A polêmica sobre as novas regras para as faixas elevadas de pedestres

Publicado em 08/10/2018 às 8:30 | Atualizado em 25/05/2020 às 14:28
Faixa elevada em Fortaleza (Foto: Divulgação)
FOTO: Faixa elevada em Fortaleza (Foto: Divulgação)
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Nova resolução do Contran que define regras para implantação de faixas elevadas, também conhecidas como lombofaixas, é criticada por entidades de defesa da mobilidade a pé. Foto: Bobby Fabisak/JC/Imagem

 

A polêmica está no ar. A Resolução 738 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), de 6 de setembro de 2018 e que define novas regras para a implantação da travessia elevada para pedestres em vias públicas do País, tem sido vista por entidades e ativistas da mobilidade a pé como um retrocesso em alguns aspectos. Para eles, no lugar de facilitar, as exigências vão intimidar a expansão do equipamento, fundamental para elevar o pedestre ao papel principal no trânsito. Para quem não sabe, as faixas elevadas ou lombofaixas são aquelas passagens construídas no mesmo nível da calçada, que elevam o pedestre a primeiro plano e formam uma espécie de lombada para os veículos, obrigando-os a reduzir a velocidade quando vão passar pelo equipamento.

Por isso, as travessias elevadas consolidam o conceito de total prioridade do pedestre na travessia, ao proporcionar a continuidade do plano da calçada. O objetivo da resolução – isso não se discute – é melhorar as condições de acessibilidade, conforto e segurança na circulação e travessia das pessoas. Até aí tudo bem. Mas para as entidades, entre elas a Comissão Técnica de Mobilidade a Pé da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), alguns pontos burocratizam a instalação do equipamento, o que poderá fazer com que as prefeituras desistam de adotá-los. Uma pena nos tempos atuais, quando tem aumentado a implantação de faixas elevadas nas cidades, especialmente em áreas de traffic calm (tráfego calmo).

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Faixa elevada em São Paulo (Foto: Divulgação)
1 - Faixa elevada em São Paulo (Foto: Divulgação)
Faixa elevada em Fortaleza (Foto: Divulgação)
2 - Faixa elevada em Fortaleza (Foto: Divulgação)
Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)
3 - Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)
Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)
4 - Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)
Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)
5 - Faixa elevada no Bairro do Recife (Foto: Irandi Souza/PCR)

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Para a arquiteta e urbanista Meli Malesta, presidente da Comissão de Mobilidade a Pé da ANTP, a nova resolução tem como ponto positivo a preocupação com aspectos de drenagem e especificações mais detalhadas dos projetos de faixas elevadas – que já são resultado do desempenho das travessias já implantadas e que tinham regras definidas na Resolução 495, de 2014. Por outro lado, o Artigo 5º da nova legislação é preocupante porque institui uma série de novas restrições ao uso do equipamento. Muitos dos incisos do artigo criam uma série de impeditivos e dificuldades. Entre eles, os que proíbem a adoção da lombofaixa:

 

PONTOS NEGATIVOS

Inciso III – Em via rural, exceto quando apresentar características de via urbana. “Em muitas cidades brasileiras vias rurais são itinerários de transporte coletivo ou tem ao longo de seu traçado a existência de pólos de viagens a pé, como escolas rurais ou outros pontos de interesse, sem que por este motivo se tornem urbanas”, pontua Meli Malatesta. Inciso V – Em via com faixa ou pista exclusiva para ônibus. “Cabe lembrar que as redes de transporte coletivo são alimentadas pelas redes de mobilidade a pé, ou seja, o usuário do transporte coletivo, o passageiro, é, antes e depois de terminar sua viagem de ônibus, um pedestre que necessita realizar travessias destas vias e, por isso, precisa de segurança”, diz. Inciso VIII – Em curva ou situação com interferências visuais que impossibilitem a visibilidade do dispositivo à distância. “Há várias faixas elevadas implantadas nesta situação e que não ofereceram até o momento risco de acidentes, até porque a faixa elevada é uma lombada muito suave. O cumprimento do disposto neste inciso poderá desviar a localização da travessia elevada do local de continuidade do trajeto a pé e, portanto, o local onde o pedestre deseja atravessar, ocasionando sua rejeição e desrespeito”, destaca Malatesta.

Por exigir que alguns projetos de faixas elevadas passem por análises de engenharia de tráfego, a nova resolução coloca à mercê da tecnologia de trânsito a maior ou menor boa vontade em garantir a prioridade do pedestre determinada pelas legislações de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) e pela PNMU (Lei Federal de Mobilidade Urbana). Resumindo: a decisão dependerá de quem se preocupa com o tráfego de veículos, a fluidez do trânsito, o que pode ser perigoso para garantir os direitos do caminhar”, Meli Malatesta, da Comissão de Mobilidade a Pé da ANTP

Inciso IX – Em locais desprovidos de iluminação pública ou específica. “O cumprimento desta exigência poderá deixar locais de interesse desprovidos de faixa elevada, mesmo considerando o tipo de material que é utilizado para a pintura da faixa e a obrigatoriedade de uso do farol no período noturno pelo condutor. Neste caso, então, também não se sinaliza com faixa de travessia normal?”, questiona a especialista. Inciso XI – Defronte à guia rebaixada para entrada e saída de veículos. “É muito complicado o convívio com este impeditivo porque a regulamentação de rebaixamento de guia para saída do lote privado é estabelecida geralmente pelos códigos de obras dos municípios (alguns nem tem) e é mais do que sabido que se extrapola no rebaixo da guia defronte aos lotes com os mais variados usos e pelos mais variados motivos. Os postos de gasolina e outros tipos de estabelecimentos comerciais confirmam a prática”, destaca.

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Segundo Meli Malatesta, há, ainda, outros incisos (IV, VI, XII) perigosos porque exigem que os projetos sejam submetidos a estudos de engenharia de tráfego. “Ou seja, por depender de estudos de engenharia de tráfego, colocam à mercê da tecnologia de trânsito a maior ou menor boa vontade em garantir a prioridade do pedestre determinada pelas legislações de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro – CTB) e pela PNMU (Lei Federal de Mobilidade Urbana). Resumindo: a decisão dependerá de quem se preocupa com o tráfego de veículos, a fluidez do trânsito, o que pode ser perigoso para garantir os direitos do caminhar”, acrescenta a especalista. Antes das novas regras, a Resolução 495 do Contran estabelecia, além das normas relativas à dimensão e sinalização da faixa elevada, e a utilização em vias com velocidade veicular máxima de 40 Km/h. Os impedimentos à implantação limitavam-se ao uso em curvas ou interferências que comprometesse a visibilidade; em rampas superiores a 6%, salvo se justificada pelo órgão de trânsito local; e em pistas não pavimentada e sem a existência de calçadas (Art. 4º e 5º da Resolução 495/2014).

SEM POLÊMICAS

O Ministério das Cidades confirmou que a Resolução 738/2018 do Contran já está em vigor e que os órgãos executivos de trânsito dos Estados e do DF terão um prazo até 30 de junho de 2019 para se adequarem às novas regras. Disse, também, que não vê obstáculos à implantação das faixas elevadas e que até agora não recebeu críticas.

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