Após 210 mil mortes, Brasil ainda negocia compra de vacinas para covid-19
Efetivamente, o governo brasileiro tem apenas um contrato com a britânica AstraZeneca para a entrega de 100 milhões de doses ainda no primeiro semestre de 2021
Mesmo tendo passado dos 210 mil óbitos por covid-19, o equivalente a 10% de todas as mortes no mundo, e passado dos 8 milhões de casos, o Brasil ainda não sabe quantas vacinas comprou, ou que poderá comprar, já que ainda negocia com diversos fabricantes que o colocaram na lista de espera do cronograma de entrega.
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Efetivamente, o governo brasileiro tem apenas um contrato com a britânica AstraZeneca para a entrega de 100 milhões de doses ainda no primeiro semestre de 2021. Mas sofre com o atraso da entrega do primeiro lote do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) que é produzido na China.
Na prática, o Ministério da Saúde pode contar apenas com as 6 milhões de vacinas entregues pela farmacêutica chinesa SinoVac adquiridas pelo governo de São Paulo, que pagou US$ 90 milhões (R$ 505 milhões) e virou parceiro tecnológico para fazer no Brasil a fase 3 e receber, além do IFA, a tecnologia para produção no Instituto Butantã de São Paulo.
É uma situação completamente diferente de países como Israel - que fechou um contrato prévio com a Pfizer para receber os primeiros lotes - mesmo pagando mais que o dobro do preço de tabela da companhia americana; dos Emirados Árabes, cujo príncipe Mohammed bin Rashid Al Maktoum comprou, também da Pfizer, o dobro de vacinas em relação a sua população. E do Canadá, que também comprou o dobro de vacinas necessárias em relação a sua população, embora esteja atrasado nas entregas e na vacinação.
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No caso do Brasil, a informação oficial é de temos acertado a compra de mais de 302,9 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 de vários fabricantes. Mas na lista constam fornecedores que o Ministério da Saúde ainda tenta negociar preço, como são os casos da Pfizer e da Moderna, e adaptar os contratos à legislação brasileira, retardando as negociações.
O problema é que depois da entrega e aplicação das 6 milhões de doses adquiridas pelo governo de São Paulo, que serão suficientes para atender apenas 30% do público alvo do primeiro grupo, existem apenas 4,8 milhões de doses já processadas pelo Butantã, que entrou com um pedido na Anvisa para receber outra autorização especial nos próximos dias.
O governo Bolsonaro, diante da frustação da entrega do primeiro lote de IFA pela AstraZeneca, tentou numa ação diplomática uma compra emergencial de 2 milhões de doses da companhia inglesa através da planta de seu parceiro na Índia. Mas a jogada fracassou e, a despeito da declarações oficiais do ministro Pazuello, as chances de uma entrega antecipada são próximas de zero.
Como o Brasil optou pelo sítio de produção do IFA da AstraZeneca na China, a entrega de um lote especial pela Índia não está na lista de prioridades do laboratório Serum Institute of India, parceiro da empresa naquela país.
O Brasil, se conseguir, terá que esperar que o Serum entregue lotes iniciais a países vizinhos além de sua população de 1,4 bilhão de pessoas cuja primeira fase estima vacinar 300 milhões de pessoas até março.
As negociações do Brasil na compra das vacinas são um case de desorganização e interferência política equivocadas.
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Quando se consolidou como segundo país como maior número de casos, todos os fabricantes procuraram o governo brasileiro para fechar parcerias e contratos pela oportunidade de fazer aqui a chamada fase 3 das pesquisas e vender grandes lotes.
Mas, mesmo tendo destinado R$ 600 bilhões para atender às despesas da covid-19, o governo brasileiro não foi receptivo e fixou-se na AstraZeneca em parceria com a Fiocruz (Rio de Janeiro) por orientação do presidente Jair Bolsonaro, em oposição às negociações fechadas pelo governador de São Paulo, João Dória.
Sobre essa decisão há fatos hilários, mas preocupantes. Bolsonaro entendeu que a AstraZeneca faria suas vacinas na Inglaterra e somente quando acusou a vacina da SinoVac de ineficaz e de sugerir efeitos colaterais, soube que a planta de onde viriam as vacinas para a Fiocruz seriam de uma associada chinesa da companhia britânica.
Bolsonaro, como se viu neste domingo, sofreu uma derrota política humilhante do governador João Dória, já que teve que começar a vacinação com o imunizante comprado pelo adversário político que ele elegeu e até dobrou a aposta quando tentou comprar a vacina na Índia com o objetivo de aplicar a primeira dose em Brasília.
