Um resultado catastrófico. A grande maioria das alterações feitas pela Presidência da República, validadas por deputados federais e senadores brasileiros tem sido vista porque quem vivencia a segurança viária das estradas e ruas do País dessa forma. Uma flexibilização inconsequente da fiscalização de trânsito e, assim, um incentivo aberto às mortes e mutilações de motoristas, motociclistas e pedestres. Ou seja, de todos que compõem o trânsito. Alguns atores ouvidos pela Coluna Mobilidade destacam o perigo das mudanças e alertam que a conta chegará em poucos anos, talvez dois, um, ou até menos tempo. E para toda a sociedade. Lembrando que o trânsito brasileiro já é um mutilador e devorador de vidas humanas - de 30 a 35 mil mortos e 250 mil mutilados por ano - e gera um custo alto por isso: R$ 132 milhões ao ano e R$ 1,5 trilhão em onze anos, segundo levantamento recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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As principais críticas à no Lei 14.071/2020 recaem sobre a duplicação da pontuação para a perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pelo motorista infrator, que passou de 20 pontos para até 40 pontos escalonadas, e do período para renovação do documento, ampliado de cinco anos para dez anos para os condutores com até 50 anos. A visão dos especialistas é de que a flexibilização atendeu às pressões políticas e que, no intuito de buscar a redução do custo e a desburocratização para retirar e renovar a CNH, o Brasil deu dez passos para trás, indo de encontro às medidas de segurança viária adotadas no mundo - que a cada ano amplia a fiscalização das vias e o controle sobre os motoristas. O entendimento é que o País está reduzindo a qualidade da avaliação de capacidade do condutor brasileiro.
Essa conta chegará e será em breve. Dez anos para renovação de uma habilitação? 40 pontos para suspensão de uma carteira? De 3% a 5% da população habilitada é de infratores contumazes. Apenas. Essas mudanças foram promovidas para atender a essa pequena parcela. Enquanto isso, toda a sociedade pagará, com vidas e financeiramente, pela flexibilização. Já temos uma imensa dificuldade de fiscalização nas nossas estradas e avenidas. No último feriadão (Nossa Senhora Aparecida) foram 70 mortes somente nas estradas federais do País e 1.500 colisões de trânsito quando somado os registros das BRs e de São Paulo, por exemplo. 60% das UTIs do Brasil são ocupadas pelas vítimas do trânsito. É preciso lembrar disso”,Sílvio Médici, presidente da Abeetrans
“Essa conta chegará e será em breve. Dez anos para renovação de uma habilitação? 40 pontos para suspensão de uma carteira? De 3% a 5% da população habilitada é de infratores contumazes. Apenas. Essas mudanças foram promovidas para atender a essa pequena parcela. Enquanto isso, toda a sociedade pagará, com vidas e financeiramente, pela flexibilização. Já temos uma imensa dificuldade de fiscalização nas nossas estradas e avenidas. No último feriadão (Nossa Senhora Aparecida) foram 70 mortes somente nas estradas federais do País e 1.500 colisões de trânsito quando somado os registros das BRs e de São Paulo, por exemplo. 60% das UTIs do Brasil são ocupadas pelas vítimas do trânsito. É preciso lembrar disso”, critica o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Tráfego (Abeetrans), Sílvio Médici.
Para muitos, a sociedade ainda não acordou para o ônus social e econômico criado pelo Congresso Nacional, ainda mais no momento atual, quando o Brasil fecha a Década de Ação pela Segurança no Trânsito, um desafio lançado em 2011 pela Organização das Nações Unidas (ONU), sem alcançar a meta de redução em 50% das mortes no trânsito. Houve queda, mas de apenas 30%. Em dez anos, o País saiu da marca de 44.553 mil mortos no trânsito em 2011 para 30.371 mil mortos em 2019 (dados ainda não consolidados pelo DataSus).
Com as mudanças, qualquer médico, de qualquer especialidade poderá realizar os exames, o que é um absurdo porque apenas o médico do tráfego tem conhecimento para avaliar a capacidade física e mental de uma pessoa para conduzir um veículo. Fazemos uma atividade pericial. O médico com título de especialista em medicina do tráfego tem conhecimento, competência, habilidades e atitudes necessárias à correta avaliação dos candidatos à habilitação. Usamos condutas padronizadas que contribuem para a redução dos riscos de eventos no trânsito”,Antônio Meira, da Abramet
“Atualmente, o Brasil é o terceiro País no mundo com mais mortes no trânsito, segundo o mais recente estudo da OMS. Pelos números do Ministério da Saúde, foram 33.625 vidas perdidas para o trânsito em 2018. Diante deste cenário, a grande maioria das novas alterações do CTB em nada contribuem para ampliar a segurança viária. Ao contrário, reduzem e flexibilizam a efetividade da fiscalização e punição para quem descumpre as regras. Uma série de estudos internacionais demonstraram que um sistema de pontuação rígido e eficaz é uma das principais ferramentas para a efetividade da fiscalização do trânsito. É o caso da Espanha, Itália, Austrália e Noruega. Eles deixaram claro que o aumento de pontos caminha na contramão de todo padrão mundial. Esses países, que já têm uma pontuação inferior a do Brasil, têm reduzido ainda mais. Além de tudo isso, as alterações foram feitas sem discussão com a sociedade e votadas de forma remota, no meio de uma pandemia”, alerta Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e quem atuou de perto junto ao Congresso Nacional para evitar a aprovação dos pontos criticados.
