DESAFIOS URBANOS

Por uma mobilidade metropolitana

No transporte público, no trânsito e na ciclomobilidade, os futuros prefeitos precisam pensar de forma integrada. Impossível a visão individualista das cidades

Roberta Soares Roberta Soares
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Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 11/10/2020 às 8:00
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Sob o recorte geral da mobilidade urbana, as gestões Paulo Câmara avançaram pouco. Muito pouco. Na verdade, o governador passou esses oito anos tentando resolver problemas e pendências variadas, muitas herdadas do governo anterior - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Enxergar além dos limites da cidade, buscar e pensar “metropolitanamente”. Essa precisa ser a lógica da mobilidade urbana adotada pelos futuros prefeitos que comandarão o Recife e as outras 13 cidades da região metropolitana pernambucana. É consenso para quem planeja e executa a mobilidade. Não só pela inclusão social que ela proporciona, mas também pelas características geográficas e econômicas da RMR. Impossível não exergá-la dessa forma. Integrada, ampla e metropolitana. No transporte público, no trânsito e na ciclomobilidade, principalmente. Esse é o recorte da quinta reportagem da série Desafios Urbanos, que o JC tem publicado para discutir, em tempo de eleições municipais, as urgências das cidades.

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A diarista Eronilda de Souza, 40 anos, não gosta, sequer, de cogitar a possibilidade de perder a integração do ônibus e do metrô para sair de casa, no município de São Lourenço da Mata, área Oeste da RMR. Chega a repreender a reportagem. Tanta aflição tem explicação. Gastaria, no mínimo, o dobro do valor que paga atualmente para trabalhar quatro vezes por semana nas Zonas Norte e Sul do Recife, e uma outra em Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, no Sul da RMR. Devido ao modelo integrado, paga apenas duas passagens por dia, embora use até seis transportes diferentes para ir e voltar. A perda de renda e de qualidade de vida da diarista seria certa, como ela mesmo reconhece. “Em São Lourenço da Mata não tem emprego. E quando tem, é subemprego. Temos que trabalhar no Recife mesmo. Só assim conseguimos manter a família com decência”, reforça.

 

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
A visão metropolitana é consenso para quem planeja e executa a mobilidade. Não só pela inclusão social que ela proporciona, mas também pelas características geográficas e econômicas da RMR - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Deixar de pensar de forma metropolitana seria algo até inoperável no caso do transporte público da Região Metropolitana do Recife. Um monstro que movimenta R$ 1,3 bilhão por ano, R$ 100 milhões por mês, em números de antes da pandemia, quando o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP) transportava 2 milhões de passageiros por dia. Por causa de histórias como a da diarista Eronilda, o recado da visão metropolitana é ainda mais direcionado ao Recife. Retirar a capital do consórcio seria promover a exclusão social de cidadãos recifenses que dependem da RMR, ainda mais dos metropolitanos. Nas últimas semanas, em meio à campanha eleitoral, a saída da capital do Consórcio de Transportes da Região Metropolitana do Recife (CTM), também chamado de Grande Recife Consórcio, ganhou fôlego no discurso político, assustando o setor.

É um retrocesso. É como se voltássemos aos anos 1970, quando foi criada a Região Metropolitana do Recife. Ou a 1979, quando foi fundada a ex-EMTU, que hoje é o Consórcio de Transporte Metropolitano. Estamos falando de 41 anos de operação. O transporte metropolitano é fundamental não só para as cidades da RMR, mas principalmente para o Recife, que embora seja a capital, tem apenas 40% da população da RMR. Nós temos uma região muito conurbada. Há ruas que, de um lado, são o Recife e, do outro, são Olinda, Jaboatão ou Camaragibe, por exemplo. A capital também tem uma área territorial pequena, já sem possibilidades de expansão. Por isso o objetivo sempre foi estimular o desenvolvimento da RM para que o Recife também pudesse crescer economicamente”,
Maurício Pina, diretor de Planejamento do CTM, professor de engenharia da UFPE e especialista em transportes urbanos

FELIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Maurício Pina, diretor de Planejamento do CTM - FELIPE JORDÃO/JC IMAGEM

“É um retrocesso. É como se voltássemos aos anos 1970, quando foi criada a Região Metropolitana do Recife. Ou a 1979, quando foi fundada a ex-EMTU, que hoje é o Consórcio de Transporte Metropolitano. Estamos falando de 41 anos de operação. O transporte metropolitano é fundamental não só para as cidades da RMR, mas principalmente para o Recife, que embora seja a capital, tem apenas 40% da população da RMR. Nós temos uma região muito conurbada. Há ruas que, de um lado, são o Recife e, do outro, são Olinda, Jaboatão ou Camaragibe, por exemplo. A capital também tem uma área territorial pequena, já sem possibilidades de expansão. Por isso o objetivo sempre foi estimular o desenvolvimento da RM para que o Recife também pudesse crescer economicamente”, alerta o diretor de Planejamento do CTM, Maurício Pina, professor de engenharia da UFPE e especialista em transportes urbanos.

