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Coerente com comportamento em relação a fake news, Bolsonaro não poderia ser contra "camelódromo digital"

Para o presidente, taxar compras por aplicativos como Shopee, Aliexpress e Shein pode significar perda de apoio entre eleitores

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Fernando Castilho

Publicado em 21/05/2022 às 19:30 | Atualizado em 22/05/2022 às 14:23
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Num tweet na sua página oficial, neste sábado (21), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não “assinará nenhuma MP para taxar compras por aplicativos como Shopee, AliExpress, Shein, etc. como grande parte da mídia vem divulgando”.

Ele também indicou que “para possíveis irregularidades nesse serviço, ou outros, a saída deve ser a fiscalização, não o aumento de impostos.

O presidente não poderia ter sido mais coerente com o que pensa e o que pratica há quatro anos na Internet, território onde estimula a divulgação de narrativas e um embate sobre a confiabilidade nas urnas.

Por mais que isso tenha chocado a apoiadores como os empresários Luciano Hang (Havan) e Flávio Rocha (Riachuelo), Bolsonaro faria uma surpresa se acompanhasse o seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

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DESMENTINDO PAULO GUEDES

Há duas semanas, o ministro da Economia pediu um estudo sobre os impactos desse tipo de comércio na arrecadação do varejo, a partir de um relatório elaborado por consultorias para o Instituto de Desenvolvimento do Varejo, entidade que reúne 76 empresas varejistas que geram 830 mil empregos diretos com R$ 495 bilhões em vendas anuais.

Bolsonaro não o faria diferente, e não o fará, porque apesar do IDV ter informado a Guedes que o Brasil deixou de arrecadar R$ 460 e R$ 600 bilhões de tributos de empresas em 2020, e que o chamado cross-border já corresponde a 17% do varejo digital, o presidente só cuida de eleição.

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Esta semana, durante o evento da Arko Advice com o Traders Club, Paulo Guedes disse que o Governo queria uma regra do jogo que seja pelo menos igual pra todo mundo. Não pode um cara que está, claramente, fazendo fraude, que entra sem imposto, sem nada (…) É uma fraude porque ele falsifica.

Mas parece claro que Bolsonaro olhou mesmo para o dado fornecido pelo próprio estudo dos varejistas que diz que o camelódromo digital foi praticado sob a forma de 47 bilhões de pequenos pedidos, em 2020, tendo um crescimento de 52%, sobre 2019.

Como gestor de milhões de contas de grupos na internet, o presidente viu nesses 47 bilhões de pedidos feitos a partir de CPF possíveis milhões de números de títulos de eleitor, que numa eventual tributação, poderiam deixar de apoiá-lo na campanha de reeleição.

ERRO NA AVALIAÇÃO DOS EMPRESÁRIOS

Talvez o maior equívoco tenha sido mesmo dos líderes empresariais, acreditando que a informação de que uma colossal perda de quase meio bilhão de reais em impostos que empresas como as que o próprio presidente citou o sensibilizaria para a adoção de mínimas medidas práticas para combater a sonegação. O presidente não está interessado nisso.

O presidente, aparentemente, sente-se mais atraído pelo fato de que essas empresas estão se aproveitando de uma brecha na legislação que dá isenção do ICMS-Importação de remessa postal até US$ 50,00, avenida pela qual as plataformas estão se aproveitando para mandar milhões que encomendas para o Brasil e pela possibilidade de não se cobrar imposto se a venda for feita entre pessoas, ou seja, usando CPFs.

O QUE É CROSS-BORDER?

A estrutura de negócios que o mercado chama de cross-border funciona assim: um site fora do Brasil vende um produto para importação por um consumidor brasileiro e no despacho, coloca o valor da mercadoria, em dólar, menor de US$ 50 ou até R$ 250.

Esse tipo de descaminho já é conhecido pela Receita Federal em importações de empresas chinesas que enviavam contêineres de produtos com valor pequeno nas notas fiscais e conhecimentos de importação.

A novidade do cross-border é que ele manda um contêiner com milhares de pacotes de valor menor. Por exemplo, um pedido de quatro pneus, cada um custando menos de R$ 250,00, ou um telefone celular top de linha já com o destinatário final.

Para a Receita Federal e para os Correios, por exemplo, essa é uma compra que se beneficia do Convênio ICMS 18/1995. E como são milhões de pacotes, a conferência se torna impossível.

No caso das empresas nacionais, o esquema é trocar o CNPJ por um CPF, aproveitando-se da legislação que permite não se cobrar ICMS entre pessoas. Mesmo que por trás do CPF exista, na verdade, uma empresa escondida.

O problema de empresa como as que o presidente citou é que, além dos impostos não pagos, não existe garantia de que o que o consumidor comprou é o que está sendo entregue.

EMBATE COM GOVERNADORES

Setores como vestuário e calçados, do qual faz parte Flávio Rocha, por exemplo, estimam que houve uma perda fiscal de R$ 66 bilhões em 2020. O de eletro, celulares e brinquedos, onde atua Luciano Hang, R$ 33 bilhões. Hang e Rocha foram os que, aproveitando-se da proximidade com o presidente, pediram uma nova legislação.

Estimativas do setor de varejo apontam que o cross-border já tenha 17% do varejo digital, alguma coisa próxima de R$ 36 bilhões em 2021. Em relação a 2020, houve um aumento de 60% no faturamento. E como a expectativa para 2022 é que as vendas online cresçam 12%, eles vão ficar com pelo menos um quinto disso.

É importante observar que esse pode ser mais um embate do presidente com os governadores, com quem já trava uma briga pelo ICMS dos combustíveis.

Tentando se proteger disso, vários Estados aderiram ao convênio, aplicando a alíquota modal nos produtos que tinham isenção para o ICMS-Importação de remessa postal até US$ 50,00. E o Consefaz, que reúne os secretários de Fazenda, já está estudando mais medidas restritivas. Se elas acontecerem, o presidente certamente vai responsabilizar os governadores.

Os estados querem criar a figura do substituto tributário para as plataformas digitais em relação ao recolhimento dos portais de agregação de vendedores (sellers) nas operações nacionais.

Também querem que seja imputada responsabilidade para as plataformas digitais quando ocorrer comercialização de mercadorias sem notas fiscais ou contrabandeadas. E que as plataformas digitais (como as citadas pelo presidente no seu Twitter) exijam o cadastramento de lojistas digitais por meio de documentação regular do Fisco e junta comercial nas operações nacionais.

Tudo isso para o discurso do presidente é bom no embate com os governadores, e tem aderência na sua base de apoiadores. Talvez essa tenha sido uma conta que os empresários não tenham feito quando, com ajuda de Paulo Guedes, se propuseram começar a taxar quem hoje não recolhe os impostos de empresas que fingem ser pessoa física para vender mais barato e não pagar impostos.

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