COLUNA MOBILIDADE

Precisamos mesmo do Rios da Gente, o transporte fluvial de massa sonhado por Eduardo Campos?

Quando estiver pronto, o Rios das Gente irá atender inicialmente a 11 mil pessoas mensalmente

Roberta Soares
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Roberta Soares
Publicado em 29/01/2017 às 11:00 | Atualizado em 28/06/2022 às 17:03
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Vamos direto ao ponto, sem arrodeios: será que, diante das inúmeras dificuldades que o transporte coletivo urbano enfrenta no Grande Recife, com uma coleção de projetos de mobilidade que não saíram do papel e tantos outros incompletos, degradados pela falta de infraestrutura – como os BRTs –, é correto investir quase R$ 200 milhões apenas para implantar duas rotas do Rios da Gente, o programa do governo estadual que prevê a navegabilidade do Rio Capibaribe? Será que o projeto terá fôlego para se bancar como transporte público de alta demanda, com uma previsão de apenas 11 mil passageiros por dia e com a promessa de uma tarifa equivalente a do ônibus – hoje de R$ 3,20?

O modelo poderá ser viável como transporte de lazer e turismo, com a cobrança de tarifa diferenciada. Nesse caso, sim. Mas nunca como transporte de massa. Se o transporte fluvial fosse ideal para altas demandas, os rios Tamisa (Inglaterra) e Sena (França) estariam sendo utilizados. Veneza (Itália) tem um sistema que funciona porque é a única opção que a cidade tem", Germano Travassos, consultor em mobilidade urbana

Muita gente não acredita. E gente que entende de transporte público de passageiros. Principalmente quando consideramos que o projeto corre sérios riscos de virar mais um elefante branco da mobilidade, sucateado pela falta de recursos que garantam a sua boa operação, cinco vezes mais cara do que a do transporte por ônibus.

Não que transformar o Rio Capibaribe em águas navegáveis seja errado, mas a pergunta é: podemos nos dar a esse luxo, com o governo do Estado sem conseguir tirar do papel o Ramal Agamenon Magalhães do BRT, concluir os terminais integrados, estações e elevado do Corredor Leste-Oeste, manter as estações de BRT e homologar a licitação das linhas de ônibus? Você acha que é o correto? Estudos elaborados por técnicos contratados pelo próprio governo apontam que será necessário subsídio para que os dois corredores do Rios da Gente operem nas condições corretas. E o governo terá de onde retirar esse subsídio, se não consegue promover mudanças no sistema de transporte urbano por isso?

As pessoas precisam ser mais simpáticas a ele, até porque a ideia é que funcione também como um transporte turístico, com as embarcações sendo usadas com essa finalidade nos horários de vale e fins de semana", Oswaldo Lima Neto, consultor que projetou o Rios da Gente

  oswaldo_sb     Os estudos do governo apontam que a viagem da rota Oeste levaria 40 minutos e aliviaria os corredores da Rosa e Silva e Rui Barbosa, usados por 50 mil passageiros. Mas técnicos dizem que o tempo será maior e não atrairá os usuários. Alegam também que a demanda é baixa e a tarifa não conseguirá cobrir o custo. Esse é o cenário previsto por técnicos. "O modelo poderá ser viável como transporte de lazer e turismo, com a cobrança de tarifa diferenciada. Nesse caso, sim. Mas nunca como transporte de massa. Se o transporte fluvial fosse ideal para altas demandas, os rios Tamisa (Inglaterra) e Sena (França) estariam sendo utilizados. Veneza (Itália) tem um sistema que funciona porque é a única opção que a cidade tem", argumenta o consultor em mobilidade urbana Germano Travassos.

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Todo tipo de transporte coletivo custa caro. O transporte hidroviário, aquaviário ou fluvial é ainda mais oneroso. Custa, segundo engenheiros especializados, cinco vezes mais do que o transporte por ônibus. A CCR Barcas, por exemplo, transporta 80 mil passageiros por dia, com tarifas altas e, mesmo assim, acumula déficits operacionais há anos.

Em 2016 foram R$ 90 milhões de prejuízo. A situação no Rio de Janeiro está tão crítica que a empresa pretende devolver a concessão ao governo porque o sistema é extremamente deficitário. A demanda só cai. A estimativa, agora, é de que as barcas transportem apenas 60 mil pessoas/dia. E no Rio de Janeiro a tarifa é muito superior a que o governo do Estado prometeu adotar, caso o projeto Rios da Gente vingue. A mais barata, chamada de social, custa R$ 5,90. E há as seletivas, por R$ 16.

Nos bastidores, comenta-se que o próprio governador Paulo Câmara percebeu o monstro econômico que poderá estar criando e, por isso, o projeto está "meio esquecido" nas gavetas da Secretaria das Cidades. É tanto que ninguém do governo quis se pronunciar sobre o assunto, enviando apenas uma nota, que pouco diz sobre a postura do Estado diante do problema. Mas é fato, também, que já foram gastos R$ 90 milhões de recursos do governo federal, ou seja, Pernambuco não pode voltar atrás.

