Nossa diferença é que vivemos em busca da eficiência, diz Luís Valença, da CCR

Publicado em 20/10/2019 às 10:50 | Atualizado em 20/04/2021 às 11:11
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Concessões públicas de sistemas metroferroviários têm virado tendência no País. Pandemia de covid-19 só potencializou esse movimento. Metrô Bahia é um exemplo - FOTO: CCR/DIVULGAÇÃO
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Metrô da Bahia é um dos quatro sistemas metroferroviários operados pela CCR Mobilidade. Fotos: CCR/Metrô Bahia  

ENTREVISTA/Luís Valença - presidente da CCR Mobilidade

“Nossa diferença é que vivemos em busca da eficiência”

Eficiência, eficiência e eficiência. Essa é a palavra dominante nas concessões públicas dos sistemas metroferroviários. A busca dela, aliás, é o mantra da operação privada. Tudo e todos vivem em função dela. Quem ensina é Luís Valença, presidente da CCR Mobilidade, braço do Grupo CCR que hoje opera cinco dos sete equipamentos concedidos à iniciativa privada no País. As Linhas 4 (Amarela), 5 (Lilás) e 17 (ainda em implantação), em São Paulo, o VLT Carioca, no Rio de Janeiro, e o Metrô da Bahia, referência atual de operação privada exitosa. “Nós vivemos em busca da eficiência. Transportamos, atualmente, 1,8 milhão de passageiros por dia. O nosso sentimento é de que estamos fazendo um trabalho espetacular. E vemos a sinalização de mais concessões públicas como uma oportunidade espetacular”.

JC – Como funciona a concessão pública nas Linhas 4 (Amarela) e 5 (Lilás)?

LUÍS VALENÇA – Na Linha 4 (Amarela), a primeira PPP metroferroviária do Brasil, cujo contrato foi assinado em 2006, foi feita uma divisão de investimentos entre o Estado e a concessionária. A concessionária (ViaQuatro)ficou com os trens e o sistema de sinalização, enquanto o Estado fez todo o resto: a obra civil, os equipamentos e demais sistemas (as subestações). Se tornou uma PPP porque havia uma necessidade de complementação de dinheiro pelo Estado por meio de um contraprestação pecuniária. E assim foi montada a concessão da Linha 4, uma PPP que tinha parcela do investimento e obrigação de operar e manter por 30 anos sob determinadas condições e indicadores de performance. Já a Linha 5 (Lilás) e a 17, que ainda está em implantação, operadas pela ViaMobilidade, são concessões puras porque 100% do investimento foi feito pelo poder público e a gente entrou para operar e manter esse sistema por 20 anos. Mas teremos que fazer um pequeno investimento, que é a ampliação da Estação Santo Amaro, na integração com a Linha 9 da CPTM. O aumento da demanda de passageiros com a operação da Linha 5 criou um estrangulamento que teremos de resolver. É uma concessão onerosa, porque pagamos R$ 550 milhões pelo direito de outorga. Ganhava a concessão quem pagasse mais pelos investimentos feitos pelo Estado. As duas concessões têm uma característica importante que é a tarifa técnica, que significa que a gente recebe um valor fixo por passageiro transportado, independentemente da gratuidade. Ou seja, não importa se o passageiro é estudante e paga meia tarifa, se é idoso, se veio da integração. Nós recebemos por aquele passageiros transportado. Não vamos entrar em detalhes porque cada um faz uma conta considerando indicadores de performance, de eficiência e de manutenção, que podem fazer com que esse valor suba um pouquinho, mas é um valor técnico. Ou seja, não tem influência naquilo que o passageiro efetivamente paga para usar o serviço. A tarifa pública que está em vigor hoje não tem nenhuma conexão com a tarifa técnica da concessão. Portanto, se o governo decidir aumentar a tarifa para a população não interfere na nossa receita. Se decidir reduzir, também não mexe na nossa remuneração.