Entretanto, o problema é que as 6 milhões de doses disponíveis só imunizarão 3 milhões de pessoas, a maioria profissionais de saúde da linha de frente no atendimento às pessoas internadas com a covid-19.
Assim, a questão é: E depois? Qual é, de fato, o cenário para se ter vacina para concluir o primeiro grupo e, a partir daí, começar o segundo grupo, e assim sucessivamente?
Isso nos remete, de novo, às negociações do Instituto Butantã e da Fiocruz. A primeira constatação é que Índia e China estão tendo pressões internas para não enviar os pacotes de IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), o princípio ativo contratado. Da chinesa CoronaVac ao insumo feito pelo Instituto de Soro da Índia.
A recusa de entrega das 2 milhões de doses pelo governo indiano revelou apenas as dificuldades que a Fiocruz terá para receber o IFA da vacina da britânica AstraZeneca. Por contrato, a entrega do primeiro lote do IFA fabricado na China seria em dezembro, e ele não chegou.
No caso da CoronaVac, outros 11 mil litros do IFA (suficientes para mais de 18 milhões de doses), com entrega ao Butantã na primeira semana de janeiro, não saíram de Pequim.
Ou seja: terminada a aplicação festiva das primeiras doses da CoronaVac, não temos nenhum cenário para a retomada da vacinação para o resto da população.
Mas a questão das dificuldades da compra de vacinas pelo Brasil não terminam aí. Além de não ter previsão para completar a primeira fase, o Ministério da Saúde tem problemas para ir às compras, pois, no Brasil, o preço ainda não foi definido pelas fabricantes.
Pelo acordo do governo paulista - que adquiriu 60 milhões de doses - seriam US$ 90 milhões (R$ 505 milhões). A dose da AstraZeneca, nos EUA, é US$ 4 (R$ 22) e 2,20 libras (R$ 16) na Europa. No Brasil, deve ficar em US$ 1,5 (R$ 8,25). Nos EUA, a vacina da Pfizer está custando US$ 19,50. A União Europeia pagará 25%, US$ 14,76.
O Brasil também demorou a aderir a iniciativa Covax Facility, que prevê a entrega de 40 milhões de doses com o pagamento de mais R$ 1,7 bilhão para que o Brasil escolha uma das vacinas do consórcio. O custo estimado pela Covax Facility é de US$ 10,55. O Brasil está no grupo de países intermediários de preços e não pagará a tarifa mínima.
Além das dificuldades de preço com a Pfizer, o Brasil ainda não acertou negociações de compra da vacina da americana Moderna, pioneira no início dos testes em humanos e que é a mais cara do mercado.
A empresa informou os preços entre US$ 32 a US$ 37 (de R$ 177 a R$ 205) pela dose do seu imunizante. Mas sem avanços de compra no Brasil.
Já o imunizante da farmacêutica da Johnson & Johnson, a Janssen, terá média, por dose, de US$ 10 (R$ 55), baseado em um acordo com o governo norte-americano. A vantagem é que ela alcança a imunidade contra o coronavírus com dose única. E também não estamos na lista prioritária de clientes.
Finalmente, em relação às vacinas russas, o custo da dose da "Sputnik V" para mercados estrangeiros será de menos de US$ 10, com aplicação de duas doses. Se o Brasil conseguir esse preço, a "Sputnik V" será duas vezes mais barata do que as vacinas de RNA, como a da Pfizer.
Mas esta semana, a Anvisa devolveu o pedido de autorização emergencial, cobrando testes clínicos no Brasil. A Bahia e o Paraná anunciaram que desejam comprar a vacina e no caso do Paraná, o Instituto Paraná seria o parceiro tecnológico para aplicar as vacinas da fase 2 da "Sputnik V". Mas nenhuma ação do Ministério da Saúde para entrar na compra
A aplicação das vacinas ao redor do mundo já provoca cenas inimagináveis no Brasil. Nesta segunda-feira, a Emirates Group iniciou seu programa de vacinação contra a covid-19 para os funcionários lotados nos Emirados Árabes Unidos.
O Emir de Dubai, que também é dono de 99,67% da Dubai Holding, comprou duas vezes mais vacinas do que sua população, e esta semana as doses da Pfizer chegam às empresas. O Emirates Group está discretamente levando seus funcionários lotados na Europa e Ásia para um programa de reciclagem onde todos são vacinados com a vacina da Pfizer. No país, a vacina é obrigatória e gratuita.