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Sinais de alerta no horizonte

Em artigo, o articulista Ricardo Leitão escreve que, em se deparando com números negativos em pesquisas, políticos defendem que 'trata-se apenas de um retrato da realidade'

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Cadastrado por

Rodrigo Fernandes

Publicado em 11/03/2024 às 8:01
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Por Ricardo Leitão, em artigo para o blog de Jamildo

Quando se depara com números negativos de pesquisas de opinião pública, a maioria dos políticos recorre a um antigo mantra: trata-se apenas de um retrato da realidade, o que vale de fato é a evolução dos números.

A divulgação das pesquisas da Quaest e do Ipec, há poucos dias, estimulou o discurso rotineiro. Segundo os dois levantamentos, a desaprovação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou uma alta expressiva em fevereiro, superando, em determinadas faixas dos entrevistados, os índices de aprovação. A relação desfavorável nunca fora constatada em levantamentos anteriores. Os dois institutos aplicaram, cada um, 2 mil questionários, em municípios de todas as regiões do país.

De acordo com a pesquisa Quaest, o governo Lula recebeu aprovação positiva de 35% e negativa de 34%. Em dezembro, os números eram, respectivamente, de 36% e 29%. Ou seja, estacionou a avaliação positiva, enquanto a negativa deu um salto de 5 pontos percentuais. Considerando-se a margem de erro de 2% da amostragem, aprovação e desaprovação estão tecnicamente empatadas. A Quaest também perguntou se o entrevistado aprova ou desaprova o trabalho pessoal do presidente. Nesse caso, a aprovação foi de 51% ante 46% de desaprovação. Em dezembro, o placar fora de 54% a 43%, respectivamente.

Os números não são bons, especialmente para uma aliança político-administrativa que busca a maioria da opinião pública como sua principal sustentação. Lula foi eleito por uma margem mínima de votos: 50% contra 49% de Jair Bolsonaro, em índices arredondados. A aprovação de 35% da pesquisa Quaest significa uma perda de 15 pontos percentuais do petista, face o resultado do segundo turno da eleição de 2022. Gatos escaldados alertam para esses sinais.

Os resultados das pesquisas surpreenderam os petistas e seus aliados, principalmente por serem divulgados depois de um período de realizações positivas do governo, beneficiando prioritariamente os mais pobres. A relação é ampla e diversificada: aumento real de 4% dos salários, nos últimos 12 meses; destinação de 1,7% do PIB para o Bolsa Família; mais investimentos em projetos sociais; aumento do salário mínimo e do piso dos benefícios do INSS; crescimento de 2,9% do Produto Interno Bruto em 2023 e da renda per capita; redução do desemprego e estabilidade da inflação.

Teria sido pouco para alavancar o apoio ao governo? Em que segmento da população residiria, com mais evidência, a desaprovação? A pesquisa Quaest identificou um avanço maior da desaprovação entre os evangélicos, denominação religiosa de um terço dos brasileiros: foi de 36% para 48%, incrementada pela reação às declarações polêmicas de Lula, comparando a ação dos israelenses na Faixa de Gaza ao genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Outro motivo para a desaprovação estaria no recrudescimento da inflação dos alimentos, resultado da falta ou do excesso de chuvas e da crise no fornecimento de produtos importados. O problema se agravou no Sudeste e no Sul, onde se concentra metade da população brasileira e sempre foi maior a oposição a Lula e à esquerda.

Positiva ou negativa, a estreita margem das respostas não amplia as possibilidades de manobras político-eleitorais de Lula, mesmo levando-se em conta sua habilidade no assunto. Em conjuntura conturbada - na qual sequer faltou uma tentativa de golpe de Estado - são grandes os desafios, a começar pelas relações instáveis com o Congresso.

Disso um dos melhores exemplos foi a articulação da oposição, no Senado e na Câmara dos Deputados, para intervir na destinação de recursos do Orçamento da União. Dos R$ 2,18 trilhões previstos para este ano, apenas R$ 200 bilhões estão reservados para custear a máquina administrativa, prestar serviços à população e investir. Por meio de emendas ao orçamento, deputados federais e senadores poderão agora definir o destino de 23% desses 200 bilhões, o que seria natural face a direitos constitucionais do Legislativo. Não são naturais, contudo, o percentual de 23% e o jogo, de grande parte dos parlamentares, vinculando a aprovação de projetos de interesse do governo à liberação de verbas.

Até agora, nenhum presidente elevou a voz contra tais modos tupiniquins. Jair Bolsonaro curvou-se, ao ponto de admitir “emendas parlamentares secretas”, pelas quais seu desgoverno liberava a aliados verbas públicas, sem saber nada sobre sua aplicação. Bolsonaro alimentou o propinoduto para impedir que prosperassem alguns dos processos de impeachment nos quais era alvo.

Em anos de eleição das Mesas Diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados, como agora, a pressão se agrava. A situação do governo Lula é pior na Câmara, sob controle do centro-direita, que nomeou os presidentes das principais comissões técnicas da Casa e vai eleger a Mesa Diretora. Contrariar esse bloco do atraso pode ser arriscado: a presidente Dilma Rousseff articulou uma frente contra Eduardo Cunha, que venceu a disputa para a presidência e deu o troco de imediato, abrindo o processo de impeachment que cassou o mandato da petista. Corrupto notório, Cunha terminou preso meses depois.

Na hipótese de as próximas pesquisas continuarem a demonstrar índices decrescentes do governo Lula, é urgente uma reação radical. Faltam oito meses para as eleições municipais, nas quais o bolsonarismo vai tentar recompor forças, com vitórias em capitais estratégicas, como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza. Vencer nessas cidades, as mais importantes do país, representaria uma sinalização sólida para a eleição presidencial de 2026.

Há tempo para recuperar os índices positivos de avaliação. O empenho do governo e das lideranças de centro-esquerda demandará crescimento econômico mais rápido e aprofundamento das ações sociais em benefício dos mais pobres. Haverá dinheiro suficiente para essa aceleração, sem comprometer o combate à inflação?

Lula exige que o investimento público continue, para que sejam atendidos seus compromissos de campanha. Para tanto, são necessários tempo, determinação e apoio das ruas. E democratas cada vez mais atentos aos sinais de alerta no horizonte. Jair Bolsonaro, o bolsonarismo e a direita no Brasil e no mundo ainda estão vivos.

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