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  A tarifa técnica é inferior à pública. Enquanto a tarifa pública do metrô é R$ 4 a nossa é um pouco acima da metade desse valor no caso da Linha 4 (Amarela). Na Linha 5 é menor ainda porque o valor da tarifa técnica não teve que remunerar nenhum investimento adicional porque é uma concessão onerosa. O valor da tarifa foi pré-definido durante o processo de licitação e, portanto, é bem inferior. Não significa, entretanto, que o arrecadado com a tarifa vá direto para a linha porque é preciso considerar as remunerações, como as integrações com os ônibus ou com outras linhas de metrô, já que o sistema é fechado e as integrações são gratuitas. Ou seja, a tarifa que você paga precisa ser dividida com as linhas de metrô que você usou. E a diferença que porventura exista entre o que o passageiro pagou e o que foi pago ao operador se transforma numa espécie de subsídio direto ou indireto, que precisa ser bancado pelo Estado. Portanto, ele tem o poder político de reduzir a tarifa se entender assim. Seja como política pública ou entendimento de que a população não pode pagar aquele valor e subsidiá-lo. O operador vai receber sempre um valor pré-definido por estar cumprindo seu papel. Esse é o modelo de concessão que está implementado em São Paulo.

JC – Quais os principais desafios da operação e ampliação dos sistemas metroferroviários no País? As concessões são uma tendência?

LUÍS VALENÇA – Nós estamos apostando muito nesse mercado. A CCR nasceu com concessões rodoviárias no final dos anos 90 e entramos no negócio de mobilidade com a Linha 4 (Amarela), que foi a nossa primeira concessão. De lá para cá, além das concessões de São Paulo, nós temos o Metrô da Bahia, uma participação no VLT Carioca, no Centro do Rio de Janeiro, que também é uma operação ferroviária, um projeto muito bem percebido pela população, que está com dificuldades regulatórias, mas que vamos superá-la. Isso a gente aprendeu a dominar. Hoje, conhecemos profundamente e desenvolvemos um know how próprio de atendimento, operação e manutenção, assim como de investimentos. O maior desafio é manter e operar um sistema complexo como é o metroferroviário. Naturalmente que, com esse conjunto de concessões, já temos uma grande escala em operação. Atualmente, nós respondemos pelo transporte de 1,8 milhão de passageiros por dia, já temos mais de mil carros de veículos metroferroviários. Isso é o somatório de todos os sistemas operados pela CCR Mobilidade: Metrô Bahia, com 40 trens, Linha 4 com 29 trens, Linha 5 com 34, e os 32 VLTs do VLT Carioca. Quando todas as nossa concessões estiveram operando teremos mais de mil veículos. Isso significa que nós temos uma capacidade de engenharia de planejamento, de análises técnicas, melhorias, manutenção preventiva e corretiva numa grande escala, o que nos permite agir com assertividade e um custo unitário muito mais baixo do que operadores que são obrigados a fazer operações isoladas de um conjunto maior. E isso faz muita diferença. No início foi muito difícil. Nos valemos das parcerias. E a primeira e mais importante delas foi com o Metrô de Paris. Trouxemos toda a equipe da RATP para nos ensinar a operar, principalmente, a desenvolver a tecnologia de operação e manutenção de um dos sistemas mais modernos do mundo, que é o driverless (sem condutor) da Linha 4, que também tem portas de plataformas. Depois que aprendemos com os franceses e com outros consultores de diversos operadores públicos que trouxemos para participar do nosso projeto, adquirimos uma competência muito grande. Temos profissionais extremamente qualificados. Um colaborador da área de manutenção, por exemplo, precisa de seis meses de treinamento. O de operação, que é o nosso agente de atendimento e de segurança, enfrenta três meses de treinamento. Ou seja, um operador que quer ser eficiente precisa investir em tecnologia e qualificação dos funcionários. Porque o valor da tarifa técnica tá definido, a quantidade de passageiros também está definida, ou seja, não adianta fazer propaganda ou oferecer alguma promoção que eu vou conseguir modificar muito a receita. Eu preciso é reduzir o custo para alcançar o retorno esperado. Por outro lado, é um setor previsível. Não há solavancos de demanda nem de custos. É uma tecnologia muito sofisticada, que permite saber quanto gastaremos esse ano e no ano que vem, por exemplo. Pode haver variações, mas são muito poucas, como o consumo de energia, que é um item relevante do custo. Mas de forma geral é tudo muito previsível. O grande desafio de um sistema desses é a competência de engenharia metroferroviária.

