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Sonho do Nordeste de ser polo de hidrogênio esbarra na falta de linhas de transmissão da energia verde

Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) negou Parecer de Acesso para as empresas que querem produzir H2V por falta de capacidade no sistema no NE.

Por Fernando Castilho Publicado em 23/03/2025 às 0:05 | Atualizado em 24/03/2025 às 17:05

Nos primeiros meses de 2025, uma dúvida começou a perturbar empresários, investidores e governadores do Nordeste sobre uma questão central sobre os projetos vem desenhando para a Região focados no aproveitamento em novos produtos da energia gerada nos estados em dezenas de parque solares e eólicos: obter o parecer de acesso ao Sistema Integrado Nacional que cuida da distribuição de energia elétrica no Brasil.

O problema ficou visível quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) negou o documento ao projeto da gigante Fortescue que deseja produzir hidrogênio verde no uma do Porto de Pecém (CE), onde já avançou passos importantes onde adquiriu áreas para sua planta. Na semana passada, o CEO da Fortescue Brasil, Luiz Viga, revelou o problema que o impede de avançar no projeto.

Gerar e transmitir

Para quem não está familiarizado com a questão é importante saber que o movimento dos órgãos do governo representa um desafio a governadores e empresários que produzem energia no Nordeste que atualmente têm como negócio a produção e transmissão de energia limpa excedente para as regiões Sul e Sudeste.

A proximidade das fontes de geração e as perspectivas de negócios como produção de hidrogênio, o abrigo de Data Centers e complexo de produção de fertilizantes a partir de amônia todos altamente demandantes de energia foi o que fez os governadores começarem a trabalhar na captação de empreendimento que usem a energia excedente em plantas localizadas na região.

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Nordeste precisa de novas linhas de Transmissão Nordeste. - Divulgação

Sem as linhas

Os problemas começaram quando eles descobriram que não têm as linhas de transmissão para entregar nos pontos de consumo toda a energia necessária. E também que o governo através de seus órgão de controle incluindo o ministério das Minas e Energia, ONS, Aneel, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que faz os estudos de longo prazo não estão considerando promover leilões de projetos de linhas de transmissão que liguem esses possíveis empreendimentos.

O caso da Fortescue é o que ilustra essa situação. Mas não é o único. Outros estados já sabem que, sem novas linhas de transmissão, o destino da energia limpa gerada na região será o Sul e Sudeste. Que aliás não está tão garantido como no passado.

Recorde de produção

Do ponto de vista ambiental é muito charmoso o ONS dizer no Jornal Nacional que o Nordeste atingiu um novo recorde de energia solar e eólica. Mas o que ele não diz é que, a cada dia, está mais rigoroso para colocar essa energia no Sistema Interligado Nacional.

Nos últimos 10 anos vem comemorando a implantação de dezenas de parques no interior e litoral do Nordeste. Dados da Sudene revelam que entre 2013 e 2024 ao menos 70 empreendimentos foram aprovados com investimentos de R$14,06 bilhões com R$6,88 bilhões vindos do FDNE.

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Hugo Queiroz, superintendente do BNB em Pernambuco. - Divulgação

Dinheiro do FNE

O Banco do Nordeste também ajudou muito com R$40,9 bilhões entre 2018 e 2024, mas apenas R$7,97 bilhões do FNE, segundo o superintendente regional da instituição Hugo Queiroz.

Ele acredita que o banco estará presente nos novos projetos de linha de transmissão decorrentes dos dois leilões promovidos pela Aneel em 2024 onde o Nordeste foi contemplado para linhas que vão suportar a produção já existente.

Planejamento

O ex-presidente da EPE e atual consultor de vários grupos do segmento de produção e energia limpa no Brasil, Reive Barros, esclarece que é comum que o Governo, através de seus órgãos, não siga adiante na autorização de leilões de novas linhas.

“Essa é uma nova realidade no setor elétrico", diz Reive Barros. Antes das renováveis era mais simples fazer os planos decenais porque as aplicações da energia a ser usada para a produção estavam ajustadas às necessidades industriais daquele momento, E que não são as atuais cuja demanda está surgindo ou pretendida muita rápido para novos produtos. E sempre é importante lembrar que linhas são empreendimentos que quando são bem geridos levam cinco anos, diz o consultor.

Faz sentido. Nos últimos quatro anos, estados como o Ceará assinaram memorandos de entendimento que demandam o consumo de tanta energia que exigiram tinhas de transmissão de 30 GW.

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Reive Barros, diretor da Acropólis Energia e coordenador do evento, - Divulgação

Piauí se coloca

Nos últimos dois, o Piauí adotou a mesma estratégia agressiva de captação de projetos para uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) próxima ao porto de Luís Correia onde o Governador, Rafael Fontelles sonha com um polo de produção de H2V de capacidade de geração de 3 GW por ano e amônia. Bahia e Sergipe têm as mesmas ambições.

Mas o desafio é adequar o tempo do projeto às concessões das linhas de transmissões da 500 KV. E como revelou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no caso da Fortescue Brasil, no Ceará não existe margem para transmitir tanta energia para os projetos de H2V. Embora o sistema possa suportar a transmissão para o Sul e Sudeste.

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O governador do Piauí, Rafael Fonteles. - Divulgação

Parecer de Acesso

A condição de capacidade de transmissão no Ceará explica a negação do Parecer de Acesso a projetos como o Fortescue que reafirma interesse em suas plantas no estado. Mas reconhecendo que tem um desafio pela frente.

