Advogados erram no acusado, mas ministro do TSE manda Lollapalooza proibir manifestação contra Bolsonaro
O problema da decisão do ministro do TSE foi que ela levantou uma discussão desnecessária e prejudicial ao debate eleitoral
Com um simples clique na página do Lollapalooza, seria possível aos advogados do Partido Liberal verificarem que a empresa promotora do evento musical desse fim de semana era Time for Fun | CNPJ: 02.860.694/0001-62 - Avenida Brigadeiro Luis Antônio, 411 - São Paulo - SP - CEP: 01317-000, e não duas outras que até na Receita Federal estão inaptas.
Qualquer estagiário de direito sabe que saber exatamente os dados básicos de um possível réu na área comercial é saber o nome correto e o endereço registrado na Junta comercial.
Mas, ainda assim, os advogados do PL escreveram uma petição contra as empresas Lollapalooza Brasil Serviços de Internet Ltda e Latin Investment Solutions Participações Ltda. Entretanto, de acordo com a Receita Federal, essas empresas estão inaptas desde 2018 e 2019, respectivamente.
Não fosse a decisão de colaborar com o processo e defender a liberdade de expressão nos shows, certamente a oficial de justiça que procurava pelas empresas ainda hoje estaria sem entregar o mandado do ministro Raul Araújo, que atendeu o pedido da legenda.
Representantes da empresa não só receberam a oficial de Justiça Patrícia Sheifer como apresentaram recurso ao TSE, reforçando que as outras empresas não são organizadoras do festival e informando que estava se apresentando "espontaneamente" e de "boa-fé."
Num escritório de advogados, esse erro primário seria motivo de constrangimento. Mas ainda assim, a partir da petição assinada pela advogada Caroline Lacerda, uma das autoras do pedido do PL, o ministro do TSE entendeu que "a manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retardada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral".
O problema da decisão do ministro do TSE foi que ela levantou uma discussão desnecessária e prejudicial ao debate eleitoral e deixou em segundo plano um gesto de vários artistas em estimular que os jovens - boa parte ainda sem título de eleitor - se inscrevam para votar.
Quatro ou cinco artistas fizeram alguma manifestação contra Bolsonaro, mas a maioria pediu mesmo que os jovens decidissem votar em outubro.
Entretanto, a decisão do ministro Raul Araújo atendeu aos objetivos do PL de chamar atenção para um tema que parecia superado e cuja volta, num evento como o Lollapalooza, só ajuda a que nas redes sociais os adeptos do presidente elevem o volume de críticas.
Não faz sentido proibir esse tipo de manifestação em eventos públicos, seja a favor, seja contra o presidente. Imaginemos o volume de ações que entupiriam o TSE se o PT ou outro partido começar a reclamar das manifestações contra os demais partidos.
O ministro Araújo determinou que fica proibida "a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival", sob pena de multa de R$ 50.000,00 por ato de descumprimento.
De acordo com os jornalistas Lucas Mathias e Lucas Altino, do Blog Sonar, de O Globo, neste sábado, depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir manifestações políticas durante as apresentações do festival Lollapalooza, o tema dominou as redes sociais e chegou a ocupar cinco entre os dez assuntos mais comentados no Twitter.
As reações foram, em sua maioria, contrárias à decisão da Corte, que atendeu pedido feito pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, depois que a cantora Pablo Vittar levantou, durante seu show no evento, uma bandeira com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Hoje, a Associação Brasileira de Imprensa - ABI afirmou em nota que a decisão afronta as liberdades de expressão e de manifestação, garantidas pela Constituição, e representa um ato de censura, a qual foi extinta com o fim da ditadura militar.
"A ABI tem certeza que o plenário do TSE irá revogar esta liminar e rejeitar a ação antidemocrática, feita pelo Partido Liberal, restabelecendo o primado do direito à livre manifestação de pensamento, como deve ser num Estado Democrático de Direito", disse em nota.