 

   

Na Linha 4, por exemplo, estamos operando com intervalos abaixo de 100 segundos no horário de pico. No pico do pico, no fim da tarde, perto das 18h, conseguimos intervalos de 98 segundos. Ou seja, disponibilizamos um metrô a cada 98 segundos, um atrás do outro, transportando mais de mil pessoas em cada um desses trens. É um negócio que requer muita tecnologia, inovação e engenharia. É o maior desafio. Na operação, como operadores privados, temos que remunerar o capital do acionista e só tem dois truques para conseguir isso: reduzir o custo, porque a receita já está definida. Eu tenho que reduzir meu custo pensando a longo prazo, porque em dez, 15, 20 anos, eu estarei lá, como é o caso da Linha 4, que vou operar durante 30 anos. Assim, preciso fazer com que o meu custo total de propriedade seja observado. Por isso, às vezes eu posso gastar mais do que o operador que não pensa como a gente porque ao longo do tempo terei um equipamento mais bem preservado. É como cuidar de uma casa. É melhor você pintar de tempos em tempos do que esperar a pintura ficar totalmente ruim e ter que refazer a residência inteira. O outro truque é a satisfação do cliente. Eu não vou administrar meu custo causando impacto para o nosso cliente. É fundamental que ele esteja satisfeito. Além de ter uma pesquisa de satisfação que faz parte do cálculo da tarifa – e ela é realizada semestralmente por um órgão independente e acompanhado pelo poder concedente –, eu tenho que manter o cliente satisfeito. E o que faz um cliente do serviço de transporte ficar satisfeito? O trem no horário, que permita ele embarcar no primeiro veículo, que tenha o mínimo de conforto, que o trem não pare, não quebre, que as escadas rolantes funcionem, que a linha e a estação estejam limpas, que ele esteja bem informado pelas placas de sinalização e que, quando houver qualquer dificuldade, tenha um colaborador nosso, feliz, pronto e simpático para atender às necessidade dele.

É tanto que, na composição dos cargos, por exemplo, todos os nossos agentes são chamados de agentes de atendimento e manutenção, agentes de atendimento e segurança, e até agentes de atendimento e higiene. Temos algumas unidades em que a equipe de limpeza é própria. Prestar um serviço de qualidade é tão importante que decidimos não terceirizar algumas áreas.

JC – Mas, assim como muitos metrôs públicos, suas composições andam lotadas no horário de pico. Qual a taxa de ocupação das linhas operadas pela CCR?

LUÍS VALENÇA – Se você pegar o pico médio, não ultrapassamos quatro passageiros por metro quadrado. O índice de conforto mundial é quatro passageiros por metro quadrado. Até seis passageiros é aceitável. Oito ou dez por metro quadrado é inimaginável. E, no nosso caso, falo em média. Pode ter um trem que tenha 5,5 passageiros por metro quadrado e outro com 3,5 passageiros por metro quadrado. Isso porque as pessoas não se deslocam num volume contínuo. Basta ter uma concentração maior de passageiros, como a chegada de um trem da CPTM com oito carros para fazer integração, e coincidir com a saída de um trem já um pouco cheio, por exemplo. Mas, em média, temos uma ocupação de quatro passageiros por metro quadrado. E temos tudo isso controlado. Quando acontece, injetamos mais trens. O nosso sistema permite isso. E a gente reduz o intervalo. Já teve dia de a gente operar com 95 segundos de intervalo. Porque isso é um índice de conforto para a gente, para o nosso cliente. Não queremos perdê-lo. O passageiro da Linha 4, por exemplo, dá uma nota entre 93% e 94% de satisfação. Os nossos sistemas andam cheios e é bom que sejam assim porque eles remuneram adequadamente, mas isso não significa que ele esteja com a qualidade comprometida.

JC – Na avaliação de vocês, as duas linhas operadas pela iniciativa privada são melhores, têm mais qualidade, mais conforto do que as linhas públicas?

LUÍS VALENÇA – Basta ver as nossas pesquisas de satisfação e comparar com as das outras linhas. A pesquisa de satisfação é um indicador muito correto porque ela usa a mesma metodologia de cálculo para todas as linhas, sejam as concedidas ou as públicas. O nosso sentimento é de que estamos fazendo um trabalho espetacular. Algo que realmente não existia antes como sistema de transporte público. Nós mudamos a característica do transporte público com a nossa presença. Nós trouxemos, por exemplo, o sistema bilíngue. Somos a primeira linha no País a anunciar em inglês e português. Os outros nos copiaram. E digo isso embasado na opinião do nosso passageiro, que tem altos índice de aprovação nas pesquisas e demonstra isso em conversas e com a nossa ouvidoria, por exemplo.    

 

    JC – Como vocês estão vendo essa sinalização do governo federal de que vai, sim, conceder os sistemas metroferroviários públicos à iniciativa privada? São sistemas pobres, carentes, mas pela sua experiência, eles têm algum tipo de atrativo? Especificamente o do Recife?

