Sucateamento do transporte coletivo em Curitiba - a queda do mito

Publicado em 14/06/2016 às 16:10 | Atualizado em 13/07/2018 às 10:48
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  Fotos: Roberta Soares Fotos: Roberta Soares   Peço licença para reproduzir, na íntegra, o texto abaixo assinado pelo jornalista José Carlos Secco, especializado em transportes, como contribuição para o Blog Ponto de Ônibus, de Adamo Bazani. Ele fala dos problemas da RIT (Rede Integrada de Transportes) de Curitiba, que deve interessar a todos os centros urbanos brasileiros. À Região Metropolitana do Recife interessa ainda mais, já que o nosso sistema de BRT foi copiado de Curitiba. Aliás, o nosso e o de  pelo menos outros 200 centros urbanos do mundo. Confira. Vale o aprendizado. "Modelo de sistema de mobilidade urbana há quase 40 anos e copiado por mais de 200 cidades em todo o mundo, Curitiba vem sofrendo, há cerca de quatro anos, processo de sucateamento. Ao contrário do que todo o resto do Brasil e do mundo têm como imagem, o sistema parou no tempo e precisa de novos investimentos, como em bilhetagem eletrônica, gestão moderna e participativa e integração eficaz com a rede metropolitana.
Como o ‘melhor’ sistema do Brasil e modelo para o mundo pode perder passageiros a cada ano e ter a maior evasão do País? " José Carlos Secco
Cidades como Bogotá, na Colômbia, e Rio de Janeiro, entre outras, evoluíram muito mais do que Curitiba com a adoção de soluções inovadoras e diferenciadas para acompanhar o crescimento populacional e expansão geográfica. Com isso, continuam a atrair novos passageiros e a oferecer benefícios tangíveis aos usuários. Um dos indicadores desta triste realidade na capital paranaense é comprovado pelos dados divulgados recentemente pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que mostram a redução de mais de 8% no número de passageiros transportados, a maior queda entre todas as capitais brasileiras no ano passado. “Como o ‘melhor’ sistema do Brasil e modelo para o mundo pode perder passageiros a cada ano e ter a maior evasão do País? Se estivesse alcançando os objetivos e oferecendo o padrão de serviço desejado, o número de usuários estaria crescendo”, salienta o presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), Maurício Gulin. Confira webvídeo feito em 2015 sobre o sistema de transporte de Curitiba
A pesquisa realizada pela NTU mostra que Curitiba foi a cidade que mais perdeu passageiros no transporte coletivo em 2015, quase o dobro da média nacional. Em todo o País, os ônibus deixaram de transportar 900 mil passageiros por dia nas 16 grandes cidades analisadas, baixa de 4,2% no período. “Enfrentamos um momento muito delicado na história de 60 anos do sistema de Curitiba. Nos últimos anos, paramos no tempo. Quase nenhuma das melhorias propostas pelos operadores no ‘Projeto 24 Meses’ foram implementadas. Com isso, o serviço não evoluiu, tem problemas e perdeu 1,2 milhão de passageiros por mês, em 2015”, explica Gulin. O ‘Projeto 24 Meses’ conta com diversas propostas elaboradas pelas empresas com o objetivo de, em dois anos, aumentar a velocidade média dos ônibus na cidade. LICITAÇÃO TROUXE DIFICULDADES: Segundo Gulin, as dificuldades começaram logo após a licitação, em 2010, com a falta de cumprimento do contrato pelo poder concedente. A cada ano, a Urbs, gerenciadora do transporte, soma todos os custos do sistema e divide por uma projeção de passageiros que devem andar de ônibus até o ano seguinte. O resultado dessa divisão é o valor da tarifa técnica, o montante que as empresas devem receber para arcar com seus custos. Parece simples, mas a projeção de passageiros estimada pelo poder concedente nunca se realizou, o que gera um déficit financeiro significativa para as operadoras. Em 2015, por exemplo, a Urbs projetou que 18,8 milhões de passageiros por mês embarcariam nos ônibus, porém foram só 17,6 milhões. Multiplicando-se a diferença de 1,2 milhão de passageiros pela tarifa da época, de R$ 3,30, chega-se a um prejuízo para as empresas de cerca de R$ 40 milhões. Ao estimar um número de passageiros mais alto do que realmente se verifica, a Urbs diminui a tarifa técnica e deixa o prejuízo para as empresas operadoras.