Pernambuco foca em atuação discreta

No meio dessa briga por linha de transmissão para levar energia a megaprojetos dos de H2V e Data Center e produção de amônia que demandam quantidades astronômicas de energia e consequentemente linhas de transmissão, Pernambuco tem destoa do otimismo regional e do discurso dos governadores de que o Nordeste não pode se contentar apenas em produzir energia e vender para as regiões mais ricas.

O estado, segundo dados a EPE é um dos poucos que tem, de fato, capacidade de suportar novos projetos que demandem consumo de até 3 GW o que o torna diferenciado e mais competitivo como está no Relatório de Avaliação Prospectiva das Capacidades da Rede de Transmissão do Nordeste para Conexão de Cargas de Grande Porte: Plantas de Produção de Hidrogênio.

Miva Filho
governadora Raquel Lyra com o CEO da European Energy Jens-Peter Zink, - Miva Filho

Melhor capacidade

A capacidade de receber projetos eletrointensivos é outro diferencial de Suape. A Subestação Suape II, que opera em 500/230 kV, possui uma margem de conexão de 3.000 MW para novos empreendimentos, a maior disponível no Nordeste. Tecnicamente, isso quer dizer que o estado assegura a conexão de grandes projetos industriais e energéticos, como os de produção de hidrogênio verde e seus derivados.

A aprovação da Nota Técnica no 60/2024 da EPE/MME virou um pesadelo para os governadores porque apresenta margem de conexão em outras subestações no Nordeste. O problema é que com as ressalvas que faz das respectivas margens e considera sobrecargas preexistentes que fazem com que as margens sejam nulas para esses outros pontos de conexão em vários estados.

Subestação de Suape

E essa avaliação, a conexão disponível em Suape II independente de obras para solucionar restrições pré-existentes de transmissão que a governadora Raquel Lyra vem orientando as equipes.

No ano passado, ele recebeu a confirmação do projeto de e-metanol da gigante dinamarquesa European Energy que vai investir R$ 2 bilhões num projeto de produção de e-metanol, novo combustível que os supernavios da gigante - também Dinamarquesa - Maersk está lançando ao mar e que, em breve, devem ser abastecidos no TUP que a empresa está fazendo no Complexo Portuário de Suape.

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Nova planta Power-to-X de e-metanol da European Energy em Kassø, na Dinamarca - Divulgação

H2V como insumo

Curiosamente na planta , a produção de hidrogênio verde é insumo para fazer e-metanol que recebera gás carbônico de unidades de álcool locais que têm esse insumo na produção de açúcar e álcool.

A European Energy fez questão de pedir a Suape, um terreno com outorga onerosa. Ou seja, a multinacional não pediu a doação da área de 10 hectares da futura planta, aliás uma planta que espelha uma outra igual que começou a produzir e-metanol no último dia 21 na sua nova planta Power-to-X de Kassø, na Dinamarca.

Terminal verde

A confirmação do projeto de e-metanol animou a governadora a desenvolver o que chamou de plano do Hub Suape de Transição Energética, que inclui a construção do Cais 7 para ser o primeiro terminal brasileiro dedicado à movimentação de combustíveis sustentáveis.

A discreta atitude de Raquel Lyra nessa área, de fato, contrasta com as de seus colegas na Região. Nem mesmo do projeto do TecHub de Transição Energética, fruto da parceria entre o SENAI Pernambuco e o Porto de Suape, com apoio de grandes empresas como a CTG Brasil, aquela do mega transformador que movimentou as redes sociais na semana passada.

Centro de pesquisa

O centro de pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia já recebeu investimentos de R$100 milhões (e deve receber mais de R$200 milhões) e deve ser inaugurado em junho. Ele tem como missão acelerar a inovação em soluções energéticas sustentáveis, com foco na produção, armazenamento e uso de hidrogênio verde, funcionando como uma fábrica de plantas piloto dentro da área do Complexo de Suape.

Mas a governadora, assim como seus demais colegas, também vem sofrendo com o problema do ONS que decidiu ser extremamente rigoroso na recepção de energia de fontes como solar e eólica que são intermitentes, o chamado curtailment de geração.

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Ocorrencia de curtailment nas usinas do Nordeste. - Divulgação

Fator curtailment

Pernambuco através do professor e hoje empresário Everaldo Feitosa foi pioneiro na pesquisa de energia eólica. Mesmo antes do ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates fazer do Rio Grande do Norte o maior produtor regional. Feitosa virou um grande produtor de energia e assim como vários empresários sofre com as exigências da ONS para que a energia limpa entre no SIN.

Em março de 2023, um apagão que começou na entrada de uma carga de eólica nas subestações da Chesf e da Enel, em Sobral, Fortaleza e Quixadá derrubou o sistema por horas, assustando o governo com o fantasma do apagão. Desde então, surgiu a figura curtailment que assusta empresários e investidores porque o ONS não despacha todo a energia limpa produzida.

Acesso mais difícil

Essa é uma briga que segundo as associações de eólica e solar fez as empresas deixarem de gerar R$2 bilhões, o que compromete os investimentos.

Isso só faz o MME e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) serem mais rigorosos nos projetos de linha de transmissão a ponto de o ministro das minas e energia, Alexandre Silva, dizer que os possíveis consumidores de grandes blocos de energia terão de provar que vão usar a energia de seus projetos no Nordeste.

No Recife, na último dia 17, ao conhecer o projeto TecHub de Transição Energética, o ministro disse que que os dois leilões realizados em 2024 contemplam a futura demanda na Região. O que para quem sonha levar energia para fazer H2V e alimentar Data Center é um pesadelo.

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