LUÍS VALENÇA – As informações que eu tenho são muito preliminares porque o processo está bem no início, acabou de entrar no PPI, e os poucos contatos que eu tive com os agentes públicos do governo federal mostram que será um processo que vai passar por um saneamento ou uma reorganização para permitir que essas operações sejam transferidas para os governos estaduais e, posteriormente, para a iniciativa privada, se assim for viável. Sabemos também que tem um banco contratado para realizar a modelagem econômica-financeira, o que vai permitir fazer uma avaliação mais precisa de quais concessões vão ser mais ou menos atrativas para a iniciativa privada. Nós achamos que tem muita oportunidade e nós vamos olhar todas. Seguramente, existe no meio de todas essas operações, tanto da CBTU como da Trensurb, grandes oportunidades e nos vamos aproveitá-las. Agora, há desafios a serem vencidos que esse processo de privatização vai ter que trabalhar. São sistemas antigos, que estão precisando de investimentos para melhorar a qualidade do serviço e, principalmente, aumentar a oferta. No momento em que esses investimentos forem feitos – e o Estado vai ter que fazê-los, seja com capital próprio, dependendo da modelagem, ou do parceiro privado – é que se definirá por uma concessão pura ou uma PPP. São os estudos de modelagem que irão definir.

 

Metrô da Bahia ficou parado por 14 anos. Grupo CCR assumiu concessão pública e, depois de cinco anos de operação, projeto virou referência no setor  

Naturalmente, será necessário fazer investimentos para atrair mais passageiros e, principalmente, transportar mais pessoas. Para isso terá que haver redução de intervalos, melhoria da qualidade, do nível de falhas, de conforto térmico. Os nossos trens em São Paulo, por exemplo, têm controle térmico digital. Entre nossos passageiros nós temos homens de terno, de gravata, executivos, mulheres de tailleur e salto alto, que a gente conseguiu atrair pela qualidade do serviço. Então nada impede que a CBTU, tanto do Recife como de Belo Horizonte, assim como a Trensurb, consigam o mesmo efeito. É claro que vai levar um tempo, mas nos acreditamos que com investimentos e uma reorganização do transporte público nas regiões metropolitanas dessas cidades é possível atrair mais passageiros, o que vai tornar plenamente viável a participação da iniciativa privada. E vai haver concorrência certamente. Não significa que nós vamos ter que nos interessar por todos os lotes nem conquistar todos eles, mas esperamos conquistar aqueles que estiverem dentro da nossa visão como os mais adequados para o nosso portfólio.

JC – A integração com modais diferentes – além do metrô e trem – é fundamental para os sistemas metroferroviários? Pergunto porque, no caso do sistema do Recife, a integração com o ônibus chega a ser prejudicial para o metrô

LUÍS VALENÇA – Não existe possibilidade de um único modal, individualmente, resolver o problema do transporte público nas grandes cidades. Então você precisa ter sistemas estruturantes e sistemas complementares. Ônibus, metrô, monotrilho, VLT. Se quiser, pode ampliar para a micromobilidade, incluindo a bicicleta, o patine, o Uber e o táxi. Tudo isso tem que funcionar organizado. Porque se não for organizado faremos o mau uso de toda a infraestrutura que o Estado investiu para servir à população. A organização a que me refiro é o controle do poder público. Só ele e mais ninguém. Nós somos concessionários de serviços públicos. Portanto, estamos no setor porque fomos contratados pelo Estado para prestar um serviço público à população com a qualidade e a oferta que ele determina. Por isso que a gente faz a diferenciação. Isso aqui não é um negócio privado. Não é um restaurante, não é um hotel, onde eu posso definir se hoje vou fechar ou não, se vou oferecer mais ou menos serviço. Eu trabalho para o Estado, sou um contratado dele. 100% dos investimentos que são feitos nessas concessões, nos trens, nos sistemas, nas obras, são do Estado. Os trens que a ViaQuatro comprou para a Linha 4 (Amarela) em São Paulo, por exemplo, pertencem ao governo estadual. No final da concessão, nos vamos ter que devolver tudo para ele. O mesmo acontece em Salvador. 100% do investimento feito nas Linhas 1 e 2 do Metrô da Bahia será devolvido ao governo baiano. Então, é o Estado quem tem que organizar tudo isso. O que a gente espera no futuro – e essa discussão já vem esquentando ao longo dos anos – é que os governos, os poderes concedentes, assumam o protagonismo e a responsabilidade de fazer essa organização porque esse é o papel deles. Principalmente nas regiões metropolitanas, nas secretarias de transporte, nas prefeituras desses grandes centros. Ou seja, é fundamental ter a integração e uma política tarifária que permita ao passageiro, de preferência, pagar uma única vez e sair da sua origem ao seu destino de um jeito organizado, previsível e com qualidade. Também é importante racionalizar porque tem o subsídio e, se ele não reduzir custos, o Estado estará pagando duas vezes: fez o investimento e o subutilizou. Portanto, terá que pagar mais caro para o operador.  

