Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
castilho@jc.com.br

Informação e análise econômica, negócios e mercados

Mercado

Mercado imobiliário sofre impactos diferentes no cenário de juros baixos e dólar alto

Juros baixos melhoram acesso ao mercado aos produtos da indústria da construção, mas câmbio valorizado aumenta custos. Renda pressionada pela pandemia impede repasses

Leonardo Spinelli
Cadastrado por
Leonardo Spinelli
Publicado em 10/11/2020 às 21:22
NE10
A pressão de custos faz a margem do setor reduzir, apesar do aumento de clientes - FOTO: NE10
Leitura:

Por Leonardo Spinelli, para coluna JC Negócios

O cenário até então inédito no Brasil de juros baixos na economia e câmbio valorizado traz novos desafios para o setor produtivo, e a indústria da construção civil talvez seja o setor que melhor exemplifica essa conjuntura.

Com uma demanda no pós-pandemia por novos produtos, como um aumento de procura pelo segundo imóvel (de praia ou campo) devido ao isolamento social, e com as empresas com maior capacidade de ofertar condições de pagamento melhores, por causa das taxas de juros baixas, o setor vem enfrentando, por outro lado, um aumento forte no custo de produção.

A pressão de custos faz a margem do setor reduzir, apesar do aumento de clientes. Boa parte desse custo não pode ser repassado. "É uma equação delicada", diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção (Sinduscon-PE), Érico Furtado. "Com a pandemia o poder aquisitivo das pessoas ficou restrito e aumentar preço pode fazer nossos produtos ficarem na prateleira", diz.

O melhor exemplo de como os custos para produzir têm aumentado muito é o cimento. Em outubro do ano passado o preço da tonelada do produto era de R$ 257 e chegou a R$ 387 no mês passado, uma variação de mais de 50% no preço.

"O pior de tudo, além do aumento efetivo, é a falta do produto. Se o preço estivesse apenas mais alto, mas eu pudesse comprar na pronta entrega era uma coisa. Mas aumentar e não ter como comprar complica muito mais", diz Furtado. "Esse aumento de custo é penoso pra gente e implica em repasse de preços e realinhamento em obras públicas", disse.

Enquanto isso não acontece, o mercado imobiliário no pós-pandemia está aquecido, representa 1/3 da indústria da construção civil. "Esse setor não foi afetado de forma mais dura em função da facilidade de acesso a crédito. Temos várias modalidades para a casa própria e imóveis comerciais e há novas demandas, como a de segunda residência no campo e praia. As pessoas estão procurando ter conforto de trabalho com o home office", diz Furtado.

Segundo o economista da Fecomércio Rafael Ramos, a pressão sobre o custo de produção deverá continuar nos próximos meses. "Além da valorização do dólar, teve a questão da pandemia que afetou a relação comercial dos países, por isso importar insumo ficou mais caro", explica.

DIVULGAÇÃO
Rafael Ramos, economista da Fecomércio - DIVULGAÇÃO


Segundo Ramos, não há uma perspectiva de alívio vindo do dólar por causa do quadro fiscal do Brasil que ainda continua preocupante. "Há uma expansão de gastos públicos significativa e isso eleva o risco do Brasil e há saída de recursos, o que encarece o dólar", diz. "Vamos continuar com o dólar pressionado e dificilmente teremos um cambio abaixo do patamar de R$ 5", opinou Rafael Ramos.

Ramos reforça que o atual cenário de juros baixos e câmbio elevado é inédito. "A conjuntura de juros baixos incentiva o investimento produtivo. Além disso, no setor habitacional as empresas conseguem um custo mais barato para se financiar, mas o dólar pressiona os custos", diz.

Na visão do coordenador do Núcleo de Economia da Fiepe, Cezar Andrade, o câmbio valorizado vai exercer pressão sobre os preços e quem vai terminar pagando é o consumidor final. "É possível haver pressão inflacionária nos próximos meses, principalmente nos setores de matéria prima importada", avalia.

O Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que mede os preços para os produtores, já mostra bem essa pressão de custos enfrentada pela indústria. Na primeira prévia de novembro, o IGP-M subiu 2,67% em relação a outubro e com isso, a taxa em 12 meses passou de 19,45% para 23,79%. Apesar disso, o Índice Geral de Preços ao Consumidor está em 3,92%, o que mostra que os variados setores da economia ainda não conseguiram repassar os preços na ponta final.

“Nesta primeira leitura de novembro, a taxa do IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo) segue influenciada pelos aumentos dos preços das matérias-primas brutas (2,31% para 4,19%) e dos bens intermediários (2,66% para 3,88%). No INCC (Índice Nacional da Construção Civil) o grupo materiais, equipamentos e serviços subiu 2,45% e contribuiu para a alta da taxa em 12 meses do indicador da construção, que avançou de 6,19% para 7,88%”, afirma André Braz, Coordenador dos Índices de Preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelo acompanhamento.

No caso do preço dos cimentos, o dólar pressionou a indústria, que depende de insumos cotados na moeda americana, mas o problema tem outras nuances, explica Eduardo Moraes, gerente regional Norte/Nordeste da Associação Brasileira de Cimento Portland. Segundo ele, a indústria de cimento ainda nao se recuperou da recessão do biênio 2014/2016.

"A recessão foi forte na indústria da construção civil, que reduziu as obras de infraestrutura e de empreendimentos privados. Com isso, o consumo de cimento foi lá pra baixo, de 65 milhões de toneladas, para 40 milhões de 2014 a 2018", disse.

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Com a apuração ainda em andamento nos EUA, a notícia de que Biden liderava na Pensilvânia e na Georgia animou os mercados. - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Com isso, explica o executivo, muitas fábricas fecharam os fornos, o que reduziu a capacidade de produção. "Precisamos de até cinco meses para religar um forno. O reaquecimento é lento, e antes disso é necessário trocar todo o revestimento refratário dos fornos."

Segundo ele, o setor não está aumentando preços, mas corrigindo o valor à inflação acumulada desde 2014, período em que o setor não conseguiu repassar pela falta de demanda. "Em 2019 começou a reaquecer e as fábricas voltaram, mas veio a pandemia. Com isso muitas não resistiram", diz.

No pós-pandemia a indústria da construção voltou à ativa, mas há escassez de oferta e, além disso, os revendedores de cimento também passaram a compensar as perdas. "A indústria não aumentou, só corrigiu", diz, salientando que o maior impacto acontece justamente entre a saída do produto da fábrica e a chegada dele no canteiro de obra.

"O grande problema da indústria do cimento é logística. É um produto barato, mas que tem peso grande. Um caminhão com 200 sacos carrega 10 toneladas. Por R$ 20, dá R$ 4 mil. É uma carga que não paga nem o pneu. É grande a dificuldade."

E expetativa é que o fornecimento de cimento se normalize no primeiro trimestre de 2021.

Enquanto isso, o setor de construção civil continua pressionado. Além do cimento,o dólar também encarece outros insumos como tijolo cerâmico, a parte de PVC, o cobre e fios e cabos elétricos.

Além do custo maior, não é apenas o cimento que falta no mercado, o material metálico também vem registrando falta de oferta e "preços abusivos", na visão de Érico Furtado do Sinduscon. "Trabalhamos com prazos e sem material há dilatação de prazo e isso vai gerar aumentos na ponta."


DIVULGAÇÃO
Rafael Ramos, economista da Fecomércio-PE diz que a vacina salva "as pessoas físicas, mas as pessoas jurídicas precisam de apoio e incentivos" - FOTO:DIVULGAÇÃO
ABR
Dólar - FOTO:ABR

Comentários

Últimas notícias