Um das mais engraçadas histórias do anedotário político do Nordeste conta a atitude de um chefe político que recebe, numa sexta-feira à noite, a visita de um cunhado folgado que chegou sem avisar com a família para passar o final de semana na fazenda. Acostumado a acordar cedo, o dono da casa deparou-se, às seis da manhã, com o irmão da mulher de cuecas mexendo da mesa do café da manhã. Ele voltou para o quarto e entrou na sala de jantar nu para espanto da mulher assustada com a cena. “É para ficar bem claro quem é o dono da casa!”
Escolhido ministro da Defesa, o pernambucano José Múcio Monteiro aposta na teoria do exemplo do chefe para distensionar o ambiente militar que, na sua avaliação, foi crescendo na medida em que o próprio Jair Bolsonaro se tornou a referência de atos de indisciplina.
Faz sentido. Quando o presidente começou sua jornada de embates com o Judiciário; de desrespeito à legislação existente e afronta a diversos segmentos. E quando começou a escrever uma “nova” legislação que, na prática, ia de encontro a tradicional disciplina militar, abriu uma avenida de possibilidades de que seus subordinados se sentissem encorajados a, também, começarem a praticar pequenas transgressões já que não havia a determinação do comandante em chefe de respeito absoluto à tradição militar.
E mesmo quando interveio, pessoalmente, na questão da compra de vacinas, em 2020, levando ao constrangedor episódio o provocado pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazzuello com a frase “É simples assim, senhores: um manda o outro obedece”, Bolsonaro estava subvertendo um preceito da tropa cuja filosofia preserva a dignidade do soldado a qualquer custo.
Em outra oportunidade, o presidente invalidou decretos sobre o controle de armas, via WhatsApp. Mais uma vez constrangeu o estamento militar que, como se sabe, não escreve uma linha de norma pública e privada sem avaliar cuidadosamente suas consequências para a tropa e a sociedade.
Existe na Imprensa dezenas de casos de intervenção direta do presidente nos últimos quatro anos passando por cima da filosofia da tropa que, exatamente pelo respeito a hierarquia, não o contestou publicamente embora fizesse chegar a ele essa situação perturbadora no Alto Comando.
O problema dessas intervenções erráticas do presidente foi que dezenas de soldados, cabos e suboficiais se sentiram estimulados a, também, cometer “pequenos delitos” nas bordas do regimento militar sem que fossem punidos pelos superiores com rigor.
O ministro José Múcio viu, ouviu e recebeu essas demandas dos militares com quem conversou e cunhou uma frase simples para encaminhar a questão: Vale o que manda o regimento. Da a escolha do comandante ao comportamento do praça.
Ele aposta que, a partir de janeiro, quando isso ficar bem claro na tropa, o arroubo da maior parte dos que se “atreveram” a aparecer defendendo o comportamento de Bolsonaro tende arrefecer já que todos saberão que haverá “custo social” provocado pela disciplina da caserna.
Claro que haverá gente disposta a confrontar e, é claro, que vai ter gente “punida exemplarmente”. Como manda o regimento.
Embora não tenha explicitado isso, com essa crueza, José Múcio sabe que nada é mais importante para oficial militar que a sua biografia. Vai do orgulho dos filhos e da esposa à sua participação nas missões que lhe foram dadas e cumpridas ao longo da carreira perante à tropa. Nenhum deles quer passar a vergonha de ser expulso da tropa ou ser reformado depois de um IPM.
No fundo, o que parece claro ao ministro da Defesa é que a única ordem que ele deu aos novos comandantes é a de que sigam rigorosamente o regimento. Além da garantia de que nem o ministro e nem o presidente vão interferir pelas redes sociais.
Se a teoria do ministro estiver certa, a própria mudança de comando já vai esfriar o clima dos que estão na frente dos quartéis. Embora isso possa ser mesmo um momento de grande frustração e até desespero de alguns.
Mas como na fazenda do chefe político, os gestos falam por si para dizer quem (agora) está no comando.
Até porque depois de dezenas de anos de convivência e aprendizado de geopolítica global com as mais modernas forças armadas internacionais, a última coisa que um general brasileiro deseja ser comparado aos aventureiros da republiquetas da América Latina.
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