Morte de passageiro por bala perdida durante confusão entre seguranças e ambulantes, no TI Pelópidas Silveira, mostra que problemas são antigos. Fotos: Diego Nigro/Arquivo JC Imagem
Não é de hoje que os terminais integrados de ônibus – com ou sem integração com o metrô – são um problema na operação do Sistema de Transporte de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR). A morte estúpida do passageiro Cristiano Ledson Silva Amorim, 45 anos, no dia 28/6, vítima de uma bala perdida disparada durante uma confusão entre seguranças do Terminal Integrado Pelópidas Silveira – hoje o maior do sistema em demanda de passageiros, por onde passam, diariamente, 85 mil pessoas – e ambulantes foi apenas o estopim de problemas antigos. Sonhados e desejados no início da década de 1980 e por muitos anos depois por serem a base de sustentação do Sistema Estrutural Integrado (SEI), os TIs já não são motivo de alegria para quem depende deles. Além de exigir do passageiro que faça transbordo (mude de transporte para seguir o destino) – o que todos odeiam e evitam –, os terminais passaram a ser vítimas de fatores externos à operação, como a ausência de prioridade viária para os ônibus nas ligações e a invasão do comércio informal. A situação, sob esse aspecto, é tão séria que resultou na morte do passageiro.
RELEMBRE
Estado já tentou terceirizar gestão, mas não deu certo
Gestão integrada como solução para um transporte público melhor
Os TIs viraram um fardo difícil de ser carregado pelo Estado, gestor do sistema de transporte coletivo da RMR. São 26 terminais integrados – dos quais 20 foram construídos nas gestões do PSB, principalmente nos anos do ex-governador Eduardo Campos –, que, embora recebam 800 mil passageiros por dia, custam R$ 36 milhões por ano. Unidades que colecionam problemas e desagradam à quase totalidade de pessoas que os utilizam. Como informou o secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Marcelo Bruto, os TIs sempre lideram negativamente as pesquisas feitas com os usuários. E não é para menos. Com pouquíssimas exceções, os terminais são lotados e desorganizados nos horários de pico – quando o trabalhador mais precisa do transporte e mais tem pressa.
Por tudo isso que o governo do Estado tenta, mais uma vez, repassar ou ao menos dividir a gestão dos TIs. Lançou no fim de maio um chamamento público para receber propostas de parcerias com o setor privado dentro do Programa de Parcerias Estratégicas do Estado (PPE). “De fato, todos os diagnósticos que nós temos sobre os terminais são muito ruins. Há problemas de gestão e operação, além dos fatores externos que pesam. Por isso estamos buscando soluções de médio e longo prazo. Fomos conhecer outros modelos no País e agora abrimos esse chamamento para atrair soluções porque o Estado, de fato, não consegue mais fazer a administração. Nos falta até vocação para conseguir explorar as possibilidades comerciais que existem nas unidades”, explica Marcelo Bruto.
O Estado está disposto, segundo o secretário, a manter o orçamento que hoje já é destinado aos TIs. “Não temos um modelo de gestão definido. Queremos sugestões e estamos abertos a todas as possibilidades. Sugerimos que o futuro gestor e operador busque outras fontes de renda – principalmente com publicidade e negócios – para cobrir as despesas. A inclusão de serviços e a construção de mini-shoppings nas unidades são alguns exemplos. Agora, criamos índices de eficiência para cada tipo de serviço e tudo pode ser visto e acompanhado na página da secretaria na internet”, afirma Marcelo Bruto. Até agora, cinco grupos se mostraram interessados em apresentar soluções, sendo dois consórcios e três empresas de consultoria.
26 terminais integrados fazem parte do transporte da RMR
36 milhões de reais é o custo mensal para mantê-los em operação, pago pelo Estado e pelos passageiros do sistema
800 mil passageiros integram nos terminais de ônibus diariamente
Gestão privada e dotação orçamentária são as soluções para a operação eficiente
É como conta de padaria: a gestão dos terminais integrados de ônibus tem que ir para a iniciativa privada. O poder público pode e deve participar – tanto no controle da gestão como na dotação orçamentária –, mas a administração tem que ir para as mãos de quem entende do negócio. De quem consegue buscar fontes de receita extra-tarifárias. Quem ensina é o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transporte (NTU), Otávio Vieira da Cunha. “Não tem outro jeito. As experiências pelo País nos mostram isso, há muito tempo. O poder público constrói as estruturas, mas não consegue garantir a manutenção e a segurança porque o custo é alto. Com o tempo, as unidades vão se degradando, ficam inseguras e com uma operação confusa. Os modelos mistos, sempre com dotação orçamentária garantida, são a solução. Não há outra fórmula”, defende.
