Governo do Estado abre mão de metade da receita de Suape para Tecon ter concorrência com cliente dele mesmo
Suape quer receber numa área do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) um Terminal de Uso Privativo (TUP) que não recolhe receitas de arrendamento ao porto
Pela realização de um sonho acalentado, desde o primeiro governo Eduardo Campos, o Complexo Portuário de Suape está disposto a abrir mão de parte da receita que obtém com o contrato do Tecon Suape, desde 2001, para receber numa área do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) um Terminal de Uso Privativo (TUP) que, pela condição de ser privado, não recolhe receitas de arrendamento ao porto.
No ano passado, o Tecon Suape recolheu mais de 80% dos R$ 184,15 milhões como taxas de arrendamento dentro da área do porto, além de parte das taxas portuárias de R$ 105,34 milhões. O Tecon Suape é responsável pelas operações do Terminal de Contêineres desde 2001 e vem sendo cobrado pelos governadores do PSB por não operar mais de 500 mil cofres de cargas ano.
Na verdade, pelo contrato do Suape com a filipina ICTSI existem dois gatilhos que liberam o Estado para uma nova licitação de um segundo Tecon. Um, a partir de 15 anos do contrato, ou seja, aconteceu em 2016, portanto há seis anos. E a segunda quando o Tecon Suape atingisse 400 mil contêineres/ano, o que aconteceu há quase 12 anos.
Apesar disso, o Governo de Pernambuco não lançou até hoje uma nova licitação, mesmo que as condições para ele estejam criadas.
FATO NOVO NO EAS
No ano passado, porém, com a informação de que o EAS desejava desfazer-se de parte de sua área vendendo áreas poligonal para outro empreendedor que não fosse um estaleiro, o Governo do Estado iniciou conversas com a armadora Maersk - que atualmente detém 65% da movimentação de contêineres no Tecom Suape - para ela se habilitar a compra de uma parte do terreno do EAS e ali construir um Terminal de Uso Privativo (TUP) usando dois cais que pertencem ao EAS.
O problema está no fato de que, ao se interessar, a Maersk introduziu na sua proposta junto a 14ª Vara do Cabo (onde corre o processo de Recuperação Judicial do EAS) uma figura do direito inglês chamada de Stalking Horse onde passa a ter prioridade total sobre os demais concorrentes que, por ventura, se habitarem a mesma gleba.
Não há informações de que a figura do Stalking Horse já tenha sido usada no Brasil, prevalecendo a tese consagrada de que num leilão, todos participam de forma igualitária.
No certame proposto, a Maersk tem entre outros direitos o de aumentar sua proposta financeira depois do conhecimento dos demais concorrentes, o que a torna quase imbatível no leilão.
O que chama a atenção do processo é a presença e a defesa do Complexo Portuário de Suape para o leilão e a construção de um TUP pela Maesrek com o argumento de que assim haveria competição.
IGUAL A BOLSONARO
Isso de fato poderia acontecer. Ate porque o Tecon Suape cobra mesmo as maiores tarifas aos armadores. Mas a atitude do Governo de Pernambuco em relação ao Tecon Suape é semelhante a do presidente Jair Bolsonaro em relação à Petrobras. Recebe a maior parte dos dividendos e royalties, mas quer sua privatização acusando-a de atuar contra os consumidores.
O Complexo Portuário de Suape tem feito seus investimentos ao longo de anos com as taxas do Tecon Suape. Mas quer um novo Tecon para concorrer com ele ainda isso possa significar perder metade de sua receita.
A tramitação do processo do EAS já está no radar de várias instituições e escritórios de advocacia no Brasil pela inusitada proposta do Stalking Horse.
Tecnicamente, o EAS está lutando para sair da sua RJ e vem trabalhando na volta de atividades para se recuperar. Entretanto, com dívidas de mais de R$ 1 bilhão precisa se desfazer de ativos.
Embora nenhuma das partes evolvidas no problema (EAS, Tecono Suape e Maersk) tenha vindo a público defender seus pontos de vista, o Governo através do presidente de Suape, Roberto Gusmão se antecipou na defesa de um novo Tecon para Suape.
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POSIÇÃO DO GOVERNO
O presidente do porto de Suape, Roberto Gusmão, em entrevista exclusiva ao Blog de Jamildo, nesta terça-feira, comemorou o leilão de áreas internas do Estaleiro Atlântico Sul, onde uma das maiores empresas de navegação do mundo (Maersk) planeja montar um Terminal de Contêineres Privativo.
Ele disse que a gestão estadual não trabalha com a possibilidade de retomada da integralidade das atividades do EAS e, assim, a venda de parte das áreas pode ajudar a atrair novos negócios para o porto. E disse que, o que está sendo vendido agora. não atrapalha o estaleiro, no reparo de navios.
Ainda, segundo Gusmão, o fato de o BNDES, maior credor do estaleiro, exigir que eles façam a desmobilização de capital, para pagar parte das dívidas com os credores. E reconheceu sua participação nas negociações, afirmando que o Governo de Pernambuco vai brigar (junto à Antaq), com o Tecon Suape, para dar reequilíbrio ao atual contrato de modo que eles possam competir. “Do contrário seria tirar um monopólio para colocar outro”, disse.
Sua tese é que esta nova área (fora do porto organizado como um TUP) ou que no leilão o próprio Tecon Suape vença a licitação pela área, abriria espaço para o Governo fazer uma nova licitação para o atual Tecon.
PONTOS QUESTIONAVÉIS
Apesar do otimismo de Roberto Gusmão, profissionais próximos ao mercado portuário no Brasil mostram-se preocupados com o desenvolvimento da proposta da Maersk, além da própria idéia de realizar, no Brasil, uma venda de uma área usando o instrumento da Stalking Horse.
Existem questões básicas como a venda no passado pelo Governo Jarbas Vasconcelos . Em 2008, já no Governo Eduardo Campos, ela foi condicionada que o terreno do EAS (numa poligonal apartada do porto organizado) fosse definida para ser um estaleiro. O Estado então teria que mudar essa condição acrescentando novas funcionalidades.
Outra questão é como ficaria o próprio projeto do Tecon II que o Governo defende desde 2007 e para o qual já existe uma área e parâmetros legais e ambientais definidos.
Também existe a questão do próprio reequilíbrio do contrato do Tecon Suape. Hoje, a ICTSI opera com uma liminar que lhe permite cobrar os mesmo preços dos primeiros 20 anos quando, por contrato, deveria dobrar o que recolhe ao Governo.
O argumento da ICTSI é que se tiver que pagar o que manda o contrato assinado com o Governo de Pernambuco em 2001, suas tarifas tirariam o Tecon do Mercado onde já lidera em termos de custos cobrados aos clientes.
Finalmente, existe a preocupação sobre como atuarão os órgãos de controle como a própria Antaq, o TCE, Secretaria do Patrimônio da União, Secretaria Nacional dos Portos, MPPE e MPF com as mudanças que a solução que permitiria a entrada da Maersk em Pernambuco.