Para quem não convive no dia a dia, Curitiba é exemplo e referência. Mas está agonizando" José Carlos Secco
  Curitiba possui duas tarifas: a social, que é o valor cobrado do passageiro, hoje em R$ 3,70, e a técnica, valor repassado às empresas, de R$ 3,66. Chama a atenção o fato de o usuário pagar mais do que é repassado às empresas. Até nisso Curitiba está na contramão do Brasil, com o passageiro subsidiando o poder público, quando a relação deveria ser o oposto disso. Em São Paulo, por exemplo, a tarifa técnica é de R$ 5,71, mas, como a prefeitura coloca R$ 2 bilhões de subsídios por mês, o passageiro paga R$ 3,80. ALERTA PARA TODO O BRASIL: O que está acontecendo em Curitiba coloca em risco o modelo de mobilidade urbana e demonstra a sua vulnerabilidade, sobretudo em relação à gestão e na defesa dos interesses dos usuários. Com a perda contínua de passageiros, a elevação nas invasões, com os chamados fura-catraca, e um sistema de bilhetagem com tecnologia ultrapassada, que torna questionável sua eficiência, a receita das empresas operadoras despenca, levando a um descompasso entre os custos e as despesas. Esse é um importante ponto para o equilíbrio do sistema, sem o qual ocorre perda de investimentos no transporte, com consequentes prejuízos à população. “Isto serve de alerta e exemplo para todas as mais de 200 cidades em todo o mundo que se inspiraram no sistema de Curitiba. Sem a constante evolução e inovação, modernização e aplicação eficaz e eficiente dos recursos, não se proporcionam melhorias e vantagens para os usuários e se perdem passageiros”, enfatiza Gulin. Para quem não convive no dia a dia, Curitiba é exemplo e referência. Mas está agonizando. A renovação de frota e a adoção de modelos mais modernos estão paralisadas em razão do não cumprimento dos termos do contrato firmado entre a URBS e os consórcios vencedores da licitação e suas respectivas empresas. IMG_0178 A idade média da frota circulante de 2,3 mil veículos (Curitiba e região metropolitana) que era de 3,8 anos, em 2012, pulou para 7 anos, atualmente. São praticamente três anos sem renovação de frota. Somente em Curitiba são cerca de 180 ônibus do total de 1,5 mil unidades que ultrapassaram a sua vida útil de 10 anos, mas não podem ser substituídos por uma determinação da Justiça, de novembro de 2013, em razão do não cumprimento pela URBS do contrato com as empresas. “Por questões políticas, a qualidade do transporte oferecido está sendo ameaçada. Mesmo com os índices altíssimos de eficiência operacional, de 99,4%, (bem acima do índice exigido em sistemas como este em outras capitais do Brasil, de 90%) há diversos problemas, como os fura-catracas e um sistema de bilhetagem defasado de novas tecnologias, que colocam em risco a segurança do usuário, abalam a sua confiança e são motivos para a evasão de passageiros”, comenta Gulin.
O mais preocupante é que por ser exemplo replicado para grande parte do mundo, a sua falência pode prejudicar a implantação e/ou gestão de outros sistemas, no Brasil e no mundo", José Carlos Secco
  São 3.831 pessoas por dia que “furam” a catraca e embarcam sem pagar. O problema é grave e continua aumentando. Na capital paranaense, há estações nas quais o número de invasões é maior que a de passageiros pagantes, grande parte feita por usuários comuns e não gangues ou baderneiros. O sistema de bilhetagem e as estações estão desatualizados e não atendem à demanda da população. “Os novos ônibus biarticulados têm cinco portas para embarque/desembarque e as estações apenas três plataformas. Com isso, muita gente entra e sai sem passar pelas catracas, colocando em risco a integridade física das demais pessoas”, esclarece. Em municípios paranaenses, como Cascavel, nos quais existe uma cogestão de todo o sistema de bilhetagem, os indicadores de desempenho são muito melhores e os usuários melhor atendidos e mais satisfeitos com o processo. “No restante do sistema metropolitano de Curitiba, a bilhetagem é muito mais eficiente, com biometria facial, aplicativos para smartphones e wi-fi. A integração com Curitiba poderia ser muito melhor”, explica Gulin. IMG_0136   Se nada for feito, Curitiba continuará a perder usuários no sistema de ônibus, com prejuízos para a mobilidade urbana, para a qualidade de vida e bem-estar da sociedade. O mais preocupante é que por ser exemplo replicado para grande parte do mundo, a sua falência pode prejudicar a implantação e/ou gestão de outros sistemas, no Brasil e no mundo".

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