Conheça o projeto de PARCERIA DO GOVERNO DE PERNAMBUCO
Como exceção, Otávio Vieira da Cunha cita os terminais metroferroviários onde há integração com o ônibus. “São os únicos que nós conhecemos que dão certo com gestão pública. Mas isso só é possível porque contam com a Polícia Ferroviária Federal (PFF), que tem legislação própria e poder de polícia. Nos terminais de superfície, nos corredores de transporte, não dá certo porque nunca há recurso suficiente para manter uma boa operação. A parceria com a iniciativa privada é fundamental. E é importante que a fonte de renda para manter os terminais seja definida ainda na fase de projeto”, reforça o presidente da NTU.
De fato, esse detalhe é fundamental. No sistema da Região Metropolitana do Recife, por exemplo, há alguns exemplos de terminais que custaram caro para serem construídos, têm alto valor de manutenção e, depois de inaugurados, transportam pouquíssimos passageiros. O TI CDU, na Zona Oeste do Recife, é um exemplo. Tem custo mensal de R$ 232 mil e recebe apenas dois mil passageiros por dia. O TI Getúlio Vargas, na mesma região, é semelhante. Custa R$ 158 mil/mês e serve como transporte para apenas seis mil pessoas.
OS EXEMPLOS PELO PAÍS
Terminal Barra Funda, integrado com o metrô e a CPTM, em São Paulo. Fotos: Arthur Moura/Fotos Públicas
SISTEMAS METROFERROVIÁRIOS
As gestões públicas de terminais de ônibus que dão certo no País, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), são as dos sistemas metroferroviários. Isso porque a segurança e o controle ficam sob responsabilidade das Polícias Ferroviárias Federais (PFFs), que possuem legislação específica e lhes dão poder de polícia para colocar ordem nas unidades. O terminal Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, que integra ônibus, metrô e trem, é um exemplo.
SÃO PAULO
São Paulo é uma das cidades que têm a gestão dos terminais terceirizada à iniciativa privada, mas com dotação orçamentária própria, garantida pela prefeitura. Por isso funciona, apesar de também ter problemas – bem menores do que os da RMR, mas presentes. Outro exemplo que tem dado certo é o Corredor Metropolitano ABD, com 33 quilômetros ligando os distritos de São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, e de Jabaquara, na região Centro-Sul da cidade. Operado como concessão pública – a primeira de transporte do País, iniciada em 1997 –, o corredor passou a ter uma gestão totalmente integrada de 2007 para 2008, quando a Metra assumiu não só a administração dos terminais, mas também – acreditem – a conservação viária do corredor.
Foto: RMTC/Divulgação
GOIÂNIA
A gestão dos terminais integrados de Goiânia (GO) é feita pelo setor empresarial de transporte e tem modelo semelhante ao de São Paulo. A administração é privada, mas há dotação orçamentária pública. São 14 terminais geridos pela Redemob Consórcio (antiga Rede Metropolitana de Transporte Coletivo de Goiânia – RMTC), formado por empresas, pública e privadas.
RIO DE JANEIRO
Nos tempos áureos, entre 2011 e 2016, quando o sistema BRT do Rio de Janeiro era modelo para todo o País e mundo, a cidade teve os terminais integrados geridos pelo setor empresarial, o Consórcio Operacional BRT. Faziam a gestão, também com dotação orçamentária certa, dos TIs existentes nos corredores de BRT TransOeste, TransCarioca e TransOlímpica. O Terminal Alvorada, que atende aos três corredores, é um dos exemplos. Atualmente, entretanto, todo o sistema do Rio sofre com problemas operacionais provocados por uma guerra travada entre o setor empresarial e a Prefeitura do Rio de Janeiro.