  JC – Quem é contra a concessão pública dos sistemas metroferroviários argumenta que o modelo beneficia o setor privado porque o poder público prepara toda a infraestrutura e depois simplesmente repassa para a iniciativa privada operar...

LUÍS VALENÇA – Eu não sei a origem de afirmações desse tipo, mas certamente elas não são suficientes para explicar o que acontece. Se você pegar um modelo em que 100% do investimento foi feito pelo concessionário, isso não se aplica, como foi o caso do Metrô da Bahia. Lá, nós assumimos a responsabilidade e fizemos os investimentos superiores a R$ 5,6 milhões durante quatro anos. Investimos para recuperá-lo ao longo de 30 anos, transportando passageiros de forma eficiente. Temos uma grande dificuldade porque precisamos de uma receita superior ao custo e essa diferença precisa ser suficiente para pagar não só o investimento, mas também o endividamento feito com bancos multinacionais, por exemplo. Então, essas afirmações não se aplicam. Vamos falar da CBTU do Recife, por exemplo. O investimento já foi feito pelo Estado, a manutenção e a atualização – provavelmente – não estão em níveis satisfatórios, a tarifa estava muito baixa e começou a ser reajustada gradativamente. Não deve atrair a quantidade de passageiros suficientes que permita utilizar a oferta adequada que aquele equipamento tem. Então, essa conta está desequilibrada e não pode continuar assim. Ou o Estado investe e, principalmente, o operador público busca eficiência, ou vai sempre acontecer um processo de buscar uma outra alternativa, que é a iniciativa privada. Por isso nós estamos sempre buscando a eficiência. Não tem outro jeito porque, se não for assim, a gente quebra. Nós temos obrigações a cumprir. A diferença é que o operador público nunca quebra. Ou ele aumenta a tarifa ou aumenta o subsídio. Mas continua operando.  

Linhas Amarela e Lilás, do Metrô de São Paulo, têm inúmeros espaços com exploração publicitária, que geram uma receita extra-tarifária. Fotos: Roberta Soares
IMG_0741 - Linhas Amarela e Lilás, do Metrô de São Paulo, têm inúmeros espaços com exploração publicitária, que geram uma receita extra-tarifária. Fotos: Roberta Soares
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  JC – Algo que chama atenção nos sistemas operados por vocês é que há muita exploração dos espaços comerciais para gerar receita externa. É uma estratégia eficiente?

LUÍS VALENÇA – Faz parte da modelagem da concessão e de toda e qualquer operação bem sucedida de transporte público. Vemos essa estratégia pelo mundo afora e, no Brasil, em São Paulo, no Rio de Janeiro e, agora, na Bahia. Isso é pró-modicidade da tarifa e já está previsto nas modelagens. É uma receita complementar fundamental para equilibrar a equação receita X custo. E ajuda muito. É relevante. Responde, dependendo do modelo, de 5% a 10% da receita total, podendo até ser mais. Isso considerando apenas a exploração dos espaços dentro dos trens e das estações. Há outras possibilidades no sistema metroferroviário. Às vezes, para fazer a construção de um equipamento desse porte é necessário desapropriar terrenos muito grandes onde podem ser construídos empreendimentos imobiliários mais sofisticados. Têm países por aí em que as estações de metrô e trens são shoppings centers. Você constrói um shopping integrado com a estação aproveitando o terreno desapropriado. E essa não é uma estratégia apenas dos operadores privados. O Metrô de São Paulo, por exemplo, que é público, tem a mesma estratégia. Também faz exploração imobiliária e publicitária, além de locação de espaços para lojas e quiosques, por exemplo. A diferença, de novo, é que nós estamos atrás de reduzir custos e aumentar a eficiência e a receita. Então, nós vamos vender de um jeito mais livre, mais eficaz. A gente vende mais e melhor. Porque estamos em busca disso. O órgão público, por sua vez, tem que fazer licitação, criar um processo competitivo, que seja transparente, que não venha um órgão de controle que questione por que baixou ou subiu o preço, quem participou, quem não, por que ganhou, por que perdeu. O privado não. Se aparece um que pague mais leva.  

