A Prefeitura do Recife concluiu o projeto do modelo de desenvolvimento urbano que deseja para o terreno de 290 mil m² na Zona Sul da cidade, onde funcionou o Aeroclube de Pernambuco.
De forma discreta, por quase dois anos, foram feitas consultas através de manifestações públicas, reuniões com técnicos de diversas especialidades e até pesquisa de opinião no entorno, questionando sua repercussão na cidade visando atender a série de demandas que o terreno suscita, devido ao potencial de impacto que sua ocupação deve provocar no bairro e até mesmo na cidade.
Na lista de propostas surgiram, é claro, uso para habitação popular; parque e área de lazer; equipamentos sociais, possibilidade de geração de empregos, preservação na memória antigo Aeroclube, preservação do meio ambiente e habitação formal, item que, naturalmente é defendido pelo setor imobiliário como forma de alavancagem financeira para suportar o financiamento de todas as demandas listadas anteriormente.
Quase 300 mil metros quadrados, um grande shopping center na vizinhança, empresariais já operando e outros em construção, margeado por uma via expressa e a possibilidade de conexão com um possível projeto de preservação no terreno vizinho de quase 320 hectares, onde funcionou a estação de rádio da Marinha, aguçaram o debate já a partir do chamado modelo conceitual.
Engenheiros e arquitetos já desenham projetos icônicos, enquanto as comunidades vizinhas desejam que o terreno abrigue habitacionais que lhes permita sair da condição de miséria absoluta em que se encontram no seu entorno, em palafitas.
A visão socialista do prefeito Geraldo Julio e de sua equipe nortearam o encaminhamento para a questão habitacional. Mesmo levando em consideração o enorme potencial de alavancagem financeira que o terreno tem para o município, como local de abrigo de um possível novo bairro, suficiente para consolidar a centralidade do terreno no espaço urbano da cidade.
Segundo o secretário de Infraestrutura do município, Roberto Gusmão, o projeto a ser apresentado tem compromisso com o social, esporte e lazer, meio ambiente, com a memória do local. E de geração de emprego (já na sua implantação), através da construção de dois habitacionais totalizando 600 unidades do Programa Minha Casa Minha Vida - Faixa 1 substituindo as palafitas da comunidade do Bode no Pina.
E contempla ainda um pacote de equipamentos sociais como creche para 200 crianças, Upinha 24 Horas, investimento em infraestrutura no entorno e na comunidade do Bode com saneamento, drenagem, água tratada e pavimentação de vias de conexão com que o terreno vai receber.
A questão da drenagem e do saneamento na comunidade do Bode, afirma Gusmão, é prioritária pela repercussão que hoje ela tem no destino de despejos lançados diretamente no mangue – 47.000 m² de vegetação protegida dentro do terreno.
O pacote de infraestrutura prevê a recomposição de 7.000 m² de mangue nas áreas das palafitas que vão para os habitacionais, a implantação de Econúcleo da limpeza urbana, preservação de 75% da pista do antigo Aeroclube garantindo a memória do local e definindo-a com eixo de ordenamento e construção de um memorial do Aeroclube.
E ainda a implantação de um parque com 11 hectares contendo pista de Cooper, ciclovia interna e interligação com a Avenida Domingos Ferreira, parque infantil, pista de Skate, campo de futebol, quadra esportiva e anfiteatro.
Não vai dar tempo para a atual administração lançar, captar recursos e começar a implantar o projeto. Por isso, a orientação que o secretário recebeu do prefeito (e uma das razões que o levou a deixar a presidência da Emlurb que acumulava com a secretaria) é deixar o projeto pronto de fato.
Isso quer dizer estar com todos os projetos executivos do parque, obras e equipamentos finalizados, terreno regularizado na SPU, loteamento aprovado (com Termo de Referência) para licitação e lei autorizativa de empréstimo para o empreendimento aprovada na Câmara Municipal do Recife, para que a gestão que assume, em 2021, tenha as condicionantes para executar imediatamente o empreendimento, explica Roberto Gusmão.
Habitacionais aprovados, mas sem verba da Caixa.
Mas o projeto terá que superar, também, um pacote de desafios. O primeiro deles é a liberação da verba de quase R$ 50 milhões do contrato de construção dos habitacionais, assinado pela PCR desde dezembro 2018 e a Caixa Econômica, que visa retirar as palafitas da comunidade do Bode no Pina.
Em janeiro deste ano, o prefeito chegou a realizar um evento no local para comemorar o início da construção. A empreiteira selecionada chegou a iniciar a implantação do canteiro de obras no local.
