Arte dos bicicletários: estímulo ao uso da bike para a folia, mas nenhum alerta sobre o risco de beber e pedalar
É maravilhosa a descoberta da bicicleta pelo recifense e moradores da Região Metropolitana, sentimento alimentado pela decisão política da prefeitura da capital de implantar ciclofaixas pela cidade, mesmo que móveis e apenas aos domingos e feriados. Além de levar uma multidão às ruas para viver a cidade, é uma atitude simbólica, que vai disseminando uma relação mais harmoniosa entre motoristas de carros, de ônibus, pedestres e ciclistas. Vamos aprendendo a conviver melhor uns com os outros. E o Blog De Olho no Trânsito, assim como o Jornal do Commercio, sempre foram grandes defensores dessa prática. Mas é preciso cuidado. Temos visto neste Carnaval, já como resultado desse estímulo público ao uso da bike, uma onda de incentivo aos cidadãos para irem de bicicleta para a folia. Inclusive e, principalmente, com o aval do poder público. Pela primeira vez teremos bicicletários espalhados pelo Bairro do Recife (16 equipamentos, totalizando 160 vagas) e até vagas dispostas no estacionamento oficial do prédio-sede da PCR, no Cais do Apolo.
A iniciativa é boa, desde que os ciclistas-foliões não voltem para casa alcoolizados ou até bêbados, em suas bikes. É preciso cuidado. O alerta vem de quem entende do assunto. O coordenador educacional do Comitê Contra os Acidentes de Moto, o médico-cirurgião Hélio Calábria, alerta que a mistura álcool e direção para o ciclista é tão perigosa quanto para o motociclista. "Os riscos são os mesmos e a vulnerabilidade também. É algo preocupante. A moto ainda consegue ser pior por ser um veículo motorizado, que pode desenvolver altas velocidades. O trauma na bike é menor, mas alcoolizado, o ciclista potencializa o risco de atropelamento. Beber não combina com a condução de nenhum tipo de veículo, seja moto, carro ou bicicleta. O ideal é que as pessoas que saem para beber, seja no Carnaval ou fora dele, voltem em transportes guiados por outras pessoas sóbrias, que não beberam, ou a pé. Numa bicicleta o risco é grande", alerta.
O que preocupa não só o médico, mas também outros técnicos da saúde, é que não há fiscalização para as bicicletas. Não existe Lei Seca para as bikes, por exemplo. E, mesmo que ciclistas fossem flagrados alcoolizados sobre suas bicicletas, como seria efetivada uma punição para ele? As bikes já tiveram placas um dia, mas não têm mais. O coordenador da Operação Lei Seca, tenente-coronel André Cavalcanti, é outro que se preocupa com uma possível disseminação do uso de bicicletas para as pessoas irem a bares e ao Carnaval e voltarem pedalando depois de consumir álcool. "É uma situação muito complicada porque, de fato, não existe Lei Seca para ciclistas. Não temos como fiscalizar e puni-los. Se virar um costume, será um grande problema. Já fizemos algumas adequações na operação para abranger sua eficiência, quando começamos a abordar taxistas e até motoristas de ônibus. Mas o ciclista nunca. Reconheço que é algo difícil de ser operacionalizado", diz.
Os que vivem a problemática dos acidentes e mortes no trânsito são unânimes em defender que, pelo menos por enquanto, a única forma de evitar a mistura álcool e bicicleta é com o bom senso dos ciclistas. "As pessoas precisam ter consciência sobre o perigo que é beber e conduzir uma bicicleta depois. Ficam mais vulneráveis até do que em um automóvel. Estatisticamente, ainda não temos esse problema, mas sabemos que se não houver cuidado e um alerta, poderemos ter que enfrentá-lo em breve, especialmente agora, quando o Recife descobriu a bicicleta", afirma Calábria.
De fato, neste Carnaval o que temos visto foi apenas o estímulo ao uso da bike para chegar nos polos da folia. Nada de campanha sobre os riscos de beber e pedalar. A Secretaria de Juventude e Qualificação Profissional do Recife, que está disponibilizando os bicicletários, reconheceu que nenhuma campanha foi preparada pela prefeitura. Apenas que recomendou à Ameciclo, parceira do projeto, a orientação sobre o perigo.
Já a Ameciclo, entidade criada no ano passado para defender os direitos dos ciclistas do Grande Recife, e que está à frente do incentivo ao uso da bike para a folia, entende que o ciclista pode, sim, beber e pedalar. Veja os argumentos do coordenador-geral da entidade, Guilherme Ataíde Jordão: "Pedalar e beber não é uma conduta proibida pelo direito e, diante da pequena danosidade, não deve ser proibida. Agora, o consumo moderado de álcool é recomendável a qualquer pessoa, sempre, idependentemente do modal (tipo de transporte) que ela esteja usando. O risco é semelhante ao do pedestre que bebe, por exemplo. O que precisamos mesmo é controlar o motorista do carro. Se ele respeitar a legislação de trânsito não colocará em risco a vida de outras pessoas que estejam a pé ou de bicicleta, por exemplo. Os danos provocados pelos ciclistas que bebem antes de pedalar é tão pequeno que apenas o único país que proíbe a mistura no mundo é a Alemanha", defende.