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Em dia de Maria Antonieta, Paulo Guedes reclama de brasileiro por jogar comida fora

Ministro reclama do prato da classe média sem focar na falta de comida na mesa de famílias sem renda assegurada

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Fernando Castilho

Publicado em 18/06/2021 às 11:30 | Atualizado em 18/06/2021 às 12:13
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Certamente é possível que a rainha Maria Antonieta nunca tenha dito a frase “se não têm pão, comam brioches” e que isso tenha sido mesmo uma maldade do filósofo Jean-Jacques Rousseau, no livro Confissões. Mas o fato é que, para a História, ela passou a ser referência de alienação diante de uma situação apresentada a Antonieta - que viveu entre 1755 e 1793 - como resposta a um súdito que lhe disse que o povo precisava e não tinha pão.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece ter incorporado Maria Antonieta nesta quinta-feira, quando num evento da Associação Brasileira de Supermercados disse que “Quando você vê um prato da classe média europeia, que já enfrentou duas guerras mundiais, são pratos relativamente pequenos. E os nossos aqui, nós fazemos almoços em que muitas vezes há uma sobra enorme. Até o final da refeição da classe média alta há excessos”.

O ministro acerta no diagnóstico, e mais uma vez erra nas propostas de soluções. Ele esquece que nossa origem portuguesa no Nordeste e mais variada no Sul sempre priorizou uma mesa farta. E assim como os Estados Unidos, que já eram a nação mais rica na virada do século XIX, também privilegia a alimentação. Os dois países pela capacidade de produção de produto agrícolas.

Mas o ministro erra quando diz que deseja estudos pelo governo, de modo a incluir incentivos para reduzir o volume de alimentos que acabam no lixo que justificaram os “excessos” nas refeições dos brasileiros.

Estudos para redução de perdas são importantes. Mas seria mais produtivo que o Ministério da Economia ajudasse a fazer os brasileiros aumentarem o volume de alimentos de toda a população dos brasileiros. Esse é um bom tema para o ministro.

Dificuldade de percepção

Paulo Guedes tem uma enorme dificuldade de percepção do que seja a realidade brasileira. A questão central hoje não é o excesso de comida na mesa da classe média da qual ele vem. A questão é a falta de qualquer tipo de comida de mais de 50 milhões de brasileiros por força da pandemia da covid 19 e da redução da capacidade de renda de ao menos 14 milhões de desempregados.

O brasileiro come mais quando tem renda. E sofre com o fato de não ter renda para comprar comida para sua família. O mesmo Brasil que tem sérios problemas de armazenamento e transporte de sua produção agrícola é o mesmo que sofre por ter que pagar em real a alta global dos preços das comodities.

É verdade que temos sérios problemas para ter conservação de alimentos, sistemas de processamento de sobras de produtos de menor qualidade e de gestão de estoques. Tudo isso é um caminho a percorrer.

Mas o ministério da Economia está falhando na ação de fazer não o brasileiro produzir comida, mas o de fazer com que essa comida chega na mesa de mais brasileiros.

Paulo Guedes tem, pela sua formação, essa dificuldade de entender o Brasil e suas dificuldades sociais. Ele lembra aquele prefeito filho de rico que assume e não consegue ver a dificuldade das pessoas pelos serviços de saúde. Assim como o que vem da periferia não consegue perceber a baixa qualidade da coleta do lixo porque se acostumou a achar normal a comunidade jogá-lo no terreno baldio da esquina.

Os dois têm miopia social. Um por nunca ter precisado ir ao posto médico. O outro por achar que recolher bem o lixo não é prioritário para sua cidade.

Auxílio financeiro

Então, a questão de Guedes é que ele achou que com R$ 200 poderia resolver a questão das pessoas que estavam em casa por força da pandemia e que com R$ 30 bilhões faria a economia retornar rápido.

Todo mundo sabe do susto da equipe quando o Congresso puxou para R$ 600 e catapultou os custos quando 65 milhões de pessoas se inscreveram. Não estava no radar de Guedes gastar R$ 260 bilhões para 65 milhões de pessoas comprarem comida.

O discurso de que a Europa faz pratos menores e os Estados Unidos e o Brasil comem demais esquece que esses dois países se tornaram campeões de produtividade agrícola.

De fato, segundo a sabedoria popular, a fartura é irmã gêmea do desperdício. Mas quando Paulo Guedes diz que a classe média brasileira come demais, esquece que essa é uma característica cultural que está a quilômetros da questão central e muito mais desafiadora: como fazer a população que não tem renda ter comida na mesa. E essa não desperdiça nada.

O que nos remete à questão: E aí, ministro, o que é mesmo que o Governo que o senhor representa está fazendo para que mais de 30 milhões de pessoas possam fazer as três refeições?

Esse tipo de comentário “fazemos almoços em que muitas vezes há uma sobra enorme” só remete à percepção do problema como mesmo nível da Rainha Maria Antonieta.

 

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