Da "capital do Nordeste" a pior cidade para manter uma empresa no Brasil. Por que o Recife ficou assim?
Há menos de seis meses, estudo colocou o Recife como a cidade mais conectada do Nordeste. Nesta quarta-feira (16), o Banco Mundial colocou a capital pernambucana no final de um novo ranking de economia
O número é péssimo para a imagem do Estado nacionalmente. Embora, como adverte a nota técnica, os dados se refiram às capitais, portanto, no caso de Pernambuco, o Recife.
- Igor Maciel: Explicação do governo para justificar Pernambuco como pior ambiente de negócios do país deveria vir com pedido de desculpas
- Fernando Castilho: Após Recife ser considerada a pior capital pro empreendedor, prefeitura dá explicações
Parece uma enorme contradição para quem viu a farta publicidade que o então prefeito Geraldo Julio fez no período anterior e depois das eleições, cuja marca era "Recife, a Capital do Nordeste" e pela qual gastou, em 2020, R$ 45,8 milhões. Desse valor, R$ 7,9 milhões foram mais do que tinha fixado no orçamento do município aprovado pela Câmara Municipal.
Como assim? Em novembro, a PCR dizia que o Recife era a capital do Nordeste e seis meses depois sai uma informação de que é o pior lugar para se manter um negócio? Afinal, segundo a Prefeitura, Recife é a cidade mais inteligente e conectada do Norte e Nordeste, segundo estudo especializado publicado em 2020.
Bom, a diferença está em quem fez os dois estudos.
O estudo foi encomendado ao escritório do Banco Mundial no Brasil pelo governo e financiado pela Confederação Nacional de Bens, Comércio e Turismo (CNC), da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
O que a prefeitura se baseou para se intitular "A Capital do Nordeste" foi feito pelo Consórcio UrbanSystems, com sede em São Paulo e Nectar, com sede no Recife e que atuam na área de Estudos de Mercado perfil de cidades, transporte varejo que produzem o Ranking Connected Smart Cities. Ele junta dados de 673 municípios com mais de 50 mil habitantes no País, com o objetivo de apresentar “as cidades mais inteligentes e conectadas do Brasil” de acordo com 70 indicadores.
Já o estudo do Banco Mundial é mais robusto, embora tenha se limitado às 27 capitais do estado mais o DF. O estudo, chamado "Doing Business Subnacional Brasil 2021", trabalhou com cinco indicadores que tratam diretamente da vida das empresas.
Eles pesquisaram o tempo de abertura de empresas, como os procedimentos e custos para iniciar formalmente as atividades de uma empresa; o tempo para se obter um alvará de construção, ou seja, o tempo e os custos para uma empresa obter o alvará de construção.
Ele também pesquisou o tempo para o registro de propriedades. Os procedimentos e custos para que uma empresa possa adquirir uma propriedade comercial de outra e transferir o título de propriedade para o seu nome; o tempo e custos gasto para o pagamento de impostos ao longo do ano, além do tempo e processos envolvidos e finalmente o tempo e o custo para a execução de um contrato se houve um litígio comercial recorrendo a um tribunal local de primeira instância.
O resultado foi desastroso para o Recife. E mais ainda para o discurso político. Tanto da administração anterior como para a atual, que assumiu dizendo que iria promover um choque de gestão.
Um detalhe chamou a atenção no levantamento: Pernambuco e Espírito Santo são governados pelo PSB há muito tempo. Embora o Espírito Santo seja o único estado que tem classificação A segundo a STN em termos de capacidade de pagamentos e captura de recursos financeiros para investimentos.
Segundo o Banco Mundial, em média, abrir uma empresa no país exige 15,4 dias e 11,1 procedimentos. O tempo é melhor que a média dos países da América Latina e Caribe (29,5 dias), mas pior que o observado nas economias de alta renda da OCDE (9,5), organização que o Brasil quer se tornar país-membro.
O estudo Connected Smart Cities foi o que deu ao Recife o conceito de cidade inteligente e conectada no Nordeste que ainda saltou oito posições, saindo do 23º para o 15º lugar entre os municípios brasileiros. E foi a razão do então prefeito construir um discurso otimista em plena pandemia da corona vírus.
O ranking atribuiu ao Recife posição de destaque em Empreendedorismo, no qual ocupa a 8ª colocação nacional, Tecnologia e Inovação, conquistando o 11º lugar no ranking, Mobilidade e Acessibilidade, em 9º lugar, e Saúde, 12º.
Destacou que o eixo de Tecnologia e Inovação cita o grande número de espaços para o desenvolvimento de inovação, sendo 13 incubadoras de empresas e o Porto Digital, e as 43 ligações de internet para cada 100 habitantes como pontos que impulsionaram a boa qualificação no estudo.
Naturalmente, o prefeito Geraldo Julio fez uma análise positiva do resultado, que colocou o Recife como a única cidade do Norte e Nordeste entre os 26 primeiros colocados. Ele disse, na época, que o estudo coroava uma estratégia de futuro do Recife uma cadeia econômica que inclua as pessoas e sua capacidade de criar, inovar e se conectar.
O prefeito lembrou que o Recife é uma cidade sem petróleo, terras para agricultura ou grandes plantas industriais, mas temos na capacidade da nossa gente, nossa maior riqueza e o potencial é enorme”, disse na ocasião.
Foi daí que surgiu a campanha "Recife, a capital do Nordeste".
A divulgação do Banco Mundial tem um peso infinitamente mais destrutivo em termos de imagem que os positivo do Ranking Connected Smart Cities. Mas ele abre um feixe de luz em vários gargalos que o Recife tem e herdados pelo prefeito João Campos: O de reposicionar a capital pernambucana como um bom local de investimentos.
O importante do estudo do Banco Mundial é que ele expõe um dos maiores desafios de qualquer gestou de capital como é o caso do Recife. O espaço físico do município, que tem um único distrito, e a natural perda de negócios para os demais, especialmente, na Região Metropolitana.
Em 10 anos, o Recife perdeu 10% de recursos em suas costas do FPM para outros que passaram a ter novos empreendimentos industriais.
O Recife também tem problemas sociais graves. Os dados fazem parte da Síntese de Indicadores Sociais 2020 (SIS). A desigualdade na distribuição de renda é medida pelo índice de Gini do IBGE, colocou a cidade como a que tem maior desigualdade entre capitais em 2019 enquanto Pernambuco ficou em terceiro no país em concentração de renda.
De acordo com esse parâmetro, quanto mais perto de 1, mais a renda é concentrada nas mãos de poucas pessoas. Na capital pernambucana, o índice ficou em 0,612. A cidade, informou o instituto, não ocupava a primeira posição desde 2016. O município foi seguido por João Pessoa (0,591) e Aracaju (0,581).