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Por que o governo Bolsonaro não leva a sério ameaça de nova greve de caminhoneiros a partir de novembro?

Greve de 2018 mudou perfil do setor de transporte no Brasil, com a criação de empresas próprias pelos grandes transportadores

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Fernando Castilho

Publicado em 18/10/2021 às 10:10 | Atualizado em 18/10/2021 às 10:35
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Michel Temer era presidente da República quando no dia 21 de maio irrompeu uma greve de caminhoneiros. Catatônico, levou 10 dias para entender o que se passava e que os caminhões ficaram na estrada porque a maioria das transportadoras não mandou eles voltarem para as garagens.

Também não percebeu que não foram os caminhoneiros autônomos – com quem negociava – que estavam no comando efetivo da greve. Até porque eles já não tinham mais a presença que o segmento teve no passado.

Criou-se uma situação absurda, na qual o Governo pensava que negociava com um grupo que tinha o controle, quando isso não existia. Somente quando as federações de empresas transportadoras entraram no circuito foi que a solução se encaminhou, dez dias depois.

Foi uma paralisação que causou a queda de um ponto percentual no PIB, mas deixou lições importantes, especialmente para os empresários.

Primeiro, que caminhoneiro autônomo não faz greve capaz de parar o Brasil. Eles podem travar as estradas, mas não como 2018. Segundo, as empresas migraram para suas empresas de transportes, criando companhias que cuidam especialmente de suas cargas. Terceiro, o agronegócio entendeu de também ter sua frota comprando caminhão top de linha, assim como fez com máquinas agrícolas e implementos.

Finalmente, o segmento de combustíveis construiu sua frota própria também comprando caminhão para fazer o transporte a partir das distribuidoras. Ah, de uma forma geral, as grandes contratantes de fretes começaram efetivamente a usar a cabotagem.

Isso não quer dizer que os autônomos com o discurso do diesel não possam travar as estradas. Podem, e isso eles fazem como fazem os movimentos sociais quando queimam pneus nas estradas. Mas greve como a de 2018, nem pensar.

Alta do diesel

O fato novo é que com diesel subindo quase 50% - que assusta não apenas os caminhoneiros, mas toda a população - eles podem ter o apoio popular. Podem, mas é preciso alertar para ver quem hoje articula o movimento.

Talvez o fato novo de mais esse movimento seja a nova realidade no setor de cargas no Brasil. Especialmente em relação ao novo perfil de quem usa caminhão para fazer transporte de cargas.

Segundo a Anfavea, foram as empresas (e novas empresas criadas a partir de 2018) que estão comprando caminhões extrapesados. Eles também compraram os implementos (as carrocerias) necessários para esses novos veículos.

Eles continuaram comprando em 2021, especialmente porque estão sendo beneficiados pelas exportações com dólar a R$ 5,50. Isso reduziu drasticamente a dependência do agronegócio de caminhões de autônomos.

A consequência disso foi um envelhecimento da frota de autônomos que, sem frete, já não conseguem comprar veículos novos e no máximo trocam por veículos seminovos comprados de transportadoras.

A greve anunciada é uma greve de caminhoneiro dono de caminhão velho e que gasta mais combustível. Eles podem fechar as estradas em dezenas de rodovias, mas isso não vai ter as consequências de 2018.

Na verdade, o argumento de óleo diesel ajuda muito a mobilizar a categoria nacionalmente. Ninguém aguenta aumento de 50%. Mas é preciso saber se o setor organizado de transporte apoio.

Antigamente se dizia que “sem caminhão o Brasil para”. Hoje tem que se dizer “sem caminhão (de transportadora) o Brasil não para”.

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