THIAGO LUCAS/ ARTES JC
Arte Mobilidade Metropolitana - THIAGO LUCAS/ ARTES JC

LIMITAÇÕES HISTÓRICAS
Por outro lado, a discussão expôs as dificuldades e limitações do CTM, que depois de 12 anos de criação não conseguiu agregar os municípios da RMR e alcançar as inovações prometidas na sua criação. Um processo, vale ressaltar, que levou anos de elaboração e custou R$ 3 milhões aos cofres do Estado. E que, mesmo assim, não deu certo. Até hoje o CTM não mostrou qual a diferença para a antiga EMTU. Por tudo isso, inserir as cidades no consórcio é um dos principais desafios dos futuros prefeitos que quiserem fortalecer a visão metropolitana. Mas, para isso, terão que ter decisão política e desapego porque são muitas as críticas e obstáculos.

Nós estamos falando do terceiro maior sistema de transporte do Brasil. Ficamos atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. É irresponsabilidade defender a saída do Recife do CTM. Operacionalmente não tem como. Teríamos sobreposição de quase todas as linhas e o sistema não suportaria financeiramente. Por isso, é imprescindível estimular, buscar a integração e a participação das prefeituras. Esse é o caminho. Todos têm que se comprometer”,
Evandro Avelar, que presidiu a antiga EMTU, foi secretário das Cidades e esteve à frente de todo o processo de criação do CTM, elaborado e quase finalizado no segundo governo de Jarbas Vasconcelos

LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM
Evandro Avelar é assessor especial da Prefeitura de Olinda, na Região Metropolitana do Recife. - LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM

A primeira crítica é em relação à perda de capacidade de controle do Consórcio, que ficou sem a gestão financeira do sistema, por volta de 2008, quando o setor empresarial de ônibus ganhou, judicialmente, a gerência da bilhetagem eletrônica de toda a rede de transporte. E sem o Simop, o sistema de monitoramento da operação que o governo de Pernambuco arrasta há pelo menos cinco anos, o Estado perdeu ainda mais autonomia, outro ponto criticado. Para o corpo técnico de algumas prefeituras, são questões que fragilizam a confiabilidade do consórcio e adiam um possível ingresso.

Há quem entenda que a resistência das cidades em aderir ao consórcio se deva pela dificuldade dos prefeitos em se desprender de valores da antiga política, abrindo mão das vantagens de controlar um sistema de transporte municipal, por pior e menor que ele seja. “Essa é a grande questão. A pouca adesão dos municípios da RMR ao Consórcio se deve a essa dificuldade. Os prefeitos não querem abrir mão do poder sobre as linhas municipais. O aspecto financeiro também pesa porque os consorciados deveriam contribuir financeiramente para o sistema. Mas apenas o governo do Estado o faz”, lembra Maurício Pina.

O CTM nasceu com apenas três consorciados e segue com os mesmos até hoje: Estado, com 57,57%, Recife com 35% e Olinda com 7,43% das quotas do capital social do consórcio. Na concepção do modelo, o único do País e elogiado nacionalmente, as prefeituras participariam da gestão administrativa e, caso necessário, financeiramente. Seria o caso de subsídios para evitar novos reajustes tarifários, por exemplo. Mas nada disso acontece. Historicamente, o STPP não contava com subsídios. Somente após o início da operação consorciada de dois dos sete lotes licitados, em 2013/2014, é que a ajuda passou a ser oferecida para garantir o equilíbrio econômico financeiro dos contratos licitados e, mesmo assim, apenas pelo Estado. Recife e Olinda nunca colocaram subsídios. Por ano, o governo de Pernambuco vinha colocando R$ 250 milhões.

“Nós estamos falando do terceiro maior sistema de transporte do Brasil. Ficamos atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. É irresponsabilidade defender a saída do Recife do CTM. Operacionalmente não tem como. Teríamos sobreposição de quase todas as linhas e o sistema não suportaria financeiramente. Por isso, é imprescindível estimular, buscar a integração e a participação das prefeituras. Esse é o caminho. Todos têm que se comprometer”, alerta Evandro Avelar, que presidiu a antiga EMTU, foi secretário das Cidades e esteve à frente de todo o processo de criação do CTM, elaborado e quase finalizado no segundo governo de Jarbas Vasconcelos. Atualmente, atuando na Prefeitura de Olinda.