Mas um ano depois, até as placas indicativas do empreendimento foram retiradas. O prefeito Geraldo Julio se queixa de que este é um caso único em que o projeto foi aprovado pela Caixa e o dinheiro não foi liberado ao empreiteiro para iniciar a obra.
Parte dessa suspensão se deve ao fato da mudança de governo, com a posse de Jair Bolsonaro e a criação do ministério da Economia, que absorveu a Caixa na sua estrutura. Porém, com a decisão do governo de praticamente extinguir a Faixa 1 do MCMV – mesmo a contrapartida da 10% sendo assumida pelo FGTS – a liberação ficou mais difícil.
Os projetos da Faixa 1 do MCMV tinham recursos da União no OGU que não estão mais disponíveis. Nesse projeto, o mutuário paga apenas 5% do valor do imóvel recebido em prestações de até R$ 50,00.
Mesmo com esse quadro, a Prefeitura do Recife não trabalha com propostas de incluir o valor desses habitacionais no futuro empréstimo para as obras de infraestrutura e construção do parque e espera o cumprimento do contrato coma Caixa.
Mercado planeja um novo bairro
Não é de hoje – e nunca deixou de estar no radar do setor da construção civil imobiliária – o destino para o terreno de quase 300 mil m² que abrigou o Aeroclube. Especialmente agora que a PCR obteve a transferência oficial da propriedade da Secretaria do Patrimônio da União - SPU.
Essa documentação assegurou ao município a titularidade do terreno tornando-o um ativo livre de gravames e passível de receber qualquer intervenção urbana. Além dele, a Prefeitura ainda negocia com a Marinha a transferência do terreno da antiga estação de rádio.
Entretanto, o ministério da Defesa exige pagamento em dinheiro para a área do parque criado oficialmente em 2008. O presidente da Ademi-PE, Gildo Vilaça, diz que o terreno do Aeroclube, pela localização estratégica (última reserva de vazio urbano expressivo da Zona Sul) requer atenção especial para como seu destino. “Trata-se de um ativo imobiliário de alto valor, devendo-se buscar o melhor resultado financeiro para a cidade com o uso que lhe for destinado”, avalia.
O presidente do Sinduscon-PE, José Antonio Lucas Simon, concorda com Vilaça lembrando que, na verdade, é o “último vazio” disponível, o que, naturalmente, interessa ao setor. Mas ele adverte que a Prefeitura deve calibrar muito bem o seu destino, levando em consideração a questão das palafitas da comunidade do Bode e potencial de mercado habitacional.
Ele lembra que é necessário incluir no planejamento, a nova realidade da Faixa 1 do MCMV que, praticamente foi extinta no atual governo. José Antônio diz que só teme uma opção que se limite a resolver apenas a questão social e ou ambiental contentando-se com habitacional que exigiria muito mais vigilância do município para com o parque e o manguezal.
Mas ele aposta numa solução calibrada de mercado, suficiente para conte O presidente do Secovi, Elísio Junior, também defende uma solução de mercado para o terreno pela potencialidade de valorização da área.
Ele disse que também teme a repetição do modelo que a PCR vem fazendo noutras área da cidade da substituição de palafitas por habitacionais. “No caso do Aeroclube, sua localização é excepcionalmente diferente e exige solução diferente”, diz.
Para o presidente do Secovi-PE, a solução mais adequada seria a de permuta de área para a construção imobiliária com a contrapartida de equipamentos de proteção ambiental. Conectando o novo bairro com um projeto do município para o terreno da Marinha, permitiria que, com os recursos, a PCR financiasse três ou quatro vezes mais unidade habitacionais em localidade vizinhas.
O sonho do Parque dos Manguezais
A construção da Via Mangue descortinou para a cidade a necessidade de cuidar do manguezal, que até a década de 80 era conhecido por abrigar a Estação de Rádio da Marinha, construída com aterro dentro do mangue por ocasião da II Guerra Mundial.
Ela funcionou até a década de 60, quando a PCR e o governo do Estado começaram a se interessar pela área, com a proposta de construção de um parque, cuja apropriação pela cidade ajudasse a preservar a área de 320 hectares, num dos maiores ecossistemas de mangue do Nordeste.
Entretanto, as negociações, desde os governos Jarbas Vasconcelos (na Prefeitura e no governo do Estado), não avançaram, já que a Marinha exige indenização pela área, não admitindo a cessão sem ônus. Sem recursos que viabilizassem essa indicação, o projeto do Parque do Manguezais, criado em 2008, continua um sonho do município.