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Liberal de fachada, Governo Bolsonaro critica lucro de estatal, pede CPI e quer mudança para piorar governança

É uma situação inusitada. Um governo liberal cujo ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, critica no Congresso os lucros da empresa frente às suas concorrentes

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Fernando Castilho

Publicado em 21/06/2022 às 12:45 | Atualizado em 21/06/2022 às 13:26
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O governo Bolsonaro é realmente muito peculiar. Oficialmente, ele se declara liberal; o seu ministro da Economia, Paulo Guedes é reconhecido como um defensor das ideias da Escola de Chicago (EUA) e defensor radical do corte de impostos e redução do tamanho do Estado.

Mas a disparada dos preços do petróleo no mercado internacional em 2021, que fez disparar os preços dos combustíveis - com forte impacto da inflação - foi suficiente para que toda a base acadêmica liberal fosse para o espaço.

Nas últimas semanas, o Governo passou a criticar os lucros de sua empresa estatal, defender uma CPI (aliás, um instrumento de oposição e das minorias) para investigar os seus lucros e admitir que seja revista a legislação das estatais que aperfeiçoaram a governança da empresa, tornando-a imune às interferências políticas. A mesma fragilidade que no passado a levaram a perder bilhões após um ataque descoberto na Operação Lava Jato.

É uma situação inusitada. Um governo liberal cujo ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, critica no Congresso os lucros da empresa frente às suas concorrentes.

Nesta manhã, numa audiência na Câmara Federal, Sachsida se queixou da empresa, afirmando que ela está pagando bem mais dividendos que as suas concorrentes. Ele também se queixou do lucro da empresa. E disse aos deputados que a empresa está distribuindo lucros razoáveis aos seus acionistas. E disse que ela foi a empresa petrolífera que teve o maior lucro líquido no último trimestre.

Seria razoável que Adolfo Sachsida informasse que a maior parte dos dividendos fossem pagos ao próprio Governo que ele representa. Mas o ministro não fez nenhuma observação ao fato de que, hoje (21), a União está recebendo R$ 8,8 bilhões.

O comportamento do ministro é mais curioso ainda quando se observa o tom em que ele falou. Como a empresa foi capaz de reduzir o seu endividamento de US$ 160 bilhões, em 2015, para apenas US$ 60 bilhões em 2021. Adolfo Sachsida falou disso sem elogiar a companhia por uma redução equivalente a um Plano Marshal depois da II Guerra Mundial, que citou como elemento de comparação.

O ministro defendeu-se da incapacidade do governo não poder interferir nos preços dos combustíveis, se queixando da legislação.

É um caso bem inusitado, onde um servidor de carreira critica a legislação que protege uma estatal de atuar contra o investidor institucional, que é o Governo - que ele representa - do qual é integrante como servidor público.

O ministro Sachsida também defendeu mudança na legislação de partilha dos lucros da União com a venda das participações do Governo nas receitas futuras.

Na prática, o Governo Bolsonaro está propondo vender os contratos que, até 2030, vão trazer para a União US$ 220 bilhões. Ou seja, deseja antecipar (com desconto) um recebível de petróleo certo e precificado em dólar.

Mas Adolfo Sachsida não fala por si. O presidente Jair Bolsonaro defende e articula uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Federal para investigar a Petrobras.

CPI, como se sabe, é um instrumento das minorias nos parlamentos. Não existe isso de governo defender CPI. Aliás, governo usa sua força para impedir CPI.

Mas no governo Bolsonaro, uma CPI da Petrobras será proposta pela maioria governista!

O problema é que, assim como esconde que é o maior beneficiado da performance da Petrobras, o Governo Bolsonaro também tem um comportamento errático na gestão da crise dos combustíveis pelo impacto que isso pode provocar nas intenções de votos dos eleitores em 2 de outubro.

Parece claro, segundo as pesquisas, que, de fato, os aumentos dos combustíveis prejudicam a imagem do Governo. Mas até agora, ele não se mostrou disposto a abrir mão de R$ 1 do que recebe de dividendos e participações especiais.

É o mesmo presidente que, no governo, embolsou até agora mais de R$ 400 bilhões na sua estatal e que se revela adversário da empresa a ponto de querer prejudicar seus resultados em função da próxima eleição. Mesmo que ela seja sua maior contribuinte.

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