Coluna JC Negócios

Manitoba x Matopiba. Será que as mudanças climáticas mudarão o destino do potencial agrícola do Brasil?

Matopiba, diferentemente da província canadense, é a junção de quatro siglas de quatro estados brasileiros e que, como Manitoba, tem um enorme potencial

Imagem do autor
Cadastrado por

Fernando Castilho

Publicado em 30/08/2021 às 22:40 | Atualizado em 31/08/2021 às 8:44
Notícia
X

Uma matéria publicada nessa segunda-feira (30) na edição eletrônica da revista The Economist, e reproduzida no Brasil pelo jornal o Estado de S. Paulo, surpreende com uma informação do sucesso agrícola de Manitoba, uma província no centro do Canadá onde hoje são plantados mais de 5,3 mil quilômetros quadrados da região com soja e outros cerca de 1,5 mil, com milho.

Segundo a revista, empresas de grande porte esperam se beneficiar das maneiras como as mudanças climáticas estão transformando a agricultura canadense. As empresas compram terras e arrendam as propriedades para agricultores, em Manitoba e outras regiões do país.

A reportagem informa que as mudanças climáticas poderão produzir muitas possibilidades em terras anteriormente congeladas e improdutivas. Mas “também poderia prejudicar enormemente regiões que produzem alimentos para milhões de pessoas”.

Quem conhece o agronegócio brasileiro conhece também uma palavra muito parecida com Manitoba.

Matopiba, diferentemente da província canadense, é a junção de quatro siglas de quatro estados brasileiros e que, como Manitoba, tem um enorme potencial. Matopiba é formada pelas siglas do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

Ela começou a ser falada nos anos 80 do século passado e inicialmente produzia tubérculos e frutas, depois passou para pecuária, mas começou a se destacar com cultivo de grãos e fibras, especialmente soja, milho e algodão.

Nos seus estudos de projeção, o ministério da Agricultura diz que se estima que a expansão de área deve ocorrer em terras de grande potencial produtivo, como as áreas de cerrados compreendidas na região atualmente chamada de Matopiba, por compreender terras situadas nos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

E que das novas áreas do Centro-Nordeste do Brasil - que compreendem a região do Matopiba - a área de grãos, especialmente soja, deve expandir-se. E que os quatro estados, pela dinâmica diferenciada de crescimento, devem atingir uma produção de grãos de 32,7 milhões de toneladas nos próximos 10 anos numa área plantada de 8,9 milhões de hectares em 2029/30.

DIVULGAÇÃO
Produção de grãos no território de Matopiba - DIVULGAÇÃO

O relatório finaliza dizendo que a região denominada Matopiba deverá apresentar aumento elevado da produção de grãos assim como sua área deve apresentar também aumento expressivo.

E avalia que o crescimento da produção agrícola no Brasil deve continuar ocorrendo com base na produtividade. Isso pode ser visto através de várias evidências. A produtividade total dos fatores (PTF) projetada até 2030 deve crescer à taxa anual média de 2,93%.

Em grãos, esse fato é verificado ao observar que para os próximos dez anos, a produção está prevista crescer 26,9% e a área plantada, 16,7%. Deverá manter-se forte o crescimento da produtividade total dos fatores, conforme trabalhos recentes têm mostrado.

O crescimento com base na produtividade deverá ocorrer mesmo nas regiões novas do Brasil no Centro Nordeste e no Norte onde está Matopiba.

O problema entre Manitoba, no Canadá, e Matopiba, no Brasil, é que uma está num país frio que por força das mudanças climáticas, está vendo surgir uma nova fronteira agrícola que não existia.

E a outra, num país tropical, que descobriu esse potencial e tem a perspectiva de sofrer no futuro com as mesmas mudanças climáticas que, no caso brasileiro por mudar pelo aquecimento global.

E uma mudança extraordinária que já está acontecendo no mundo. Deixou de ser uma teoria de que o efeito climático só era debatido por ambientalistas, para ser uma realidade.

O movimento é inverso entre os dois hemisférios. No Norte, a temperatura está baixando. No Sul, a temperatura está subindo.

No Brasil, as áreas com alerta de desmatamento na Amazônia aumentaram 34,5% no período de um ano, segundo dados divulgados pelo Inpe, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

De agosto de 2019 até o dia 31 de julho de 2020, houve alerta de desmatamento de 9.205 km² de área da floresta, uma área mais que seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, esse número tinha ficado em 6.844 km².

O Brasil perdeu área de vegetação nativa equivalente a 10,25% do território nacional entre 1985 e 2019. A área perdida acumulada é de 87,2 milhões de hectares – 573 cidades de São Paulo e 9,3% da mata natural do país é secundária, ou seja, já foi desmatada em algum momento e voltou a crescer.

Nesse cenário, o Cerrado é o bioma que perdeu mais vegetação nativa, um total de 21,3%.

Segundo a reportagem do The Economist, a quantidade de espaço usado para produção agrícola tem aumentado ao longo dos séculos.

Desde 1700, áreas cobertas por cultivos e pastagens aumentaram em cinco vezes. A maior parte do crescimento ocorreu na primeira metade do século 20. A partir da década de 1960, o uso indiscriminado de fertilizantes químicos, o desenvolvimento de variedades mais produtivas de grãos e arroz, juntamente com acesso mais fácil a irrigação, pesticidas e maquinário, possibilitaram que agricultores aproveitassem muito mais os campos que já possuíam.

Em décadas recentes, tecnologias como edição genética e melhorias em processamento de dados ajudaram a aumentar ainda mais as colheitas.

Segundo a revista, a elevação global das temperaturas que começou perto do fim do século 20 diminuiu os aumentos de produtividade, mas não os impediu. Um estudo recente de pesquisadores da Universidade Cornell calcula que, desde 1971, as mudanças climáticas ocasionadas pela atividade humana desaceleraram em cerca de um quinto o aumento da produtividade agrícola.

The Economist cita um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Estadual do Colorado na revista Nature, em 2020, constatou alterações notáveis na distribuição de vários cultivos que dependem de chuva entre 1973 e 2012, enquanto agricultores começavam a tomar decisões diferentes a respeito de que cultivos deveriam ser plantados em cada lugar. A produção de milho, por exemplo, se espalhou do sudeste dos EUA para o norte do meio-oeste do país.

O trigo se deslocou tão substancialmente para o norte, com a ajuda de métodos de irrigação, que ultrapassou essa tendência causada pelo aquecimento: os lugares mais quentes onde o trigo é cultivado hoje são mais frios do que os lugares mais quentes que era cultivado em 1975.

Em 2009, o estudo "Assessing the impact of climate change on the brazilian agricultural sector", de José Feres, Eustáquio Reis e Juliana Speranza, técnicos do Ipea advertiam que sobre o aquecimento global estima um impacto negativo entre 0,8% e 3,7% na produção agrícola brasileira para o período entre 2040 e 2069.

O impacto será consideravelmente maior e mais severo entre os anos 2070 e 2099, quando a produção será reduzida em até 26% em consequência da elevação da temperatura e da redução das precipitações por causa do aquecimento. Segundo eles, o maior prejuízo para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste também resultará do desmatamento intenso nessas regiões devido à expansão das plantações de soja e da pecuária.

Divulgação
Matopiba é formada pelas siglas do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA). - Divulgação

 

Tags

Autor