MÉDICO DO TRÁFEGO
Outro ponto criticado por também comprometer a qualidade de avaliação dos motoristas diz respeito ao médicos do tráfego. A realização dos exames de aptidão física e mental para retirada e renovação da CNH não será mais restrita aos médicos e psicólogos peritos examinadores, com titulação de especialista em medicina do tráfego e em psicologia do trânsito. O Congresso Nacional manteve a restrição, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou o trecho do PL. “Ou seja, qualquer médico, de qualquer especialidade poderá realizar os exames, o que é um absurdo porque apenas o médico do tráfego tem conhecimento para avaliar a capacidade física e mental de uma pessoa para conduzir um veículo. Fazemos uma atividade pericial. O médico com título de especialista em medicina do tráfego tem conhecimento, competência, habilidades e atitudes necessárias à correta avaliação dos candidatos à habilitação. Usamos condutas padronizadas que contribuem para a redução dos riscos de eventos no trânsito”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Antônio Meira.
A Abramet já anunciou que irá trabalhar para reverter o veto presidencial junto ao Congresso Nacional. E que conta com apoio de entidades médicas fortes: Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Frente Parlamentar Mista da Medicina (FPMed) e Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava). “A especialidade é fundamental. Quando você tem um problema cardíaco vai ao cardiologista. Se for de visão, procura um oftalmo. É a mesma lógica na permissão para conduzir um veículo. Além do curso de medicina, os médicos do tráfego ainda fazem uma residência de pelo menos dois anos. E é importante lembrar que 12% dos eventos fatais no trânsito são provocados por doenças orgânicas, como as cardiopatias, hipertensão, diabetes, epilepsia, entre outras. Por isso a importância da avaliação pelo médico do tráfego”, reforça Antônio Meira. O trânsito é a segunda causa de mortes evitáveis no Brasil. Perde apenas para o homicídio.
Atualmente, o Brasil é o terceiro País no mundo com mais mortes no trânsito, segundo o mais recente estudo da OMS. Pelos números do Ministério da Saúde, foram 33.625 vidas perdidas para o trânsito em 2018. Diante deste cenário, a grande maioria das novas alterações do CTB em nada contribuem para ampliar a segurança viária. Ao contrário, reduzem e flexibilizam a efetividade da fiscalização e punição para quem descumpre as regras. Uma série de estudos internacionais demonstraram que um sistema de pontuação rígido e eficaz é uma das principais ferramentas para a efetividade da fiscalização do trânsito"Rafael Calabria, do Idec
AVANÇOS
Há pontos positivos nas alterações e que são reconhecidos pelos especialistas em segurança viária. Embora sejam muito poucos. É o caso do fim da possibilidade de sentenças alternativas. Os motoristas que estiverem dirigindo embriagados e forem responsáveis por crimes de homicídios e lesão corporal sem intenção (culposo) não poderão mais ter a pena de prisão substituída por sentenças alternativas (como trabalhos voluntários e pagamento de cestas básicas).
Outro exemplo é a mudança no uso das cadeirinhas. A nova lei ampliou a obrigatoriedade do uso do equipamento para crianças de até dez anos de idade que não tenham atingido 1,45 metro de altura. Elas deverão ser obrigatoriamente transportadas no banco traseiro em assento de elevação e utilizando o cinto de segurança. As novas alterações do CTB só entram em vigor a partir de abril de 2021.
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Essa conta chegará e será em breve. Dez anos para renovação de uma habilitação? 40 pontos para suspensão de uma carteira? De 3% a 5% da população habilitada é de infratores contumazes.
Sílvio Médici, presidente da AbeetransCitação
Com as mudanças, qualquer médico, de qualquer especialidade poderá realizar os exames, o que é um absurdo porque apenas o médico do tráfego tem conhecimento para avaliar a capacidade física e mental de uma
Antônio Meira, da AbrametCitação
Atualmente, o Brasil é o terceiro País no mundo com mais mortes no trânsito, segundo o mais recente estudo da OMS. Pelos números do Ministério da Saúde, foram 33.625 vidas perdidas para o trânsito em 2018. Di
Rafael Calabria, do Idec
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