de uma cultura social machista e patriarcal, que se reflete no campo político-eleitoral, ainda há muita dificuldade para que a mulher efetivamente ocupe, de forma proporcional à sua presença na população brasileira (aproximadamente 51%), as cadeiras do Poder Legislativo e da cúpula dos demais Poderes, como o próprio Poder Judiciário. Tanto no Parlamento quanto no Poder Judiciário (STJ e STF), a presença feminina corresponde a 15%, muito aquém do que é esperado e desejado para se alcançar um tratamento igualitário, como determina a Constituição.

Ou seja, a mudança legislativa é muito importante, mas ela deve estar acompanhada de práticas concretas, sob pena de não haver alteração efetivamente relevante em razão dessas normas. O Brasil ainda ocupa, só para mostrar um dado da ONU, dentre vários indicadores ruins, a 140 posição no ranking mundial de representação feminina no parlamento.

Raquel Branquinho: Quais são os tipos mais comuns de violência de gênero no contexto eleitoral? Como essa violência se manifesta?

Raquel Branquinho: No contexto eleitoral, recentemente, em agosto de 2021, passou a ter vigência no Brasil a Lei 14.192/21, que é a legislação que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política de gênero. Essa lei tipificou um crime muito específico para esse tipo de violência sofrida pelas mulheres, inclusive e principalmente as mulheres negras e transexuais, que é o artigo 326 B do Código Eleitoral que pune, com penas de 1 a 4 anos, que podem ser agravadas, qualquer tipo de assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça, sofridas por candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, quando tratadas com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, de forma a impedir ou dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Os exemplos, infelizmente, são recorrentes. Há um senso de impunidade, e essas mulheres, detentoras de mandatos, muitas vezes, são agredidas por grupos em redes sociais, ou mesmo por colegas homens, em razão do seu gênero, da sua raça, cor, sua orientação sexual e, sempre, tendo como pano de fundo para essas ofensas, o trabalho que desenvolvem no exercício do mandato.

Recentemente, um apresentador de rádio, por discordar da proposta de alteração legislativa de uma Deputada Federal, praticou várias ofensas contra ela em razão do gênero e da sua atuação parlamentar, com o fim de ridicularizá-la, na medida em que disse que era para ela, a parlamentar, ficar em casa, lavando as cuecas do seu marido, pois as suas propostas seriam descabidas (ela defendia mais direitos à comunidade LGBTQIA+).

Em outra situação, uma prefeita foi agredida verbalmente por um vereador em razão de atos vinculados à gestão do município, tendo o vereador afirmado que o cérebro da prefeita se assemelhava a um “caroço de azeitona” e em tom jocoso disse que a estava elogiando.

Há várias ameaças com palavras extremamente ofensivas ao gênero feminino, como recentemente, uma vereadora transexual foi atacada verbalmente por um deputado estadual que a chamou de "boizebu" e aberração da natureza, dentre outras ofensas. Diuturnamente, vereadoras são impedidas, por seus colegas homens, presidentes de casas legislativas, de se manifestar livremente nessas Casas, tendo seus microfones arrancados de suas mãos ou com o som interrompido, em algumas situações, com intimidação física. Há situações de ameaças físicas, de vida, dentre outras agressões.

Blog de Jamildo: Em 2020, 243 foram abertas na justiça contra supostas candidaturas femininas laranjas. Como combater essa prática e garantir que, de fato, mulheres tenham acesso à verba e espaço para suas candidaturas?

Raquel Branquinho: As chamadas candidaturas laranjas representam uma forma de violência política contra mulher. Infelizmente, até as últimas eleições, mostrou-se um cenário muito recorrente, pois diversos partidos, liderados por homens, lançaram mão desse expediente fraudulento, para cumprir requisito legal de cota de participação feminina nas candidaturas.

O sistema eleitoral tem reagido de forma efetiva. Recentemente, têm ocorrido julgamentos com a anulação de todos os registros de candidaturas e a cassação dos diplomas e mandatos eletivos em razão da constatação de fraude à cota de gênero, medida que alguns alegam muito rigorosas, mas que, de fato, mostra-se necessária e proporcional para o combate a esse tipo de violência contra a mulher e contra a democracia brasileira.

Recentemente, a EC 111/21 trouxe uma inovação muito importante, com significativo incentivo econômico aos partidos políticos que conseguirem lançar candidaturas idôneas e legítimas de mulheres e negros. Por essa regra, nos pleitos de 2022 a 2030, serão considerados em dobro os votos dados a candidatas mulheres ou candidatos negros na distribuição dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A expectativa é de que, sob a ótica de uma análise econômica de custo-benefício entre uma efetiva punição com a anulação e cassação de toda a chapa e, por outro lado, maior incentivo financeiro para votos em mulheres, haverá uma legítima participação feminina nas eleições.

Blog de Jamildo: Para 2022, o Ministério Público Eleitoral vem preparando ações voltadas para típicos específicos de violência de gênero no contexto das eleições?

Raquel Branquinho: O Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Violência Política de Gênero que coordeno na Vice-Procuradoria Geral Eleitoral do Ministério Público Federal com a colega Nathalia Mariel, tem a missão de priorizar esse tema perante os órgãos que integram o sistema de justiça eleitoral, ou seja, Ministério Público, Poder Judiciário e aparato policial, e estamos adotando inúmeras medidas de priorização e enfrentamento desse tipo de criminalidade.

Uma dessas medidas é a representação à autoridade competente dos possíveis crimes de violência política de gênero, monitoramento e acompanhamento das providências que estão sendo adotadas, além de medidas para aprimoramento do trabalho do ministério público eleitoral nessa área. Todas as ações do GT estão disponíveis neste endereço eletrônico.

Blog de Jamildo: Como o eleitorado pode ajudar a combater a violência de gênero no contexto das eleições?

Raquel Branquinho: Primeiramente, por meio de atitudes que possam, na sua esfera familiar, de trabalho ou social, representar medidas de igualdade, ainda que por meio das chamadas ações afirmativas, que são aquelas medidas compensatórias para dar condições à mulher para que ela possa exercer seus direitos em igualdade de condições, como as cotas, formas adaptadas de estudo e trabalho, divisão de tarefas domésticas, etc.

Em segundo lugar, quando houver situações de violência como aquelas que estão descritas no artigo 326B do Código Eleitoral, levar esses fatos ao conhecimento das autoridades competentes, por meio das ouvidorias dos Tribunais Regionais Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral, do Conselho Nacional do Ministério Público.

No Ministério Público Federal, essas denúncias, ou seja, as notícias desses possíveis crimes, podem ser encaminhadas pelo canal de atendimento ao cidadão. Esses canais servem para encaminhar essa notícia ao promotor/procurador de justiça eleitoral que tem a atribuição de analisar a situação e, se for o caso, apresentar denúncia à Justiça.

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