
Depois de Celso Furtado - que a implantou e dirigiu entre 1959 e 1964, Walfrido Salmito Filho - que dirigiu entre 1978 e 1984 – é certamente o nome que mais personificou a atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) entre os 32 executivos da autarquia.
Salmito virou sinônimo de Sudene, não porque tivesse apoio de algum ou alguns líderes políticos do Nordeste, ou dos generais que comandaram o país, mas pela enorme capacidade de articulação junto a classe política e empresarial e pela seriedade, transparência e caráter necessário ao profissional que decide ser servidor publico e fazer de uma carreia de Estado a razão de sua careira profissional. Salmito era esse profissional. Ele era casado com Adeilda Rigaud Salmito, com quem teve três filhos.
Segundo o empresário João Carlos Paes Mendonça, presidente do Grupo JCPM, Walfrido Salmito foi um grande amigo, pessoa correta, cordial, e que desempenhou importantes papéis no desenvolvimento econômico da região, como superintendente da Sudene e no Banco do Nordeste. “Tinha por ele grande estima e vou seguir admirando sua trajetória”.
Ele faleceu nesta terça-feira (20), aos 88 anos, sem se afastar um milímetro do sonho de ver o Nordeste como uma região melhor e tão engajado com temas como sustentabilidade, governança, transparência e visão de futuro, em moda hoje quando se fala de ESG, a sigla para Environmental, Social and Governance (que é traduzida como Ambiental, Social e Governança) - criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que virou o xodó de centenas de empresas, algumas delas mais envolvidas em práticas de "greenwashing" ou Lavagem Verde, que é a distorção de conceitos e abordagens em relação ao ESG.

Salmito falava disso com conceitos simples quando defendia que se o Nordeste quisesse ser respeitado tinha que ter boas práticas empresariais e respeitar seus empregados e o meio ambiente. Embora muito dos empresários só procurassem a Sudene para se beneficiarem do Sistema de Incentivos Fiscais do Finor.
Para a economista e também ex-superintendente da Sudene Tânia Bacelar, Walfrido Salmito Filho foi servidor público que colocava seus conhecimentos e sua habilidade de negociação a serviço do desenvolvimento do Nordeste. Pessoa íntegra, humana e sensível sabia enfrentar com lucidez os desafios que lhes eram colocados. Uma referência!
E parte do trabalho de Salmito era mesmo de “reduzir os danos” que esse tipo de gente poderia fazer, sempre com uma gentileza que fazia um sujeito sair da sala fumando pelo fundo das calças feito ferro de engomar a carvão.
Salmito Filho era natural de São Benedito, foi superintendente da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) por seis anos (1978-1984) e diretor do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
Ele foi o grande responsável pela criação do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) na Constituinte de 1988, movimentando a bancada do Nordeste para o tema, e depois assessor do Ministério do Interior em programas de desenvolvimento do Nordeste, em 1990.
Uma das coisas que pouca gente sabe é que Walfrido Salmito era um grande contador de histórias de gente do Sertão nordestino, o que lhe dava argumentos sérios quando políticos de outras regiões chegavam com propostas definitivas sobre como devia ser o desenvolvimento do Nordeste.
Talvez pela experiência do curso de filosofia no Seminário de Olinda, ainda jovem ele ouvia e explicava que o que o sujeito estava dizendo era uma grande bobagem, de um jeito tão próprio que o interlocutor saía da sala achando que deveria ter ficado calado.
Claro que o conhecimento de Nordeste, da seca do Ceará e das dificuldades de se produzir no Semiárido ajudava muito.
Salmito sabia muito bem o que era macambira, xique-xique e alastrado - cactos que na seca braba serviam de alimento para o gado e para gente. Fala do bioma com profundo conhecimento de causa porque havia convivido com ele.
E quando se aboletou nos corredores da Constituinte, o presidente Ulysses Guimaraes recorria a ele quando o tema era Nordeste. Talvez dentro da Constituição de 1988 existam artigos que foram escritos por ele e que pela modéstia nunca reivindicou nem para si nem para Sudene.
Isso fazia parte de sua personalidade e compromisso com a Região.
O que dava credibilidade ao que Salmito dizia era sua convicção. Talvez pelo fato de ter ser formado em filosofia no Seminário São Francisco em Olinda (PE) de onde foi fazer o Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1957 já perfeitamente alinhado com as ideias de Furtado, então o ministro sem pasta do Nordeste, cuja admiração se tornou recíproca como, aliás era recíproca a amizade e admiração por ele ao professor e consultor Leonardo Guimarães Neto, que nos deixou este mês.
Como Leonardo Guimarães, Salmito foi, certamente, uma das pessoas que melhor acompanhou a trajetória de desenvolvimento da chamada tecnologia de planejamento, quando o economista Celso Furtado (então superintendente da Sudene) começou a implantar no Nordeste na década de 60 a ciência, que legou a estruturação de todas as secretarias de planejamento dos estados da Região.
Funcionário de carreira do BNB em 1972 ele se tornou diretor do departamento de indústria da Sudene, cargo no qual permaneceu até 1974. Nesse ano, afastou-se da autarquia, assumindo a diretoria do departamento rural e cooperativo do BNB. Até que em 1978 tornou-se membro do Conselho de Administração do BNB quando retornou à Sudene, nomeado superintendente do órgão, em substituição a José Lins de Albuquerque.
Pouca gente sabe, mas a nomeação de Salmito — que iniciara sua carreira na Sudene ainda nos tempos de Celso Furtado, o fundador e primeiro superintendente da autarquia, nos anos de 1959 e 1960 — quebrou um tabu que se instaurara desde a saída deste economista do órgão, quando foi cassado pelo regime militar: a nomeação de militares e técnicos de outras áreas, que evitassem a retomada das “ideias” de Furtado.
E ele, recém-empossado chegou inclusive a convidar o economista para contribuir com suas ideias junto à equipe do órgão. Furtado virou uma espécie de consultor de luxo de Salmito.
Para ele, "a política de desenvolvimento regional iniciada com Celso Furtado transformou-se em aspiração permanente de toda a sociedade e em estímulo para os governos estaduais e para o empresariado da região".
Para o ex-superintendente, a introdução do planejamento para o desenvolvimento econômico, a partir do advento da Sudene, foi fundamental para estimular a evolução institucional dos governos estaduais e municipais da região, bem como para "complementar e reforçar os orçamentos dos ministérios a fim de acelerar a realização de obras prioritárias de infraestrutura no Nordeste".

Ele dizia que um ponto fundamenta foi a promulgação da Lei nº 3995/1961, que aprovou o Plano Diretor da Sudene, "criando o incentivo financeiro para o setor industrial do Nordeste, instrumento indispensável de capitalização do empresariado da região e motivação para a expansão industrial".
Certa vez, ele admitiu que ao ser empossado, teve preocupação com o momento de abertura política e democrática que se instaurara no país e suas repercussões no Nordeste.
Ele temia “o surgimento de lideranças mal inspiradas e que possam acirrar as massas desempregadas, levando-as a uma exacerbação de descontentamento maior que a de antes da Revolução, uma vez que se identifique um agravamento das disparidades entre os estágios de desenvolvimento em que vivem o Centro-Sul e o Nordeste”.
Ele saiu da Sudene, foi para o Ministério do Interior e não se furtou a retornar à Sudene como superintendente adjunto até se aposentar em maio de 1991, quando foi reintegrado aos quadros do BNB, na condição de assessor do gabinete do presidente da instituição.
Foi seu último gesto de compromisso com a instituição.
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