Paradas no tempo. Faixas Azuis não são mais implantadas pela prefeitura no Recife, apesar dos ganhos de velocidade dos ônibus, que superam os 100%. Fotos: JC Imagem
A gestão Geraldo Júlio na Prefeitura do Recife começou embalada na promessa de mostrar coragem em priorizar o ônibus no sistema viário da cidade. Inspirou-se no modelo carioca de BRS (Bus Rapid Service), com faixas exclusivas, baratas, simples e de fácil implantação, para abrir espaço para o transporte público nas ruas. Fez quatro corredores (Avenidas Conselheiro Aguiar, Domingos Ferreira, Mascarenhas de Moraes e Real da Torre) e dois trechos de Faixas Azuis, nome dado ao projeto recifense. Mostrou ação entre 2011 e 2015, fazendo o Recife avançar, sem dúvida. A capital passou de 20 quilômetros para 54 quilômetros de faixas exclusivas para o ônibus. Mas parou no tempo.
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Nem mesmo os excelentes resultados operacionais alcançados pelos coletivos onde a prioridade foi dada, com ganhos de velocidade comercial dos ônibus superiores a 100%, foram suficientes para sensibilizar e encorajar a gestão política. A última implantação foi há quase um ano (julho de 2016), na Avenida Recife, e, mesmo assim, ínfima: em menos de dois quilômetros da via (de cada lado), um dos mais importantes corredores de ligação das Zonas Sul e Oeste da capital que tem 7,5 quilômetros de extensão. De lá para cá, nada mais. Promessas aqui, outras ali, mas tudo parado. Nos últimos tempos, a prefeitura até evita falar sobre o assunto quando questionada. Em notas oficiais, garante que as Faixas Azuis são prioridade da gestão. Palavras ao vento. Na prática, nada acontece. Faz tempo.
Efeitos da inércia
Enquanto a coragem política não vence, os ônibus seguem parados nas ruas, perdendo viagens e confiabilidade, requisito número um do serviço de transporte. E os passageiros, o que mais importa no processo, sofrendo neles. E cultivando, cada vez mais, o desejo de deixar de utilizá-lo. Para quem está fora do ônibus, um efeito ainda mais devastador: a certeza de que, se puder, nunca deixará o conforto do carro pelo transtorno que é utilizar o transporte público. E, assim, a vida segue.
A queda no cumprimento das viagens é vertiginosa e o poder público sabe disso. Diagnóstico da Mobilidade Urbana do Recife, realizado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, comprovou que a prioridade, de fato, só existe no discurso: Recife tem 2.400 quilômetros de vias e em 650 quilômetros os ônibus circulam por eles. Mesmo assim, em apenas 32,5 quilômetros têm algum tipo de priorização na via. Ou seja, de todas as ruas percorridas por ônibus na capital, apenas 5% contam com faixa exclusiva de circulação.
CUSTO É BARATO DEMAIS
A dificuldade de implantar Faixas Azuis no Recife só não pode ser justificada pela falta de recursos da gestão. Faixas exclusivas são baratas: o quilômetro sem equipamento de fiscalização – como acontece em cinco dos seis corredores – custa R$ 20 mil. É só tinta e vontade de fazer. Com os radares, sobe para R$ 40 mil. Ou seja, o custo é baixo e os ganhos são enormes. Então por que não fazer? É só decisão política de priorizar o transporte público de fato, não de discurso.
Equipamento da Avenida Recife foi o último a ser implantado. Em julho de 2016 e em menos de 2 Km
O CARRO EM PRIMEIRO LUGAR, SEMPRE. ATÉ QUANDO?
A gestão municipal tem mostrado que cuida primeiro do carro, depois pensa no transporte público. A lógica é essa. A Prefeitura do Recife pode até negar, mas os gestos do governo evidenciam o contrário. Duas das melhores Faixas Azuis do Recife, os corredores da Conselheiro Aguiar e da Domingos Ferreira, só foram implantados depois que a Via Mangue foi inaugurada para acomodar bem os automóveis. A lógica política não permitiria, jamais, tirar duas das dez faixas existentes para carros nas duas avenidas. Ah, sem considerar as quatro faixas da Avenida Boa Viagem, também exclusiva para o transporte individual. Decisões que fazem importantes corredores viários da cidade, muitos deles amplas avenidas, não terem algum tipo de exclusividade para o transporte público, como é o caso da Agamenon Magalhães, da Abdias de Carvalho e da Avenida Norte.
Avenida Antônio de Góes deveria ter uma faixa que seria continuidade da Conselheiro Aguiar. São seis faixas para os carros e nenhuma exclusiva para o ônibus. Foto: Guga Mattos/JC Imagem
ANTÔNIO DE GÓES ERA PROMESSA
Exemplo mais recente de que a gestão municipal teme a ira do transporte individual é a Avenida Antônio de Góes, no Pina. A implantação de uma Faixa Azul no corredor, que seria a continuação do equipamento implantado na Avenida Conselheiro Aguiar, chegou a ser anunciada como certa pela CTTU, mas depois foi esquecida. Agora, o argumento é de que será impossível implantá-la porque iria comprometer a circulação dos carros na via. Mais uma vez, a preferência pelos automóveis é clara. E olha que a Faixa Azul da Conselheiro Aguiar, mesmo sem fiscalização eletrônica, tem dado velocidade aos ônibus. Os ganhos são de 49%.
Avenida Mascarenhas de Moraes é o único corredor com fiscalização eletrônica. Na Avenida Herculano Bandeira, que compõe a faixa da Domingos Ferreira, apenas um pequeno trecho é monitorado
RESPOSTA DA PREFEITURA
A CTTU é o órgão que fala pela Prefeitura do Recife quando o assunto são as faixas exclusivas. Por nota oficial, diz que o projeto é prioridade, mas não dá qualquer previsão de quando novas serão implantadas. Leia a resposta na íntegra:
“A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) informa que a implantação de faixas exclusivas para a circulação do transporte público é uma prioridade da atual gestão de trânsito. Desde 2013, foram implantados cerca de 33 quilômetros de faixas exclusivas nas avenidas Recife, Mascarenhas de Moraes, Herculano Bandeira/Engenheiro Domingos Ferreira, Conselheiro Aguiar, além das ruas Real da Torre e Cosme Viana. Esse número significa que houve a ampliação de mais de 100% dos quilômetros de faixas exclusivas para o transporte público existentes na cidade, a partir do ano de 2013, que passou de 20,51 km para 54 km, em quatro anos.
No total, as faixas azuis beneficiam, diariamente, cerca de 100 linhas de ônibus, que transportam mais de 600 mil passageiros. O ganho de velocidade promovido pelas faixas exclusivas chega em até 118%, como é o caso da Avenida Herculano Bandeira, onde a velocidade dos coletivos passou de 11km/h para 24km/h. Para garantir ainda mais respeito e velocidade ao transporte coletivo, também foram implantados 25 equipamentos de fiscalização eletrônica nas faixas instaladas nas avenidas Mascarenhas de Moraes e Herculano Bandeira”.