Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
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Obra resgata a mesa de Gilberto Freyre

Publicado em 26/06/2013 às 14:01 | Atualizado em 26/06/2013 às 14:02
Leitura:
jornalista de gastronomia, doutora em história da ciência Cristiana Couto, publicou na edição de hoje da Folha de S. Paulo, uma avaliação sobre o novo livro da pesquisadora Maria Lectica Monteiro de Cavalcanti,  "Gilberto Freyre e as Aventuras do Paladar" onde ela apres neta a paixão do sociólogo pernambucano pela boa comida. Veja o texto: CRISTIANA COUTO* - ESPECIAL PARA A FOLHA DE S. PAULO A princípio, um leitor desavisado pode se incomodar com as longas frases em negrito e as diversas aspas que parecem atravancar o texto. Mas logo esses detalhes se tornam insignificantes diante da saborosa leitura que é "Gilberto Freyre e as Aventuras do Paladar", recém-lançado pela Fundação Gilberto Freyre, de Recife. As longas citações em destaque foram o recurso escolhido pela autora, a psicóloga Maria Lecticia Monteiro de Cavalcanti, para conduzir com suavidade o leitor das suas mãos para a habilidosa pena de Gilberto Freyre (1900-1987), um dos maiores sociólogos brasileiros. Especialista no autor e pesquisadora da fundação, Maria Lecticia se aproveitou da extensa obra deixada pelo intelectual pernambucano para fazer bem mais do que um livro agradável das impressões de Freyre sobre comida. Ela consegue reconstruir, a partir de extratos selecionados entre mais de seus 80 escritos, a importância que a comida vai tomando no pensamento do autor. O interesse de Freyre pela boa mesa surge antes dele aprender a escrever, em seus desenhos de criança, que ilustram o primeiro capítulo. Essa escrita coreográfica e transbordante, que marcou "Casa Grande e Senzala", sua obra primeira e fundamental, penetra exuberante em meio ao texto discreto e informativo da autora. O livro convida o leitor a conhecer a trajetória de Freyre, tanto em sua casa em Apipucos, no Recife, onde recebia amigos e familiares com refeições intermináveis, quanto durante viagens ao exterior e encontros com intelectuais de várias vertentes. Tudo ao sabor de seus comentários, ora reflexivos, ora irônicos, mas sobretudo argutos, sobre os modos de comer dos seus e dos outros. Pintores, poetas, filósofos, embaixadores, todos se sentaram à mesa com Freyre, que jamais comia só. O que talvez o tenha levado a concluir, sobre o caráter de Hitler, sempre solitário ao comer: "Era assim, como todo o seu nacional-socialismo, um antinacional e um antissocial". Em suas viagens acadêmicas, preferiu o Canadá aos Estados Unidos, apenas pela comida, e aprendeu a gostar de rosbife e cordeiro na Inglaterra. Em Nova Orleans, com mais recursos, pode frequentar restaurantes. Na Alemanha, surpreendeu-se: "Deliciam-me as sopas, um tanto parentas das portuguesas e das espanholas. Nada francesas", declara em "Tempo Morto e Outros Tempos". Mas é por Portugal que definitivamente se apaixona. Encanta-o as varinas lisboetas, "vendedoras-bailarinas de peixe," o leitão à moda da Curia, "mais leve do que a mais delicada galinha", o vinho do Porto. De Goa, na Índia, fez questão de trazer receitas de quitutes e doces para introduzir no Brasil. Das considerações de Freyre sobre a cozinha brasileira, Lecticia dedica vários capítulos que, vistos em conjunto, estruturam sua formação, com "riquezas de sabores ainda contraditórios". Neles está a montagem que Freyre vislumbrou do encontro, pincelado por outras nações, entre o colono português, o índio e o africano -este, mais do que escravo, dono da terra: "Dominaram a cozinha", afirmaria, em sua obra mais importante. Fotos de encontros em torno da mesa, reproduções capas de livros e receituários, caricaturas e desenhos de utensílios culinários figuram no livro como cereja no bolo, deixando todo o recheio e a cobertura para o pensamento original e guloso de Gilberto Freyre. TRECHO DA OBRA "Hitler de ordinário comia só. Não tinha prazer algum em convidar quem quer que fosse (...) A não ser para discutir algum assunto urgente. Nunca pelo gosto de saborear, com amigos, um prato tradicional ou regional (...). Era assim, como todo o seu nacional-socialismo, um antinacional e um antissocial." SAIBA MAIS Gilberto Freyre foi um dos maiores sociólogos brasileiros. Sua obra inaugural e mais importante, "Casa Grande e Senzala", de 1933, propôs a interpretação da nossa formação nacional a partir do estudo da família no regime da economia canavieira. Freyre escolheu três elementos para fundamentar sua explicação: o patriarcado, a interpenetração de raças e culturas e o clima tropical. Inovador, propôs uma abordagem ao mesmo tempo sociológica, histórica e antropológica. O sociólogo pernambucano deu importância às questões da vida privada e levou à lona a ideia corrente de que a mestiçagem era a raiz de nossos males. Para ele, ela era nossa maior virtude. Com isso, inaugurou uma nova fase na interpretação do Brasil. Gilberto Freyre e as Aventuras do Paladar Autor Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti Editora Fundação Gilberto Freyre Preço R$ 80 (427 págs.) Avaliação ótimo (*) CRISTIANA COUTO é jornalista de gastronomia, doutora em história da ciência e autora de "Arte de Cozinha"

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