Até pode, mas terá que devolver o dinheiro. E aí, mais uma vez, voltamos ao problema: é de bom senso pensar em algo assim, dessa magnitude, para o transporte coletivo de passageiros? Ainda mais na penúria que nos encontramos?

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Defensores do Rios da Gente alegam que ele não pode ser visto exclusivamente como um projeto de transporte. É mais do que isso. É um projeto social e turístico, que irá fazer com que a cidade redescubra o Rio Capibaribe. O professor da UFPE e um dos consultores que elaboraram o projeto Rios da Gente, Oswaldo Lima Neto, garante que ele dará certo, embora admita que subsídios serão necessários.

"Nos nossos cálculos, os recursos do governo federal cobrirão a implantação do sistema e a operação será bancada pela tarifa. O que não está previsto é a manutenção da infraestrutura. De fato, haverá necessidade de subsídio, mas isso não inviabiliza o projeto. As pessoas precisam ser mais simpáticas a ele, até porque a ideia é que funcione também como um transporte turístico, com as embarcações sendo usadas com essa finalidade nos horários de vale e fins de semana", explica.

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Projeto de navegabilidade do Capibaribe segue parado e sem soluções

Oswaldo Lima Neto argumenta, ainda, que o Corredor Oeste do projeto, entre a BR-101 e o Centro, não foi apresentado como solução para os corredores viários da Rui Barbosa e Rosa e Silva. "Nossa expectativa é de que a navegabilidade do rio alivie a demanda desses corredores. Não prometemos resolvê-los. Agora, são duas vias que não têm projetos de mobilidade previstos e de difícil solução porque não há espaço para simplesmente implantar um corredor de ônibus", alega. Atualmente, 45 mil passageiros usam os dois corredores e, pelas pesquisas de intenção feitas para fundamentar o Rios da Gente, 70% das pessoas ouvidas eram passageiros em potencial do projeto de navegabilidade.

"A demanda existirá sim", diz. O técnico garante que o tempo de viagem dos 11 quilômetros entre a BR-101 e o Centro é estimado em 40 minutos, mesmo com as paradas nas estações. Quem está acostumado com o transporte fluvial alega que ele é ideal para ligar dois pontos - origem e destino. Fazer paradas para embarque e desembarque gera custo e atrasos porque as embarcações perdem tempo para acelerar e desacelerar. Na ligação Rio de Janeiro-Niterói, por exemplo, o percurso poderia ser feito em 12 minutos, mas leva mais de 20 minutos por causa da aceleração e desaceleração.

Sobre a questão da integração com outros modais, fundamental para qualquer transporte hidroviário - como explicam técnicos ouvidos pelo blog - , Oswaldo Lima Neto argumenta que o projeto prevê a construção de dois terminais integrados em pelo menos duas das estações do Corredor Oeste. "E tanto neste corredor como no Norte, o ponto de chegada, no Centro, é projetado para a Estação Recife, integrada ao metrô e ao ônibus", reforça.  

Uma das barcas usadas no Rio de Janeiro. Lá, o sistema gerou um déficit de R$ 90 milhões em 2016. Foto: Divulgação 

A resposta, na íntegra, da Secretaria das Cidades de Pernambuco "A Secretaria das Cidades informa que o projeto Rios da Gente visa o aproveitamento da calha do Rio Capibaribe para a implantação de um sistema integrado de transporte de passageiros, que utilize embarcações adequadas ao transporte de massa e que através de estações de embarque e desembarque de passageiros, se realize o transbordo e a integração com o Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) da Região Metropolitana do Recife (RMR).

Todo o projeto foi desenvolvido tomando por base estudos de viabilidade que apontam o modal aquaviário como nova opção de transporte para a população, o Rios da Gente possibilitará desafogar o corredor de transporte totalmente saturado das avenidas Rui Barbosa e Conselheiro Rosa e Silva, sem condições de expansão de capacidade. Além disso, o projeto vem proporcionando o resgate da importância do Rio Capibaribe para os moradores e visitantes do Recife. O que já está sendo “despertado” desde o lançamento da iniciativa durante a gestão do ex-governador Eduardo Campos.

A cidade conta agora, por exemplo, com o Jardim do Baobá, às margens das águas fluviais, que integra o projeto Parque do Capibaribe, iniciativa de revitalização urbana no entorno do rio desenvolvido pela Prefeitura do Recife em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O investimento previsto para a implantação do projeto Rios da Gente é de aproximadamente R$ 190 milhões obtidos por meio de convênio com o Ministério das Cidades. 

Quando estiver pronto, o Rios das Gente irá atender inicialmente a cerca de 11 mil pessoas mensalmente, oferecendo um  transporte regular, com acessibilidade garantida para todos , ligado ao STPP e integrado aos demais modais do Recife: bicicletas, BRT e metrô".

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