Retirada de cobradores dos ônibus é acelerada na Região Metropolitana do Recife

Publicado em 07/11/2019 às 15:01 | Atualizado em 08/05/2020 às 15:40
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Em maio, eram 58 linhas sem cobrador. Até o dia 5 de novembro o total chegou a 126. Motoristas têm acumulado a função. Já são 346 dirigindo e passando troco. Fotos: Filipe Jordão/JC Imagem  

A retirada dos cobradores dos ônibus da Região Metropolitana do Recife foi retomada com uma impressionante agilidade pelo governo de Pernambuco. Suspenso em 2017 pessoalmente pelo governador Paulo Câmara (PSB) – por entender que a rede de vendas de cartões e créditos eletrônicos do VEM não era suficiente –, o processo ganhou força no último mês e, sem uma ampla divulgação, 126 linhas de ônibus passaram a operar sem cobradores no Grande Recife. Em maio passado, eram 58 linhas. Desde o dia 19 de outubro outras 60 linhas perderam o profissional. O restante tinha passado pela mudança anteriormente. Além disso, 346 motoristas estão acumulando a função de cobrador – ou seja, dirigem, recebem dinheiro e passam troco aos passageiros.

A pressa do governo de Pernambuco – gestor do transporte público da RMR – tem um objetivo: diminuir o custo do sistema e, consequentemente, reduzir os R$ 250 milhões injetados anualmente como subsídio. E, com o apoio do setor empresarial – no caso o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) –, está trilhando esse caminho. As 126 linhas que estão sem o cobrador representam 32% do total de linhas do sistema – atualmente com 399. Em relação à frota de ônibus, já são 17,92% do total de coletivos que estão com a nova configuração operacional – aproximadamente 3 mil veículos.  

 

  O Grande Recife Consórcio de Transportes (GRCT) tem respostas para todos os questionamentos sobre o processo. Segundo o órgão, o projeto de adequação tecnológica levou em consideração linhas com baixo número de pagamento em dinheiro por viagem. A maior parte das linhas teria uma média de zero a sete passageiros pagantes em dinheiro. Em outras, essa demanda oscilaria entre oito e 11 passageiros pagantes em espécie. A retirada, entretanto, está sendo decidida e autorizada pelo próprio órgão porque, segundo o Estado, não é necessário submeter o processo ao Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM), colegiado que conta com a participação da sociedade civil e que autoriza as principais mudanças do setor de transporte.    

 

Pelo menos oficialmente, não há um número definido de linhas que perderão o cobrador ou que irão operar com o motorista na dupla função. Isso porque, segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Marcelo Bruto, o processo está ocorrendo de maneira gradativa, obedecendo a critérios técnicos e ao cronograma elaborado pela equipe do Consórcio. O secretário também garante que a informação que tem – repassada pelo setor empresarial e pelo órgão gestor – é que a população está sendo amplamente informada sobre a retirada dos cobradores. E mais: que todo o processo foi validado por um acordo coletivo de trabalho firmado ano passado e este ano com o Sindicato dos Rodoviários.  

 

“Existem critérios técnicos para que essas linhas operem sem cobradores e os motoristas acumulem função. O que buscamos é modernizar o sistema – até porque a tecnologia permite isso – e, ao mesmo tempo, reverter toda essa economia em benefícios para o passageiro, o que já vem acontecendo. A refrigeração da frota é um exemplo. Se conseguirmos reduzir o subsídio que o Estado hoje coloca no sistema, esse valor poderá voltar como melhoria do serviço para o usuário”, argumenta Marcelo Bruto.

Cálculos feitos pelo Consórcio a pedido da reportagem indicam que, com as linhas que atualmente operam sem cobrador, seria possível reduzir a passagem de ônibus em R$ 0,05. A planilha tarifária de 2019 foi calculada com 7,71% da frota sem o profissional. Caso fosse aplicado o percentual atual – de 17,92% – seria possível ter uma tarifa 1,51% mais barata, ou seja, R$ 0,0543 a menos. Isso significa que o valor do Anel A seria de R$ 3,40. Marcelo Bruto, entretanto, pondera ser mais fácil reverter o ganho em melhorias no serviço do que na redução do valor da tarifa. “Falar em redução de passagem é mais difícil porque o setor só acumula perdas de demanda e aumento dos custos”, pondera.