FONTES DE FINANCIAMENTO
Muitos defendem, ainda, que além de fortalecer o CTM, os futuros prefeitos se envolvam na criação de novas fontes de financiamento do transporte público - historicamente bancado apenas pela tarifa paga pelo passageiro. Já que somente os municípios podem destinar recursos de multas de trânsito, taxar o estacionamento de automóveis, a circulação de aplicativos e incorporar outras medidas, como as taxas de congestionamento, por exemplo, para fomentar um fundo de ajuda ao transporte coletivo. Outra medida fundamental é a implantação de faixas exclusivas para os ônibus, que só as gestões municipais podem adotar.

Não gosto nem de pensar na possibilidade de perder a integração nos ônibus e no metrô. Eu e minha família perderíamos muita qualidade de vida. Preciso trabalhar no Recife, é onde se paga os melhores salários. Onde moro não tem emprego. Só subemprego. Sem a integração meu custo com transporte seria, no mínimo, o dobro do atual",
Eronilda de Souza, diarista que mora em SLM e trabalha quatro dias na capital e um dia em Jaboatão

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Eronilda de Souza, diarista que mora em São Lourenço e trabalha quatro dias na capital e um dia em Jaboatão dos Guararapes - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

E olhando a Pesquisa de Origem e Destino da RMR de 2018, razões não faltam para todo esse esforço por parte dos futuros prefeitos do Grande Recife. A pesquisa de OD, como é conhecida, mostrou que quase 60% das pessoas da RMR usam o ônibus para ir ao trabalho e 18% para a educação. O carro, que até hoje tem 80% do sistema viário das cidades, responde por apenas 20% dos deslocamentos para trabalho e 15% para educação.

No recorte por faixa de renda, a necessidade de as prefeituras, incluindo o Recife, de investir cada vez mais na ampliação das redes de transporte, ofertando mais ligações e uma frota maior de ônibus, fica ainda mais evidente. O estudo mostra que o principal usuário dos coletivos são as pessoas que ganham até um salário mínimo. Principalmente nos deslocamentos para trabalho. Elas representam 34%. Quando é considerado o deslocamento de carro, o percentual de utilização entre os mais pobres cai para 0,41%. Ou seja, o transporte coletivo metropolitano precisa ser, de fato, mais do que o discurso correto dos futuros gestores da RMR.

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É um retrocesso. É como se voltássemos aos anos 1970, quando foi criada a Região Metropolitana do Recife. Ou a 1979, quando foi fundada a ex-EMTU, que hoje é o Consórcio de Transporte Metropolitano. Estamos faland

Maurício Pina, diretor de Planejamento do CTM, professor de engenharia da UFPE e especialista em transportes urbanos
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Nós estamos falando do terceiro maior sistema de transporte do Brasil. Ficamos atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. É irresponsabilidade defender a saída do Recife do CTM. Operacionalmente não tem como. Ter

Evandro Avelar, que presidiu a antiga EMTU, foi secretário das Cidades e esteve à frente de todo o processo de criação do CTM, elaborado e quase finalizado no segundo governo de Jarbas Vasconcelos
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Não gosto nem de pensar na possibilidade de perder a integração nos ônibus e no metrô. Eu e minha família perderíamos muita qualidade de vida. Preciso trabalhar no Recife, é onde se paga os melhores sa

Eronilda de Souza, diarista que mora em SLM e trabalha quatro dias na capital e um dia em Jaboatão
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Arte Mobilidade Metropolitana - FOTO:THIAGO LUCAS/ ARTES JC
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Eronilda de Souza, diarista que mora em São Lourenço e trabalha quatro dias na capital e um dia em Jaboatão dos Guararapes - FOTO:FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Não gosto nem de pensar na possibilidade de perder a integração nos ônibus e no metrô. Eu e minha família perderíamos muita qualidade de vida. Preciso trabalhar no Recife, é onde se paga os melhores salários. Onde moro não tem emprego. Só subemprego. Sem a integração meu custo com transporte seria, no mínimo, o dobro do atual", diz Eronilda de Souza, diarista que mora em São Lourenço e trabalha quatro dias na capital e um dia em Jaboatão - FOTO:FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Estamos falando de um sistema que movimenta R$ 1 bilhão por ano e que tem na tarifa paga pelo passageiro a principal fonte de renda. Uma realidade que fragiliza ainda mais o sistema e que gera ainda mais injustiça social - FOTO:FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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O uso do automóvel seria desestimulado com o PMU do Recife. Pelo menos na teoria - FOTO:FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Nome do engenheiro civil foi anunciado pela governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra, depois de muito mistério e pressão - FOTO:LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM
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Maurício Pina, diretor de Planejamento do CTM - FOTO:FELIPE JORDÃO/JC IMAGEM

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