 

SuperVia, sistema que atende a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, é um exemplo que enfrenta dificuldades. Foto: Agência Brasil
AndreGomesdeMeloGERJ-FOTO - SuperVia, sistema que atende a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, é um exemplo que enfrenta dificuldades. Foto: Agência Brasil
Linha 5 (Lilás) também é operada pela CCR
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  JC – E o Metrô da Bahia? Por que ele tem sido tão referendado no setor?

LUÍS VALENÇA – Ele começou pouco antes da Copa do Mundo de 2014. O contrato foi assinado no fim de 2013. A Linha 1 tinha seis quilômetros de trilho, quatro estações e seis trens. Por muitos anos incompletos e sem condições de operar. Já havia até uma degradação de equipamentos, com furtos e coisas dessa natureza. Do fim de 2013 até julho de 2014 a gente colocou esse sistema para operar. Os seis quilômetros com os seis trens e as quatro estações. E na Copa do Mundo recebemos os primeiros passageiros. Ainda com intervalos muito longos, mas o sistema já funcionava. De lá, até abril de 2018, a gente construiu todo o resto. Hoje temos duas linhas, 33 quilômetros de trilhos, 20 estações e oito terminais integrados de ônibus, novos, ampliados, totalmente integrados e transportando 370 mil passageiros por dia útil, em média. Ligamos o centro da cidade, na Lapa, até o aeroporto. E do centro até a região de Pirajá, na BR-324. É um Y. O que existia era do centro da cidade até o acesso Norte, conhecido como Rótula do Abacaxi. Nós ampliamos a partir daí. Da Rótula do Abacaxi ele divide. Uma linha vai para o aeroporto, que é a Linha 2, construída a partir de 2015 – e eu estava lá. A ordem de serviço foi dada pelo governo da Bahia em fevereiro de 2015 e, em abril de 2018, estava pronta com todas as estações. Passando por baixo de BRs e vias super complicadas e congestionadas. Por cima também porque o sistema tem trechos de superfície e outros elevados. São 40 trens, além dos seis que existiam. E mais um serviço de shuttle, gratuito, que conecta a Estação Aeroporto com o terminal de passageiros do Aeroporto 2 de Julho. Não foi possível, por uma questão de geografia, colocar a estação dentro do terminal como era desejado, como deveria ser em qualquer lugar do mundo. O aeroporto de Salvador fica entre duas pistas e para chegarmos até ele teríamos que passar por baixo de pistas de pouso e de um parque, com uma área de preservação muito grande na região de Itapuã. Então colocamos um serviço de ônibus de qualidade, com veículos no padrão do serviço aeroportuário, que percorre em três minutos o trecho entre a estação e o terminal, com intervalos de até dez minutos. E há uma integração tarifária com o sistema de ônibus que permite ao passageiro pegar, por exemplo, três modais diferentes – ônibus, metrô e ônibus – pagando uma única tarifa e usando um único cartão, a mesma forma de pagamento.

JC – Houve um planejamento para a escolha do traçado da segunda linha do metrô da Bahia ou ela foi mais uma adaptação, como aconteceu na Região Metropolitana do Recife, por exemplo?

LUÍS VALENÇA – O desafio de implantar um sistema metroferroviário desse porte em qualquer cidade é que ele entra onde existe mais congestionamento. A Linha 2 foi assim. Passou por locais que estavam totalmente congestionados, até porque Salvador era uma das cidades mais congestionadas do mundo. Estava entre as dez mais travadas. Então, foi muito difícil. Nós tivemos que construir muitos viadutos para desviar o trânsito e permitir que o trem passasse sem interferir no tráfego local. Foram muitas passagens inferiores, alargamentos, remodelagem de faixas de ônibus, construção de passarelas. Tudo isso faz parte desse tipo de investimento. Mas foi muito parecido com o projeto previsto. As adaptações que aconteceram foram muito pequenas, quase cosméticas. O Estado quem fez o estudo de demanda e definiu o melhor traçado. O privado não decide absolutamente nada. Nas concessões é assim. A gente recebe uma obrigação de construir e operar aquilo que já está definido. E a eficiência é mandatória. Porque, se não, você quebra. E não tem jeito porque o Estado não vai te salvar. Ele vai cumprir a obrigação dele. E olhe lá... Porque tem alguns que não cumprem.

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