 

Os veículos com duas catracas já são uma adaptação p a dupla função dos motoristas e a retirada dos cobradores
10 - Os veículos com duas catracas já são uma adaptação p a dupla função dos motoristas e a retirada dos cobradores
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Embora o processo de retirada dos cobradores seja uma realidade mundial e uma tendência no Brasil, estimulada pelo avanço da tecnologia nas formas de pagamento da tarifa e pelo apelo da segurança ao reduzir a circulação de dinheiro nos coletivos, rodoviários e passageiros não têm aprovado a mudança. A reportagem andou em algumas linhas circulares (no Centro do Recife) que estão operando sem cobrador, com o motorista acumulando a função, e só ouviu reclamações. De todos: operadores e passageiros. A desatenção a que é submetido o motorista ao passar troco e a dificuldade em comprar e carregar o cartão VEM são as principais queixas. “A rede de vendas de créditos ainda não é suficiente e pagamos taxas para fazer a maior parte das recargas. Precisa melhorar. Em relação ao motorista passar troco, acho perigoso porque ele tira a atenção do volante. E, se for esperar receber o dinheiro e passar o troco, a viagem atrasa muito”, diz a babá Ednir Rocha da Silva.  

 

MPPE CONVOCA REUNIÃO E MPT APURA POSSÍVEIS IRREGULARIDADES

Por mais que o governo de Pernambuco garanta que a retirada dos cobradores dos ônibus e o acúmulo de função pelos motoristas estejam sendo adotados gradativamente e seguindo parâmetros técnicos, o assunto tem gerado muita polêmica, protestos na cidade por parte dos rodoviários e desconfiança entre as instituições fiscalizadoras. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), um dos atores fundamentais para a suspensão da retirada dos cobradores em 2017, por exemplo, já convocou a Urbana-PE e o governo do Estado para repassarem informações sobre a retomada do processo. Foi motivado pelos protestos realizados pelos motoristas e cobradores na semana passada.

 

Atualmente, 17,92% da frota de ônibus está operando sem cobrador o que, no cálculo da tarifa, poderia representar uma redução de 1,51% no valor da tarifa, o que significa R$ 0,05 a menos no Anel A, por exemplo. Foto: Sérgio bernardo/Acervo JC Imagem

“Entendemos que o pagamento eletrônico das passagens é um processo irreversível e bom para o passageiro. E a tecnologia está aí para permitir esse avanço. O processo é bom e precisa vingar, mas precisa ser acompanhado de perto para garantir o acesso do passageiro. Instauramos um inquérito civil lá atrás e diversas garantias ficaram acordadas, como uma ampla rede de vendas de cartões e de créditos, por exemplo. Precisamos checar se elas estão sendo cumpridas e é isso que vamos fazer”, garantiu o promotor de Transportes, Humberto Graça. Ao mesmo tempo, o Ministério Público do Trabalho (MPT), provocado pela diretoria recém eleita do Sindicato dos Rodoviários, instaurou um procedimento preparatório -  que poderá resultar num inquérito civil  - para apurar se está havendo demissão em massa dos cobradores – o que a categoria garante que está acontecendo – e se há ilegalidade na convenção coletiva que validou a dupla função dos motoristas. “O governo garante que não, mas os cobradores estão sendo demitidos sim e em massa. O setor empresarial está mentindo e dispensando os cobradores. Por isso fizemos a denúncia ao MPT. Essa foi a nossa principal bandeira e o que garantiu a nossa eleição. Vamos lutar por ela com força para garantir o direito ao passageiro de escolher como quer pagar a passagem e garantir o emprego e a saúde dos motoristas e cobradores. Imagine você dirigir e passar troco e ganhar apenas R$ 135 a mais no mês por isso? É um perigo para todos, operadores e passageiros”, critica Aldo Lima, o presidente eleito do Sindicato dos Rodoviários. A Urbana-PE garantiu, mais uma vez, que não tem demitido os cobradores como ficou acertado e que a dupla função foi legitimada em acordo coletivo. Voltou a defender o processo de retirada de dinheiro dos ônibus. “A modernização e ampliação da rede de venda de créditos eletrônicos têm sido um dos principais investimentos do setor ao longo dos últimos anos. Entendemos que a rede atual já é adequada à demanda, mas continuamos buscando novas soluções tanto para pontos de venda quanto para meios digitais de recarga, de forma a dar maior capilaridade à rede e oferecer o serviço de recarga de créditos onde estão os passageiros”, disse por email.

       

Sobre a rede de vendas, informou possuir o Posto de Atendimento VEM na Rua da Soledade, na Boa Vista, cem máquinas de autoatendimento nas estações de BRT, terminais de integração e shoppings, 65 equipes de venda do VEM nesses mesmos espaços e 3.400 pontos de venda de redes parceiras espalhados pelo Grande Recife. Além disso, o site vemgranderecife.com.br para recarga do VEM Trabalhador e do VEM Estudante, e os aplicativos Cittamobi, Recargapay e Rede Ponto Certo para recarga do VEM Comum e do VEM Estudante.

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