Estudo do Ipea e ITDP mostra que o transporte público é o grande indutor da redução de desigualdades. Fotos: Brenda Alcântara/JC Imagem
O argumento de que sem transporte as pessoas não vão, não chegam, não têm acesso ao trabalho, à escola, faculdade, médico ou a qualquer tipo de lazer se confirma mais uma vez. Agora no estudo Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras – 2019, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). O levantamento é um dos primeiros resultados do Projeto Acesso a Oportunidades, e faz um retrato das desigualdades na busca por oportunidades nas maiores cidades brasileiras no ano de 2019, com estimativas de acesso a empregos, serviços de saúde e educação. O Recife está entre elas.
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No geral – e sem gerar surpresas, é preciso destacar –, constata-se que o Brasil segue se preocupando em reduzir os congestionamentos do trânsito – numa clara demonstração de privilégio ao automóvel – e esquece da acessibilidade urbana em si, que é algo mais amplo e envolve outros modais bem mais utilizados pela população, como o transporte coletivo, a bicicleta e a caminhada. O estudo, inclusive, destaca que o grande indutor da redução de desigualdade nas cidades é o transporte público.
E tem mais: os resultados obtidos pelo Ipea e ITD apontam que a periferia é quem paga a conta. É nela onde ficam os excluídos das oportunidades porque, em geral, o transporte público e as ciclofaixas não chegam. E, por consequência, as oportunidades de emprego, saúde e lazer também não são oferecidas, num ciclo perverso e viciado. A educação se faz mais presente, pelo menos no caso do ensino infantil e fundamental. A saúde básica também. Mas, mesmo assim, a exclusão é grande. Os pesquisadores concluem no estudo que há um abismo de desigualdades entre o centro e a periferia das cidades, com o primeiro dispondo de mais transporte e atividades em geral, enquanto o segundo vive isolado. As periferias chegam a ter o que os dois institutos denominam desertos de oportunidades.
“Os resultados revelaram dois padrões gerais. Em todas as 20 cidades estudadas há uma concentração de atividades nas áreas urbanas centrais que tem relação direta com a oferta de redes de transporte. Em contraste com regiões de periferia marcadas por desertos de oportunidades por apresentarem baixos níveis de desenvolvimento e por serem menos servidas de infraestrutura urbana e transporte público. Por isso o acesso à mobilidade urbana é tão importante. Principalmente ao transporte público, um indutor da redução da desigualdade. Quanto mais transporte é oferecido, mas fácil é acessar oportunidades de emprego, serviços de saúde, educação e lazer”, destaca Bernardo Serra, gerente de Políticas Públicas do ITDP e um dos colaboradores do estudo.
As conclusões perversas não param por aí: a discrepância entre renda e raça/cor é ainda mais gritante. “A população rica e branca tem sistematicamente maior acesso a oportunidades do que pessoas negras e de baixa renda. E esse resultado foi percebido em todas as cidades analisadas”, diz Bernardo Serra. O estudo Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras – 2019 faz estimativas de acessibilidade por modos de transporte ativo (a pé e de bicicleta) para as 20 maiores cidades do País, e por transporte público para sete grandes cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba. O objetivo é disponibilizar o material para guiar o planejamento e avaliação de políticas públicas que promovam cidades sustentáveis e inclusivas.
Ao analisar o acesso a emprego em até 30 minutos de caminhada, os pesquisadores identificaram São Paulo como a cidade mais desigual de todas, com o indicador maior que nove – isso significa que o número de empregos acessíveis aos 10% mais ricos em São Paulo é mais do que nove vezes maior do que o número de empregos acessíveis aos 40% mais pobres. Curiosamente, o Rio de Janeiro apresenta uma das menores desigualdades neste quesito, por conta da aglomeração da população de renda baixa próxima ao centro da cidade. Quando o assunto é educação, em todas as cidades, com exceção de Brasília, se gasta entre cinco e dez minutos de bicicleta para se chegar até uma unidade de ensino médio mais próxima, o que é menos mal.
No caso do Recife, a bicicleta se destaca em algumas análises do estudo porque, segundo os pesquisadores, a cidade é extremamente ciclável. Em até 30 minutos de caminhada, o recifense consegue acessar 18% das oportunidades de emprego. No transporte público esse acesso aumenta para 29% e, de bike, alcança 64%. O fato de o transporte público ter um percentual menor do que o da pedalada se justifica, segundo o estudo, porque as pessoas perdem tempo esperando o transporte.