O olhar sobre a mobilidade a pé ainda é equivocado. Resume-se a calçadas
Publicado em 09/11/2016 às 10:00
| Atualizado em 13/07/2018 às 10:10
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Fotos: Diego Nigro/JCImagem
A sociedade ainda menospreza o caminhar. Assim como é feito com o transporte coletivo, ele é prioridade nas gestões desde que não incomode o automóvel. A inferiorização do caminhar está por toda parte, espalhada em diversos exemplos. Um deles é a forma como os gestores calculam o tempo de travessia de pedestres nas vias das cidades. “Quando é para definir o tempo de verde semafórico para os veículos, é feita a contagem da quantidade que passa naquele ponto. Mas quando o cálculo é para definir o tempo destinado à travessia de pedestres, não é contabilizado o número de pessoas que atravessam ali. A contagem é pelo tempo que o caminhante leva para percorrer a distância de um ponto a outro da via”, critica Meli Malaesta, arquiteta e urbanista referência em mobilidade a pé no Brasil e presidente da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
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“A cultura da inferioridade sempre cercou a caminhabilidade”, apregoa com a propriedade de quem atuou na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo) por 35 anos. Mas por que os técnicos consideram o volume de veículos e desconsideram o de pedestres? “Essa é a grande pergunta que precisamos fazer para todos. Porque, na essência, o caminhar é visto como algo inferior, das pessoas sem recurso, sem status, pobres. Essa inferiorização é cultural e está presente nos órgãos de trânsito. Daí sempre termos a impressão de que o tempo de travessia nas vias é pouco”, reforça Meli Malaesta.
Confira vídeo com a arquiteta e urbanista, Meli Malaesta, presidente da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé da ANTP
Para explicar de forma simples e rápida, a mobilidade a pé está entre a cruz e a espada. Especialmente no Recife, que têm legislação própria sobre o assunto, assim como a maioria das grandes cidades e capitais do País. A legislação obriga o proprietário do lote a fazer, refazer e manter as calçadas em frente ao seu imóvel, mas não fiscaliza a desobediência flagrante por toda parte. Ao mesmo tempo, também não cumpre sua obrigação, de cuidar dos passeios públicos e dos lotes oficiais – o que desestimula o cidadão a obedecer a lei. Porque eu iria fazer se a prefeitura não faz? E isso porque não estamos falando das outras necessidades do caminhar: travessias seguras, iluminação, arborização e acessibilidade geral. Apenas as calçadas.
Na prática, o município não tem fôlego operacional para cumprir seu papel e, por isso, fecha os olhos ao descumprimento da lei. Por isso, há tanto tempo o caminhar virou uma disputa de transposição de obstáculos. A Prefeitura do Recife, por exemplo, não soube sequer informar quantas multas já aplicou pela não manutenção de calçadas na cidade. E se o filtro for o de estabelecimentos residenciais, é ainda mais difícil. Disse apenas que a Secretaria-Executiva de Controle Urbano do Recife (Secon) emitiu, desde o início da gestão, mais de 45 mil notificações por uso indevido de área pública, que incluem ocupações, má conservação ou construções irregulares.
Confira vídeo com Sílvia Cruz, presidente da ONG Corrida Amiga e também integrante da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé da ANTP
Em 2013, no primeiro ano do atual governo, a promessa era requalificar 100 quilômetros de calçadas e largos públicos. O projeto começou a ser negociado com o governo federal – via empréstimo da Caixa Econômica Federal (CEF) –, mas não vingou. Somente em agosto de 2015, enfim, o contrato foi assinado e a prefeitura voltou a prometer executar o mesmo plano, agora um pouco maior, prevendo a requalificação de 134 quilômetros de calçadas e 56,3 mil metros quadrados de largos, ao custo de R$ 105 milhões. O bom é que, diante da necessidade, a gestão municipal fez escolhas estratégicas para a cidade, selecionando corredores viários com grandes equipamentos públicos.
Antônio Alexandre, secretário de Planejamento Urbano do Recife, garante que o município está tentando acertar, mas reconhece a dificuldade até para fazer a lei ser cumprida. “Não podemos sair multando as pessoas se não fazemos a nossa parte. Precisamos primeiro mudar a cultura da infraestrutura do automóvel implícita há anos e anos tanto na sociedade como no poder público. Temos programas de financiamento do governo, como o PAC Pavimentação, por exemplo, que não prevê a requalificação de calçadas. Estamos revendo a nossa legislação e a proposta será uma gestão compartilhada, mas dando prazos para que a sociedade se adapte”, promete.
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